Félix, o beijo e a homofobia

Por Toni Reis*

Todo ano, ao final da novela das nove, sempre há uma polêmica. Nos últimos anos, diversas vezes a polêmica tem sido o famoso beijo gay. Desta vez a dúvida é se terá ou não um beijo entre os personagens Félix e Niko na novela Amor à Vida. Por que tanta polêmica? O que é um beijo? Um beijo é uma demonstração de carinho e afeto que uma pessoa dá para outra, para selar sua relação, e nisso não há problema algum. Hoje vemos na televisão diversas cenas que podem causar muito mais indignação entre a sociedade brasileira: mortes, assaltos, fogo ateado em ônibus, presos se degolando, crianças sendo mortas, ou o jovem gay cujo corpo foi encontrado esta semana na Avenida Nove de Julho em pleno centro da cidade de São Paulo, com os dentes arrancados, o rosto cheio de hematomas e fraturas, e a perna atravessada com uma barra de ferro. Mas um beijo é simplesmente um beijo, seja entre hetero ou homossexuais. O descabimento da censura de um “beijo gay” pode ser exemplificado pelo caso do soldado americano, Leonard Matlovich, expulso do exército por ser gay nos anos 1970, que falou: “No exército, me condecoraram por matar dois soldados; e me expulsaram por  beijar outro”. Então, um beijo é simplesmente um beijo: a kiss is just a Kiss.

Com a novela Amor à Vida, o autor Walcyr Carrasco com muita habilidade incluiu na trama uma série de assuntos que merecem elogios e têm sido um sucesso, entre eles: o personagem  Félix, a famosa “bicha má”, e a homofobia do César; as tentativas de paternidade por parte do casal gay, inclusive a questão da adoção; as crianças com deficiência; o preconceito contra as pessoas gordas…

Percebe-se que a questão do beijo “gay” e do próprio personagem Félix, tem sido assunto de capa de revista, enquetes nos grandes sites, e também tem gerado uma grande discussão nas redes sociais. Isto é importante, pelo trabalho do autor e do ator Mateus Solano, e também pela militância LGBT que vem trabalhando muito neste sentido. Hoje há em torno de 200 Paradas  LGBT dando visibilidade à causa em todo o Brasil, há cerca de 400 organizações LGBT da sociedade civil trabalhando e lutando pelos direitos humanos, bem como algumas políticas públicas afirmativas para LGBT no âmbito federal e em alguns estados e municípios.

Mesmo assim, ainda é preciso melhorar muito. No último relatório (ano de 2012) do governo federal sobre a violência homofóbica no Brasil, foram registradas 9.982 denúncias de violações de direitos humanos de pessoas LGBT e 310 assassinatos homofóbicos. O Congresso Nacional não aprovou sequer uma lei específica que contemplasse favoravelmente a comunidade LGBT; o projeto de criminalização da homofobia foi, infelizmente, apensado à proposta de reforma do Código Penal. Há apenas duas leis que foram aprovadas que de certa forma contemplam a comunidade LGBT, que são a Lei Maria da Penha e o Estatuto da Juventude. Se não fosse o trabalho do Judiciário, nós continuaríamos sem a devida proteção jurídica. Neste sentido o Supremo Tribunal Federal e o Conselho Nacional de Justiça têm de ser elogiados, e a novela, por mais que seja uma obra de ficção, reflete muita dessa evolução da sociedade e das instituições nas suas atitudes, posturas e ações em relação às pessoas LGBT. Por exemplo, segundo pesquisas de opinião pública, em 1993 apenas 7% da população era favorável à união homoafetiva, hoje são 55%.

Esperamos que os pombinhos se beijem. E se não se beijarem, esperamos que – quem sabe – daqui uns 10 ou 15 anos, um beijo seja considerado simplesmente um beijo e que não gere tanta polêmica como ocorre desnecessariamente hoje.

Toni Reis é Doutor em Educação e Secretário da Educação da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT)

 

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