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Qual a racionalidade da ocultação destas partes? Nenhuma. Assim como, dantes, nenhuma imoralidade havia na exposição do peito dos homens e na abdômen das mulheres, nenhuma indecência há em as mulheres andarem de mamas ao vento e os homens de pênis solto.
O corpo é natural (ou não?); ele não é imoral (ou é?). Nenhuma das suas partes deve ser motivo de vergonha (ou deve?); não há regiões do corpo mais decentes e outras menos (ou há?). “Naturalia non turpia”, diziam os antigos: o natural não envergonha, não deve envergonhar, não porque envergonhar.
Qual é a justificativa racional, defensável, coerente, de se obrigar moralmente ao velamento de certas partes do corpo? Nenhuma. Por que o pênis deve ser ocultado? Por que as mamas devem ser encobertas? Por nenhum motivo; apenas e exclusivamente por causa da rotina mental, do costume, da imitação do uso, da repetição, do modelo mental a que as pessoas são condicionadas, a que aderem e que se perpetua por inércia.
Ninguém pense que a exposição da genitália é excitante. Quem nunca viu, observa, na primeira vez, por curiosidade; na segunda, ainda observa, ainda por curiosidade; na terceira, já viu e, mais do mesmo, a repetição enfara e desaparece a curiosidade e, com ela, o olhar. Ademais, pode excitar mais o encobrimento do que a exposição: imagina-se o que se não vê; o que se vê pode decepcionar…
E se a exposição da totalidade do corpo fosse excitante? Que mal haveria em que o fosse? Há mal na libido, na sexualidade, na excitação, na atração física, no interesse? Acaso nada disto existe? Acaso devemos fingir que nada disto existe? E acaso a excitação limita-se às partes encobertas? Só há excitação mercê da observação do que se oculta ou o restante corpo também atrai? E porventura, nas praias, as pessoas sentem-se todas e sempre atraídas e excitadas com a observação dos corpos quase nus?
Há, no Brasil, raras praias de nudismo, isoladas, quase como se fossem campos de concentração ou lazaretos, cujos freqüentadores devem ser segregados. No Brasil, apesar do calor (Rio de Janeiro, quarenta graus!), ai da mulher que andar de mamas ao vento no areal da praia! Toda a gente olhá-la-a, em regra por curiosidade (nunca viram cousa tal) e haverá policial que intervenha para coibir o atentado ao pudor, duplo índice do retrógrado da mentalidade do brasileiro, para quem o descobrimento das mamas é moralmente condenado e atentatório aos bons costumes. Para mim (brasileiro) é ridículo, é primário que os bons costumes envolvam, ainda, o encobrimento de certas partes do corpo; é idiota que se censurem as mulheres por exporem as suas mamas; é sem sentido que os homens devam ocultar o seu órgão de emissão da urina.
Que diferença há entre tapar-se o bico da mama das mulheres e não o fazer? Uma tira estreita de pano amarrada nas costas; outra tira, mais estreita, sobre os pentelhos, resguardam a moral e a decência? A sua ausência é atentatória do pudor e dos bons costumes? Pense com seriedade, reflita por um minuto, fora da rotina mental a que está condicionado: que diferença faz? Por que tais trapinhos seriam sinônimos de pudor? Por que a sua ausência é despudorada? O mesmo em relação à genitália masculina. Em que há indecência, imoralidade, atentado ao pudor, ofensa na exposição do que é natural?
No areal das praias do Rio de Janeiro, se uma mulher retirar o tapa-sexo superior, haverá quem chame a polícia, para reprimi-la por ato de despudor, como ocorreu com uma estrangeira, acostumada, no seu país, à exposição das mamas e que se perplexou com a atitude do brasileiro, que admite a nudez integral no carnaval, masculina e feminina, que suporta temperaturas de quarenta graus e para quem os bons costumes dependem de se encobrir o bico do seio.
Na Alemanha, pratica-se o nudismo integral há cerca de 120 anos. A nudez total integra os costumes alemães. Anda-se nu, em pelo, em público, nas cidades alemãs, sem que tal seja motivo de escândalo nem de atentado à moral e aos bons costumes. Para o alemão, o corpo não é motivo de vergonha nem a nudez é sexual: é natural. Na França, na Espanha, em Portugal, as mulheres apresentam-se, nas praias, de mamas ao vento e ninguém se escandaliza com isto nem se põe a mirá-las como objetos sexuais, exceto os brasileiros, bisonhos em tais costumes de liberdade.
Se uma criança, na praia, na cidade, no campo de nudismo, vir o pênis, o escroto, os pentenhos, as nádegas, a vagina, as mamas, terá visto o corpo como ele é e terá aprendido que tudo isto integra os seres humanos (inclusivamente ele próprio) e que nada disto merece, razoável nem justificadamente, ocultação como critério de moralidade.
“Se eu ficar nu, toda a gente vai me olhar”. Muita gente olhá-lo-a por curiosidade, por não estar acostumada com a nudez. A nudez individual, isolada, é atrativa; deixará de sê-lo se, a pouco e pouco, as pessoas exercerem a sua liberdade e tornar-se, gradualmente, costume a exposição, a começar pelas praias.
Neste momento, a mentalidade dos brasileiros, quanto à exposição do corpo, é demasiadamente conservadora, convencional, rotineira, mesmo arcaica. Já foi pior, quando o cristianismo, religião repressora, por excelência da sexualidade, preponderava com o seu ethos. Em décadas pretéritas inexistia o banho de mar: que imoralidade uma mulher expor o tornozelo. O tornozelo! Poderá piorar, na medida em que se propagarem as formas evangélicas de cristianismo, atualmente em avanço no Brasil. Manter-se-á estacionária enquanto não se despertar a atenção do público em relação a tal matéria.
O preconceito contra a nudez, a vergonha do corpo, o automatismo do seu encobrimento constituem, propriamente, heranças católicas: padrões de pensamento, de comportamento, de reação emocional, em suma, mentalidades e costumes que se incutiu no brasileiro mercê da pregação insistente, reiterada, efetuada pelo clero católico e, agora, pelo evangélico, com aplicação de dizeres da Bíblia.
Como sempre, a Bíblia justifica o arcaísmo de comportamentos e a negação das liberdades. Daí, a existência, em décadas pretéritas, do padrão católico de vestimenta feminina e o padrão atual de vestimenta evangélica: a evangélica (mulher da classe C) usa cabelos compridos, presos na nuca, a que não aplica shampoos nem condicionadores; veste camisa de mangas compridas ou blusa; saia de brim azul ou semelhante, até a altura dos joelhos; calça sandálias. Vista uma mulher trajada por esta forma, como forma de identificação de pertencimento à sua classe social, identifica-se nela mulher evangélica.
Em 1920, José Tomaz de Almeida, na revista Ave Maria, publicada em São Paulo, escrevia: “escravizar-se uma senhora digna ou uma donzela, à moda indecorsa, apresentando-se de pernas expostas, tão curtas usam as saias, de braços nus, com colo e costas à mostra, provocando maus sentimentos, excitando pecados, é contra a moral, é tudo que pode haver de anti-cristão, de condenável, de verdadeiro paganismo!”
Por sua vez, o padre Ascânio da Cunha Brandão, na mesma revista Ave Maria, em 1936, verberava os costumes de liberdade dos alemães: “Aí está por exemplo a Alemanha, mandando buscar nas ruínas da Grécia pagã o fogo sagrado para a suas Olimpíadas e prestando à carne e aos deuses pagãos um culto que excede as raias da estupidez e do ridículo. Os deuses! A Grécia! As Olimpíadas! O nudismo! O atletismo!” Adiante: “Não é condenável, por exemplo, este espetáculo de vergonha e despudor que nossas praias de banho? Este nudismo escandaloso está reclamando uma medida enérgica. É incrível!”.
Filósofo, autor, professor, mestre em Direito, Arthur Virmond de Lacerda Neto é português e mora em Curitiba.
SOBRE O AUTORArthur Virmond de Lacerta NetoArthur Virmond de Lacerda Neto é jurista, filósofo, advogado, professor e escritor de sucesso. Nascido em Portugal, ele reside atualmente em Curitiba, e é colunista da Lado A desde 2007. |
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