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Carta Aberta: OMS, por que não jogam o antirretroviral na água que bebemos?

Redação Lado A 11 de Julho, 2014 21h38m

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Cansei de ser tachado de promíscuo por ser homossexual. Cansei de fingirem que se importam com a Aids ou com nós gays. Tenho 34 anos, e há 15 anos acompanho de perto a tal epidemia que surgiu como “câncer gay” nos primeiros anos, logo depois que nasci, e desde então sou chamado de grupo de risco, grupo de risco acrescido, população vulnerável e agora acabam de inventar um novo termo: População “chave”. Na última sexta-feira, a Organização Mundial da Saúde propôs que homens que fazem sexo com homens saudáveis (bem como população carcerária, transexuais e profissionais do sexo) tomem o coquetel antirretroviral de forma ostensiva, como prevenção, seguindo recomendação do ano passado da USaids e Unaids. Um absurdo sem tamanho no meu ponto de vista.

Sou soronegativo, ou seja, eu seria um destes que deveria participar de tal “esforço” mundial para conter a epidemia. Como jornalista, tive acesso a muitas informações sobre HIV Aids, já trabalhei com projetos de prevenção com a comunidade gay e tenho contato com cientistas frequentemente. O preservativo é uma forma segura de prevenção, sabe-se bem, e quem não usa, por que tomaria um remédio que lhe trará mal estar?

Para início de conversa, o tratamento é pesado e são grandes os efeitos colaterais. Em segundo, é a quarta geração de antirretrovirais, como se sabe, há cepas diferentes do vírus e eles são altamente mutantes. Outra: Não é porque eu sou homossexual que eu corro 19 vezes mais risco, como afirma o documento. Reconheço que o sexo anal é mais arriscado por conta da vascularização local, mas não apenas homossexuais fazem essa modalidade de sexo. A questão é dizer que todos os gays e homens que fazem sexo com homem não usam  preservativo ou tem comportamento de risco.

Há um equívoco muito grande em pensar que gays em países onde ser homossexual é crime iriam aderir ao tratamento, ou ainda, que o medicamento traria segurança na prevenção ou não deixaria que novas formas do vírus surgissem.

Não posso afirmar que o tratamento da Aids é um lobby da indústria de medicamentos, mas posso dizer que a cura da Aids já se mostrou possível com o transplante de medula óssea e falta dinheiro para pesquisas da cura e sobra para novos remédios. Não posso afirmar que a Aids é uma doença criada em laboratório, uma arma de extermínio, mas posso dizer que se homossexuais se beneficiariam deste tratamento mundial, logo todos deveriam tomar o antirretroviral.

A indicação da OMS lembra que homens que fazem sexo com homens transmitem o vírus a mulheres, o que me faz pensar se este é o real motivo da preocupação com a epidemia na comunidade gay. Foi assim no início, a Aids só passou a ser levada a sério depois que heterossexuais morreram. E foram muitos, mas os gays estavam lá sozinhos nos hospitais e a imprensa fez a festa, tachando por anos como uma doença gay. Até hoje gays morrem decorrentes da Aids, enquanto héteros morrem de outros fatores, pois as famílias ainda abafam a causa da morte.

Sei que o HIV é mais comum no meio homossexual, mas os gays se protegem mais – embora tenham mais parceiros em média, se testam mais – por isso os números da comunidade homossexual são tão altos ou reais – mas as pesquisas seguem o perfil do gay promíscuo e ignora o tamanho do universo homossexual, bissexual e afins. Mas os dados da chamada “população em geral” não refletem a verdade para servirem de comparação pois não pegam as pessoas com os mesmos hábitos e comportamentos sexuais das pesquisas voltadas aos homossexuais.

Não quero entrar em méritos de prevenção e comportamento, mas a declaração da OMS é cheia de moral e julgamento. Entendo que os números são alarmantes, fato, mas não podem reforçar os estereótipos que nos cercam desta maneira, mais uma vez. Ora, a epidemia de HPV, papilomavírus humano, é enorme na comunidade homossexuais mas a OMS só indica a vacinação para as mulheres, por conta do câncer de colo de útero, uma das principais causas de morte delas. Mas temos grandes índices de homossexuais morrendo de câncer retal por conta do HPV. Homem heterossexual não tem HPV no reto e o câncer peniano não mata tanto, logo não tem indicação de vacinação para homens homossexuais. O que vejo é que a Saúde Pública, ou a OMS, não nos leva a sério como diz. O sangue gay continua sendo ignorado nos bancos de sangue por algum motivo não explicado. Há testes suficientes para detectar o vírus, isso não há dúvidas. Esbarra-se no fator custo quase sempre como desculpa.

A epidemia da Aids avança sem controle e nunca se revelou os bastidores dessa lucrativa doença. O genoma humano foi decodificado e esta síndrome viral continua sem cura. Está na hora dos pesquisadores e governantes nos contarem as verdades sobre o surgimento e a cura da doença, talvez assim a comunidade gay leve a sério um compromisso de lutar contra a epidemia que a persegue. 

 

 
Redação Lado A

SOBRE O AUTOR

Redação Lado A

A Revista Lado A é a mais antiga revista impressa voltada ao público LGBT do Brasil, foi fundada em Curitiba, em 2005, pelo jornalista Allan Johan e venceu diversos prêmios. Curta nossa página no Facebook: http://www.fb.com/revistaladoa

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