Gênero é performático: No fim, somos todos atores seguindo um roteiro

Por Dan Hapoza
 
Recentemente, terminei de ler um dos clássicos mangás de ficção científica, They Were 11!, de Hagio Moto. Focado em um grupo de indivíduos presos em uma nave espacial, um dos quais não deveria estar lá, o mangá foi adaptado em anime, o que acabou cortando vários dos pontos mais interessantes da obra. Censura que infelizmente ocorre freqüentemente com várias séries literárias que são adaptadas para televisão. 
 
O personagem que mais me chama atenção, e assumo que seja o caso para quase todos que leram ou viram They Were 11!, é o assexuado interesse amoroso do protagonista, Frol. No planeta natal de Frol, as pessoas continuam sem ser homens nem mulheres até atingir a maturidade, o ponto no qual eles escolhem qual dos sexos querem se tornar. Visto que homens têm mais privilégios lá, Frol quer se tornar macho, apesar de acabar parecendo bastante feminino como resultado, mas no final da história original, acaba por se apaixonar pelo personagem principal, Tada, e decide se tornar fêmea, para que eles possam casar – única forma viável de isso acontecer, já que não se aborda a homossexualidade na trama.
 
Existe uma famosa frase criada pela filósofa feminista Judith Butler, que diz “Gênero é performático“. Em outras palavras, coisas que associamos a um certo gênero não são tão naturais ou inscritas em pedra como achamos, mas sim são comportamentos que são reforçados constantemente pela sociedade de forma que atuemos de acordo com nossos gêneros em todos os momentos. No fim, somos todos atores seguindo um roteiro. Para simplificar, considere o que a frase “ser um homem” realmente significa. Agora o que eu acho realmente interessante sobre toda a situação de Frol é que, sem ter um sexo definitivo, ela (estarei usando este pronome por conveniência, me referindo à personagem) não tem base natural ou biológica para agir de acordo com algum gênero, então para ela gênero é, acima de tudo, performativo.
 
Na história original, quando Frol ainda deseja ser homem, ela consistentemente tenta afirmar a sua masculinidade, na maioria das vezes se comparando com o nervoso Tada, realçando que ela é mais alto, seus membros são mais compridos, que sabe lutar melhor, é mais forte, etc. Na segunda história, porém, quando Frol decidiu que quer se tornar mulher (apesar de ainda não ter feito a mudança), ela age como ela pensa que uma mulher deveria agir, sendo mais aberta emocionalmente com Tada, agindo como uma adolescente apaixonada. Por não ter tanto tempo que ela ainda estava agindo como homem, fica claro que isso é tudo consciente da parte dela, reforçado no ponto ao que ela lida com seus ciúmes. Na continuação do mangá, quando Frol vê um monte de garotas flertando com o seu então namorado Tada, a reação dela é voltar a ser homem e dar em cima das meninas, e tentar ganhar de Tada – ao que ela acha que é um jogo de quem conquista mais garotas. No fim, Tada ainda a amava e foi tudo um desentendimento, mas fica claro que a decisão de Frol de combater fogo com fogo é facilitada pela própria existência assexuada.
 
Há outros personagens similares em animes e mangás, notavelmente Ranma de Ranma 1/2 e Sapphire de Princess Knight mas, em ambos os casos, seus sexos são decididos por forças sobre os seus controles e eles devem lidar com a situação de agir como homem quando na verdade são mulher e vice-versa. A situação de Frol é diferente. Para Frol, a única razão pela qual ela decidiu se tornar mulher e começar a agir “como mulher” foi por causa do amor que nutria por Tada. Quando ela sentiu que esse amor não existia mais, ou estava ameaçado, ela foi capaz de fazer o completo oposto, assumir o sexo masculino e cortejar garotas, mas quando o caso foi resolvido ela resolveu voltar.
 
Nesse sentido, Frol e a liberdade com a qual ela tem para decidir o seu sexo e gênero nos seus próprios termos, acaba sendo uma representação fiel da fluidez de gênero como conceito.
 
 
 Fotos: “Asaf Einy para F.O.D, Man loving magazine,Tel Aviv (Reflection on Masculinity and Gender Perceptions – Men With “Lady” Hair Jun 2012) 
 
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