Homem casado pra mim é mulher, até na Indonésia

Um dia desses, eu estava com minha página do Facebook aberta, quando uma janela de bate-papo saltou na tela e notei que alguém falava comigo em inglês. Comecei a conversar com o ser, de nome esquisito, que ali se encontrava. Achei super curioso uma pessoa desconhecida me abordar dizendo coisas como: “Você é lindo” ou “Suas fotos são perfeitas como você”. Mas o que me causou mais espanto, pra não dizer MEDO, foi ler: “Sempre vejo todas as fotos que você posta”.

Pensei: Meu Deus! Estou sendo espionado! Quem é essa pessoa?. Foi então que resolvi perguntar de onde conhecia o ser humano em questão. E a resposta foi: “Sou da Indonésia e te acho lindo!”.

Oi? Eu nem lembrava ter adicionado alguém de tão longe no meu Facebook. Como se tratava de um perfil feminino, então mandei: “Obrigado, mas tenho uma péssima notícia para você, sou gay”. E para minha surpresa, a pessoa respondeu: “Eu também sou”. Fiquei confuso e continuei a conversa até que descobri: na realidade, aquele perfil era de uma senhora indonésia, casada. Mas, quem o estava usando era o marido dela, para dar em cima de mim!

Fiquei pasmo por um segundo e questionei ao homem se sua esposa sabia sobre o fato dele ser gay. A resposta foi óbvia: “Não, esse é meu maior segredo!”. Por conta disso, resolvi pesquisar sobre a homossexualidade na Indonésia e, assim como nossa amiga Marilac, dividirei com você esses “Momentos meus”:

Em reportagem da jornalista Anggatira Gollmer para a Deutsche Welle (DW), agência de notícias alemã, John Badalu, organizador há 10 anos do maior festival de cinema gay na Ásia, o “Q! Film Festival”, declarou que o país não pode ser comparado aos outros países muçulmanos, como o Irã, onde as pessoas têm sido executadas por causa de sua orientação sexual. Porque na Indonésia não há leis que punam os homossexuais.

Mesmo assim, ano passado, o Q! Festival foi atacado pela Frente Defensora Islâmica (FPI na sigla em inglês) sob a acusação de mostrar filmes pornográficos. Os radicais ameaçaram atear fogo em tudo se o festival não fosse cancelado. Badalu não cedeu, apesar do mesmo grupo ter conseguido impedir que uma conferência internacional sobre a homossexualidade fosse realizada no país, duas semanas antes.

Sobre o fato, Badalu afirmou que os gays não são os únicos alvos, todas as minorias são, assim como outros grupos religiosos. “Se alguma coisa é contra o Irã na interpretação deles, eles irão protestar violentamente”. E mais, segundo ele, nunca houve agressões, como espancamentos de gays no país.

Eu já tinha ficado contente por isso, quando descobri o depoimento de Hartoyo, membro da Ong “Our Voice”, que luta pelos direitos LGBTs no país, e que diz ter sido espancado em público na cidade onde morava com seu parceiro. Quando foi dar queixa na delegacia, além de ter sido tratado como um animal, depois de 18 meses viu quatro de seus sete agressores saírem da cadeia em liberdade condicional, pagando uma multa ao equivalente de 10 centavos cada um. Apesar do trauma, ele luta para que o governo de lá passe a respeitar os direitos civis dos LGBTs na política, na economia, na sociedade e na cultura.

Laura Coppens, de Berlim, produziu um filme sobre lésbicas na Indonésia e concluiu que a maioria da população de lá é tolerante com os homossexuais, mas preferem não falar no assunto por causa do forte sentimento de “Malu” (vergonha) que a homossexualidade acarreta. “É engraçado, porque se você não fala sobre o assunto no país, ninguém se importa. Há casos de casais lésbicos que vivem felizes em suas vizinhanças e ninguém se incomoda com isso”, diz ela. Agora, o problema começa quando você assume que é homossexual. Uma das lésbicas que aparece no filme de Coppens foi banida de casa e sua família não a aceita por conta da forte vergonha que a moça causou para eles.

Como sempre, os maiores desafios vêm da sociedade. Em algumas áreas os gays são aceitos abertamente, especialmente na televisão e na publicidade, mas existem casos de pessoas que foram demitidas por causa de sua orientação sexual, em outros setores profissionais. Muitas transexuais não têm registro de identidade (RG) com nome feminino porque relutam passar por toda a burocracia que isso requer e porque são constantemente ridicularizados pelos atendentes dos órgãos específicos. Por causa disso, perdem o direito ao convênio médico público.

No site de turismo chamado Indonésia Gay, descobri que para pessoas com maior nível de educação, existe uma distinção clara entre os homens que são gays e os “waria/banci” (Transexuais). Mas para a população mais carente, gay e transexual têm o mesmo significado. A relação entre os warias e os gays não costuma ser boa. Muitos gays pagam pra fazer sexo com os “laki-laki asli”  (héteros). E por sua vez, muitos héteros pagam para fazer sexo com os transexuais que são, em sua maioria, pobres e vivem em becos.

Por fim, de volta àquela matéria da agência WD, acabei chegando no ponto em que desejava. Segundo Dede Oetomo, co-fundador da 1ª Organização Homossexual da Indonésia, nos últimos 20 anos cresceu muito a pressão social pelo casamento em geral. E os gays não se livram disso, pois muitas famílias acham que a orientação sexual de seus filhos pode mudar se eles se casarem com uma pessoa do outro sexo. “Na realidade, a família é mais assustadora do que qualquer outra coisa para muitos gays e lésbicas indonésios”, diz Oetomo, que afirma inclusive ser um pesadelo para um filho contar aos pais que não irá se casar e nem lhes dar netos. Por causa desse tipo de pressão, só existem duas alternativas: gays e lésbicas decidem casar para agradar suas famílias ou fogem de casa. Aos que ficam e se casam, um mimo, recebem notas de dinheiro em formato de Origame. Na Indonésia os dotes ainda existem, estes podem ser dados em espécie, assim como os presentes também não precisam ser obrigatoriamente objetos. A parte ruim para os homossexuais que se casam com os héteros, além do óbvio, é que tradicionalmente são convidadas mais de 1000 pessoas para o casamento. E os noivos cumprimentam individualmente a todos os convidados.

Pois é, a vida para os homossexuais não é nada fácil na Indonésia. Mas não é tão diferente assim da nossa no Brasil. Mas depois de ler tudo isso sobre o país do meu admirador indonésio, me deu remorso de tê-lo bloqueado e excluído do meu Facebook. Pensando bem, não acho que fiz errado. Ele estava me cantando, não pediu ajuda em nenhum momento e nem disse que precisava desabafar. Então, não sou obrigado a dar trela pra um homem que casou para fugir do estigma de ser homossexual. Não sou obrigado mesmo! Nem aqui nem na China (E muito menos, na Indonésia).

Leandro Allegretti é um dos fundadores do site DQOGG

 


Redação Lado A :A Revista Lado A é a mais antiga revista impressa voltada ao público LGBT do Brasil, foi fundada em Curitiba, em 2005, pelo jornalista Allan Johan e venceu diversos prêmios. Curta nossa página no Facebook: http://www.fb.com/revistaladoa