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Entre olhares e ilusões

Redação Lado A 13 de Novembro, 2008 10h53m

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Seus passos eram rápidos, seu corpo suava frio e com muito alivio André conseguiu chegar à esquina do calçadão da rua quinze de novembro. Quando olhou para trás, finalmente, não mais avistou a figura, mal encarada e maltrapilha, que parecia segui-lo. As muitas câmeras de segurança, espalhadas pela rua, o fizeram sentir-se melhor. Em seu intimo estava completamente paranóico. Reparou então ao seu redor todas aquelas lojas, naquele calçadão que transpirava consumismo desenfreado, e decidiu ver algumas vitrines. Havia saído mais cedo da loja. Decidira caçar um pouco no passeio público onde acabou sendo seguido, pelo menos ao que seu cérebro imaginava, por um marginal.


Entrou numa loja de calçados e começou a provar alguns pares sem muito entusiasmo. Sempre descartava os produtos logo após verificar o preço. Decidiu ir embora, mas não sem antes verificar alguns transeuntes no calçadão. Se avistasse um suspeito talvez decidisse provar mais alguns pares de tênis ou tomar a direção contraria. Sim, ele estava completamente neurótico. Mas ao olhar pela vitrine, parado do lado de dentro da loja, teve uma grata surpresa. Um rapaz de ombros largos e braços fortes caminhava calmamente. Com uma camiseta escura com detalhes claros e uma calça jeans que valorizava as coxas grossas, o garoto, parecia pairar acima dos meros mortais que o cercavam.


Decidiu então sair logo da loja e com prazer nos olhos foi acompanhando aquele ser superior que o instigava. Acompanhava seus passos em sintonia perfeita e mantinha uma fixação por todo aquele corpo. O rapaz semi deus parou, de repente, em frente a uma vitrine. André, o paranóico, sentou-se próximo a ele, em um banco do lado do chafariz, no meio do calçadão. O rapaz que era seguido percebeu um olhar fixo em sua direção. Do banco o outro garoto percebeu que era notado por seu objeto de desejo e ficou um pouco sem jeito. E se fosse um hétero? Então ele estaria enrascado. Ou pelo menos ficaria desolado se tivesse que ouvir um sermão em plena Rua XV. Mas, muito pelo contrário, suas investidas obtiveram retribuição. Começou naquele momento uma troca de olhares mútua, frenética e constante entre os dois. Ele pensou ter visto um leve sorriso e um singelo sinal de cabeça. Foi o suficiente. Tomou coragem e foi em direção ao semi-deus que perseguia. Chegou bem de mansinho.


– Oi
– Oi
– Sou o André.
– Tudo bem?


A conversa se estendeu por alguns minutos. André percebeu que seu novo amigo era bem timido. Talvez estivesse um pouco sem jeito por ter sido seguido durante todo seu trajeto no calçadão. Decidiu novamente tomar uma atitude e pegou levemente em sua mão. O rapaz ficou um pouco mais tenso mas parecia gostar. André tomou a dianteira, foi direto ao assunto, estava ansioso por ter aquele homem em seus braços.


– Eu conheço um pequeno hotel aqui perto, bem discreto.
– Pode ser, onde fica?
– Na Sete de Setembro, a umas três quadras daqui.
– Preciso fumar um pouco.
– Eles devem ter áreas para fumantes lá.


Chegaram ao estabelecimento e, sem muitos rodeios, subiram ao quarto. A tarde era infinita do lado de fora e seus corpos suados pareciam integrados ao tempo que dava a impressão de uma locomotiva estacionando em busca de carga. Quando se deu conta, André olhou no relógio e lembrou dos compromissos, a tarde acabara e precisava correr. Colocou rapidamente as roupas. O outro garoto estava só de cueca, estirado na cama, fumando tranquilamente.


– Preciso ir embora. – André estava sem folego, colocou as roupas em questão de segundos.
– Sem problemas, deixe em cima da comoda, do lado da cama.
– Como assim.
– Ah desculpe, nem falei o preço, são 200 reais.
– 200 reais? É brincadeira neh?
– Não.
– Mas eu não vou pagar.
– Vai me dizer que não tinha percebido que sou michê?
– Você não me falou nada.
– Azar o seu. – O garoto riu e começou lentamente a colocar sua roupa.
– Eu não vou pagar, estou indo embora, até mais.
– Vai voltar pra loja de informática, onde trabalha? – O michê mostrou a carteira do rapaz em suas mãos. – Que bom que você guarda tanta informação pessoal na carteira. Pena que estava vazia se tivesse dinheiro nem teria te incomodado cobrando, já teria quitado sua divida comigo. Mas só encontrei alguns cartões.
– Me devolva isso.
– Não se preocupe já decorei o nome da empresa aqui no seu crachá, eu aparecerei para cobrar.
– Ficou louco ninguém sabe de mim lá
– Mais uma vez, azar o seu.


André sentou no chão, desolado, respirou um pouco, colocou a mão no bolso, e pegou um celular. Procurou um número na agenda, sob o apelido de “Lucas”, e chamou. Após alguns instantes uma voz rouca e firme respondeu-lhe.


– Oi Amor.
– Oi Amorzinho, preciso te pedir um favor.
– O que te aconteceu, tá tudo bem?
– Calma, é uma longa história.

Redação Lado A

SOBRE O AUTOR

Redação Lado A

A Revista Lado A é a mais antiga revista impressa voltada ao público LGBT do Brasil, foi fundada em Curitiba, em 2005, pelo jornalista Allan Johan e venceu diversos prêmios. Curta nossa página no Facebook: http://www.fb.com/revistaladoa

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