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“As aflições de um idoso mal-humorado que se vê pressionado, após a morte de sua esposa, a mudar de atitude perante a vida. Ele vai às compras e, ao voltar para casa, queima todas as suas roupas antigas, roupas de “velho”. Pinta os cabelos, busca novas experiências, aprende a curtir a vida. O velhinho que joga xadrez na praça, um dia se revolta contra seus hábitos. Ele percebe que “todos os seus amigos morreram se achando velhos”, e saí em busca de um novo paradigma”.
Não se trata da vida do ator curitibano Ary Fontoura, mas a vida de Cláudio, o um personagem interpretado pelo ator para o cinema. O filme de quinze minutos, Terra Incógnita, gravado na cidade de Guarapuava (PR) no inverno passado, retrata um personagem que se descobriu feliz e passou a ver a vida de forma positiva. Para Ary Fontoura que viveu as grandes transformações do século XX foi fácil pois, no fundo, o personagem se descobriu Ary.
Ele recorda que seu modo de encarar a vida sempre foi positivo. “Eu passei a lidar com o ridículo da vida muito cedo, eu sempre achei que por trás de uma coisa dramática, uma coisa terrível, existia um outro lado. Eu sou uma pessoa muito simples, eu tenho 72, vou fazer no início do ano 73, eu faço questão de abrir a minha idade. Porque eu procuro usufruir as coisas que o mundo oferece, ter uma vida mais saudável, aproveitar a vida.”
O ator garante que a fonte de sua vitalidade está no fato de ele se manter aberto para as novidades. Ele não despreza novas experiências como por exemplo, na literatura. “Eu costumo ler. Estou lendo três livros, Código da Vinci, Dostoievisk novamente e terminei de ler Gabriel Garcia Marques. Já estou de olho em outros. Eu faço da vida um leque. Não fico só medindo uma coisa. Não fico pensando em morte, aposentadoria, não fico pensando que a vida acabou. Acabou nada! Eu não quero me aposentar, o teatro para mim é um hobby, meu trabalho é o meu hobby. Como a minha vida é um leque, eu gosto de tudo. Se alguém chegar aqui e tocar um roque, não vai me incomodar, porque em música eu sou eclético, em literatura eu sou eclético, não tenho frescura.”
Apesar da maioria das pessoas na terceira idade não ver com bons olhos a passagem dos anos, Ary Fontoura consegue ver além do senso comum. “Eu quero viver mais sim. Com saúde, me cuidar, ser feliz, como se eu tivesse 20 anos. E agora eu levo grande uma vantagem, porque quando eu tinha 20 anos, eu buscava o lado quantitativo das coisas, agora que eu tenho 72, eu sou muito mais interessante. Eu transfiro através dos meus conhecimentos e da minha pessoa a qualidade para a minha vida.”
Você se lembra ?
Ary já fez mais de 40 telenovelas. Conta o ator que, no passado, os autores tinham mais domínio sobre a trama e que hoje, o trabalho da tevê é monitorado por um grupo de pessoas que monitoram o ibope e a audiência. “Eu ainda sou de uma fase que não tinha esse estudo, essa elaboração, portanto os autores mandavam um pouco mais no seu trabalho e até impediam que tais coisas acontecessem, pois a eles interessava mostrar a história conforme haviam elaborado”.
O ator recorda com orgulho do amigo Dias Gomes. Para quem o ator trabalhou em todos as suas novelas na Rede Globo. Entre elas: Bandeira 2, Assim na Terra Como no Céu, Saramandaia, Verão Vermelho, O Espigão, Roque Santeiro e Araponga. Nos folhetins de Dias Gomes, destacaram-se diversos personagens. O professor Aristóbulo que se transformava em lobisomem, nas noites de sexta-feira, na novela Saramandaia. E o professor de botânica tarado que cortava o cabelo das mocinhas. Para o ator, “ele era tão problemático. Com o tempo, foi perdendo a noção das coisas, passava a atuar com aquela tesourinha e em todos os lugares passava a sentir vontade. Começou a complicar a sua vida. Um personagem que eu recordo como um dos mais interessantes, mais difíceis de realizar mas eu gostei demais dele. O professor Baltazar, da novela O Espigão, que era uma crítica à construção desenfreada das grandes cidades.”
Ainda de Dias, em Roque Santeiro, uma novela internacionalmente reconhecida, o curitibano dá vida ao Florindo Abelha, que era barbeiro e também prefeito da cidade. Nos anos 90, em Tieta do agreste, o coronel Arthur da Tapitanga, um personagem criado por Jorge amado, desenvolvido para a tevê pelo Agnaldo Silva, outro autor que Ary gosta. A Indomada foi uma novela que rendeu muitos prêmios ao ator, também do autor Agnaldo Silva, onde Ary fazia um político, o professor Pitágoras, deputado federal. Mas o personagem mais recordado pelas pessoas é sovina seu Nonô, que 21 anos depois, ainda é lembrado pelo público.
Alguns trabalhos do ator para a televisão: Chocolate com pimenta – Ludovico, Brava gente – “Alandelão de la patrie” – Dr. Crescêncio, Vila Madalena – Menezes, Meu bem querer – delegado Néris Ferreira de Souza, A indomada – Pitágoras William Mackenzie, Vira-lata – Aurélio, Engraçadinha… seus amores, seus pecados – O dono do bar, A viagem – Tibério, Agosto – Ipojuca, Deus nos acuda – Félix, Araponga – General Perácio, Tieta – Artur da Tapitanga, Bebê a bordo – Nero Petraglia, Hipertensão – Romeu, Roque Santeiro – Florindo Abelha, Amor com amor se paga – Nonô Correia, Guerra dos sexos – Dinorah Carneiro, o Dino, Paraíso – Padre Bento, Jogo da vida – Celinho Barros, Plumas & paetês – Raul Marron glacé – Ernani, Memórias de amor – Mânlio, Dancin´ days – Ubirajara, Nina – Fialho, À sombra dos laranjais – Tomé Caldas/Estopim, Saramandaia – Professor Aristóbulo Camargo, Gabriela – Doutor, O espigão – Baltazar Câmara, O semideus – Mauro, Uma rosa com amor – Afrânio, Bandeira 2 – Comandante Apolinário Gusmão, O cafona – O profeta, Assim na terra como no céu – Rodolfo Augusto, Verão vermelho, A ponte dos suspiros, Rosa rebelde, Passos dos ventos, Sai de Baixo, entre outros.
ENTREVISTA
Em entrevista concedida por telefone, em outubro de 2005, o ator falou de política, carreira, família e como encara a vida.
Como você iniciou a sua carreira?
Eu comecei em Curitiba, nos anos 50, no Colégio Estadual do Paraná, quando este foi inaugurado. Antes, só tínhamos o Teatro Guaira, quando ainda era ali na Dr. Muricy, era um teatro que estava inativo, funcionava uma espécie de biblioteca, na verdade, o teatro cedeu espaço para ser a biblioteca atual. Naquela época, só tínhamos esse teatro e os cinemas Cine Odeon, Cine Avenida e Cine Palácio, que serviam para as companhias itinerantes fazerem seus trabalhos. E o Colégio Estadual surgiu com um grande auditório e com um corpo cênico e foi lá que eu comecei efetivamente a minha carreira. Eu era aluno e lá eu comecei. Depois, no rádio-teatro na Rádio PRBII – Radio Clube Paranaense e Rádio Colombo que trouxe o primeiro canal comercial de tevê, a TV Paraná do Diários Associados do Paraná, da família Stresser.
Como foi a aceitação da sua carreira pela sua família?
Imagina o teatro há 60 anos atrás, quando o que restava para quem fazia teatro era a alcunha ou a mulher era prostituta ou o homem era homossexual, esse era um grande fantasma que pairava sobre as famílias mais tradicionais e Curitiba sempre foi uma cidade tradicionalista. Hoje, eu sou considerado orgulhosamente dentro da minha família, as pessoas entenderam a minha luta. Como no mar, não adianta lutar contra a maré.
Até hoje, você está envolvido com as novidades, no cinema, teatro, televisão, você sempre está em atividade, por quê?
Eu até poderia estar envolvido mais. Se eu não tivesse dado prioridade ao meu trabalho na televisão, estou na Rede Globo há 40 anos e as novelas sempre tomam de você um tempo maior, você é obrigado a emprestar a sua imagem por 10 meses para uma novela. Sempre tem os convites para fazer filmes e tudo mais, se puder ser aproveitado a sua imagem da televisão, tudo bem, senão, você fica impossibilitado de fazer. Você nem sempre consegue deixar uma barba, um cavanhaque, ou cortar o cabelo na moda e o personagem que você realiza na televisão tem princípio, meio e fim. Então, você é obrigado a seguir uma risca, essas coisas fazem com que você não priorize os outros trabalhos e o cinema fica só por uma casualidade. Não é que eu dê a preferência à televisão e sim porque eu já estou envolvido.
Teve algum personagem que marcou a sua carreira junto ao público?
Fiz um trabalho em 1984, que eu reputo como o trabalho mais popular, o que me caracterizou junto ao público como um ator extremamente popular, era uma novela baseada em uma peça de Molière, portanto um personagem de 300 e poucos anos, do original O Avarento, eu fui transformado na adaptação em seu Nonô, em uma novela chamada “Amor com Amor se Paga”, esse foi na verdade o trabalho mais popular que eu fiz na televisão. Depois de 21, 22 anos, o povo ainda me identifica na rua por seu Nonô.
Em uma entrevista recente, você afirmou “A tevê é uma vitrine que o ator precisa aproveitar, mas sou do teatro”, qual o motivo desta paixão e casamento de mais de 50 anos com os palcos?
O teatro eu nunca abandonei, o teatro sempre eu quis que permanecesse na minha vida, realmente eu acho de vital importância, é uma arte, coisa que a televisão não é. A televisão é, na minha opinião, um misto de rádio, cinema, um pouquinho de cada um, roubado. A gente sempre tem essa preferência, como você vê nas entrevistas, os atores oriundos do teatro, aqueles que tem consciência do seu trabalho, dizendo que sempre priorizam o teatro, porque é no teatro que você recarrega as pilhas para gastá-las. Você tem tempo hábil para realizar, desenvolver o trabalho que você gostaria.
Qual é a grande motivação: o público ou o desafio que o personagem propõe?
O desafio, no meu caso, é a primeira coisa que eu busco. A compensação do desafio é o público. Nessa profissão, sem público a coisa não flui. É o público que te coloca no ponto em que você está, é o público que te faz um ator. Você é produto da admiração popular. É o público que te faz. É ao público que você acaba sempre devendo a sua carreira. E eu sempre digo é isso, eu devo minha carreira ao público, a quem eu sou profundamente agradecido, por ter tido a paciência de esperar que eu fizesse as coisas todas e ainda faço. Porque eles sabem que é tudo feito em função deles.
Você costuma voltar a Curitiba? Bate saudade?
Vou sempre a Curitiba, é onde estão os meus familiares e tenho alguns amigos remanescentes. Sempre estou por aí no Natal, quando tem um tempo por aqui, eu sempre dou um pulo aí.
Eu acho Curitiba uma cidade legal. Diferente do tempo que eu morei aí, agora, Curitiba está uma cidade moderna, é uma cidade de primeiro mundo, sem dúvida. Eu acho que a mentalidade do curitibano progrediu, no melhor sentido, com essas “evasões” dos outros estados, cidades, das pessoas estão indo para aí. É uma cidade modelo, as pessoas querem estar aí. Essa “invasão” foi benéfica, sobretudo por criar certo distanciamento do protecionismo, do Paranismo que não dava pra entender, ninguém se dividia com ninguém, as pessoas se afastavam, mas agora é diferente. Essa mentalidade deu a Curitiba um aspecto ótimo. Ficou mais gostoso, as pessoas são extremamente comunicativas, você chega, se diverte, imediatamente você faz amigos, sempre tem com quem conversar.
Sempre vou aos lugares para relembrar, dou uma volta de carro, passo nos lugares antigos, vejo o que ainda existe, o que não tem mais, quais as coisas que sobraram. Dá uma certa vazão ao lado emocional, essa vontade de rever as coisas, embora a gente queira negar, o sentimento invade, sem pedir licença e você é obrigado a se render a ele.
Em pleno ano do golpe militar, você se mudou do Paraná para o Rio de Janeiro, dizem que foi justamente no fatídico 31 de março de 1964, é verdade?
De fato. Não foi um dia que eu escolhi, na verdade foi uma coincidência. Em Curitiba, nós não sabíamos como iam as coisas, sabíamos que havia alguma coisa no ar. As comunicações eram muito difíceis, para dar um telefonema para São Paulo, naquela época, tinha que pedir o interurbano, só 24h depois era atendido, não era essa beleza que está sendo agora, via satélite. Para chegar de Curitiba a SP você levava 24-30h de trem, um ônibus demorava tanto quanto. A BR-116 nem existia, era difícil. Curitiba era uma ilha, agora não é mais.
Qual era a sua inclinação política?
A mesma de agora, eu sempre fui uma pessoa… eu não sou nem poderia ser jamais político, na expressão da palavra, eu não sou político. A gente nunca sabe o que se passa na cabeça de um político, verdadeiramente. E eu nunca quis saber disso, eu sempre achei que a verdade era uma coisa única, sozinha, que existia, sem dúvida alguma. Que poderia ser exercida, razão pela qual eu sempre critiquei a política no sentido mais amplo da palavra, eu pertenci sempre ao lado oposicionista da coisa. Eu acho que sem dialogo não há progresso, quem monologa, fica sozinho. Então se não tem uma oposição dura e cruel, não se tem um bom governo, fica na expectativa de uma coisa só. E uma coisa só não presta. É como bares sem concorrência, cinema sem concorrência, eu era sempre da oposição, e hoje eu ainda sou.
Eu sou um pouco impaciente e um pouquinho revoltado com relação a essas coisas, eu sinto que o meu tempo está passando e que eu não vou ser atendido na minha única reivindicação que eu quis realmente, como eleitor, ser atendido, que é ter um bom presidente para este país. Eu nasci em 1933 e até agora eu não me deparei com um presidente ideal para esse país que tem um povo maravilhoso
E se você fosse presidente?
Se eu fosse presidente? Faça uma radiografia de tudo isso que eu te falei e veja se eu poderia ser presidente. (risos) Eu não poderia ser presidente, eu não poderia estar no comando de nada. Eu não estaria nunca satisfeito e sobretudo não estaria satisfeito comigo mesmo e isso seria péssimo.
Ser presidente é ser nada, é ser um individuo manipulado. E isso aí eu não quero para mim. E ser ditador não é bom também, porque também não se age sozinho. Porque nunca terá a exposição verdadeira dos seus sentimentos. Eu por exemplo, acho que falta um patriotismo nesse país… Ser presidente, eu não almejo. Eu não almejo ser político. Acho que está de bom tamanho o que eu sou, ser artista. E não gosto da comparação. Quando a minha profissão entra comparada a outras coisas que acontecem. Um criminoso, por exemplo, que mentiu até o final e falam que bom ator que ele foi. Não gosto deste tipo de coisa.
Como você vê a situação atual do país?
Quem não entender é só abrir o jornal e você está vendo o que está acontecendo com o Brasil, o Brasil da esperança. A esperança que venceu o medo, essas coisas que estão acontecendo, com o PT, o próprio presidente Lula, que ficou 16 anos se preparando para ser presidente e não tirou sequer um diploma em uma universidade particular, nunca aproveitou para estudar, nem nada.
E esse é o resultado, o resultado está ai, mandaram o presidente viajar pelo mundo todo, para falar em português, uma língua que ninguém entende e o amigo dele ficou no lugar dele governando e na conversa comum entre os dois com certeza era assim: – Ô cara, vai viajar cara! Deixa comigo tudo aqui, que eu seguro as pontas, você não entende nada mesmo e tudo que você disser lá fora ninguém vai entender, vai passear, deixa comigo que eu faço tudo, foi assim.
O que é melhor de fazer: comédia ou drama?
O mais difícil de fazer é a comedia, a comédia necessita de uma resposta imediata do público. Na comédia, o público interage, enquanto no drama é tudo mais silenciosamente. É muito difícil fazer rir mas é muito fácil fazer chorar, as pessoas têm milhares de motivos para chorar e por isso vão ao teatro para se divertir. Então eu acho que a comédia é o grande exercício do teatro. Nem sempre um excelente ator que faz o drama consegue fazer uma comédia. Mas geralmente os comediantes fazem o drama com muita facilidade. E aí que está a grande vantagem de se começar por esse exercício. Imagine assim: a cada gargalhada, a ação se interrompe, o personagem deve ser mantido pelo ator e recuperado logo em seguida. Em cada interrupção, um exercício formidável.
SOBRE O AUTORRedação Lado AA Revista Lado A é a mais antiga revista impressa voltada ao público LGBT do Brasil, foi fundada em Curitiba, em 2005, pelo jornalista Allan Johan e venceu diversos prêmios. Curta nossa página no Facebook: http://www.fb.com/revistaladoa |
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