Desabafo

Eu estava em um momento zen da minha vida na semana passada, como é possível conferir na última coluna que publiquei. São raras as vezes que deixo a emoção conduzir as minhas ações, os meus pensamentos, o meu trabalho. Tento ser racional, mas sempre tem algo, felizmente, que me desperta paixão e me faz sentir vivo. Os leitores e amigos mais atentos conseguem perceber isso, pois raramente deixo de me manifestar, assim, em primeira pessoa. A divulgação dos dados da última pesquisa do Ministério da Saúde com a comunidade LGBT causou esta catarse, que vem desde a última sexta-feira. Estou altamente inquieto e, acredito, com justificativa, após ler em um site de notícias: 1 a cada 10 gays tem AIDS.


Não sou o dono da verdade, mas há 10 anos eu trabalho com comunicação, quatro deles dedicados ao meu projeto pessoal, a Lado A. Desde que comecei a militar pelos direitos gays e saí da casa dos meus pais, luto todos os dias para que tenhamos um dia o respeito que merecemos, a igualdade que tanto almejamos. Em um segundo vi tudo isso ser ameaçado, em razão de uma pesquisa que diz: 1 a cada 10 gays tem o HIV. Não é preconceito a quem tem o vírus, muito menos medo de ser infectado. Mas admitir que temos quase dois milhões de homens que fizeram sexo com homens no Brasil com o vírus da AIDS não é algo fácil. Sim, se dizemos que 10% da população é homossexual, teríamos hipoteticamente esse número.


Não posso dar razão às mães que dizem ao filho que eles morrerão de AIDS quando contam que são homossexuais, ou ao Dourado do BBB10 que afirmou que apenas gays pegam AIDS, ou então aos discursos que dizem que o nosso estilo de vida é diferente e condenável, que gays são promíscuos. Admitir que um a cada 10 gays tem o HIV assusta. Será verdade? Uma pesquisa tem o poder de afirmar isso?


A pesquisa não foi publicada ainda, mas a própria militância assina embaixo, pois acompanharam toda a aplicação da mesma. Eu não estava lá, mas tenho o direito e o dever de contestar. Há pessoas promíscuas, há pessoas que não usam a camisinha, mas isso não tem a ver com o fato de serem homossexuais. Até pouco tempo o discurso era: façam que quiser, mas usem camisinha. Mas agora nos apontam dedos: 1 a cada 10 gays tem AIDS. Daí para nos culparem novamente pela epidemia é um passo muito curto para o lado. A AIDS nunca foi doença de homossexual, está mais do que claro que quando um gay é soropositivo ele é um devasso, e quando um hétero tem o HIV os médicos buscam a explicação. Gay com AIDS não é coitado, está pagando penitência, já o hétero é porque não usou o preservativo, transou com puta, ou outra razão… e morrem de pneumonia.


Bareback é coisa de homossexuais, a mídia tentou emplacar recentemente. Héteros também fazem, tanto fazem que a gravidez indesejada é uma realidade, ainda mais entre as adolescentes . Não discordo que entre alguns homossexuais e homens que façam sexo com homens a taxa de incidência do HIV esteja 1 para 10, mas não podemos sacrificar aqueles que vivem vidas regradas e absolutamente condizentes com o que diz o enfrentamento da epidemia, ou seja, que usam o preservativo. Tem ainda aqueles que tem vida sexual monogâmica ou que nem mesmo fazem sexo. Generalizar com um número tão alto toda uma comunidade é muito perigoso, ainda mais quando se trata de um estigma tão forte e que levou anos para que deixássemos de ser considerados um grupo de risco.  

O desabafo era esse, por sorte, escrever me deixa calmo, e eu amo o meu trabalho. Peço desculpas aos leitores que precisaram ler tudo isso, por capricho, mas espero que entendam que não podemos deixar que nos coloquem de volta na escuridão. Pois de um a cada gay tem AIDS, quantos são monogâmicos, quantos usam camisinha, quantos não fazem sexo, quantos pegarão o vírus, quantos morrerão até que entendam que AIDS não é uma doença de gays, mas de pessoas que fazem sexo (não importa a quantidade) sem proteção?

Redação Lado A :A Revista Lado A é a mais antiga revista impressa voltada ao público LGBT do Brasil, foi fundada em Curitiba, em 2005, pelo jornalista Allan Johan e venceu diversos prêmios. Curta nossa página no Facebook: http://www.fb.com/revistaladoa