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Casal gay é agredido dentro de restaurante japonês em São Paulo

Redação Lado A 06 de Agosto, 2014 12h28m

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O ator paulistano Gabriel Cruz, 23, e seu namorado Jonathan Favari alegam que foram agredidos depois de dar um selinho no restaurante de fast food oriental Sukiya, na unidade da Rua Augusta, em São Paulo, neste Domingo.  Um dos rapazes foi ao banheiro e deu um selinho no companheiro e neste momento um suposto garçom e um segurança do local abordaram o cliente, falando sobre o beijo trocado. Ao ser avisado que havia crianças no recinto e que o local era familiar, Gabriel perguntou a família ao lado se eles se sentiram incomodados, e os clientes responderam que não.

Quando o namorado retornou do toalete, trocaram mais um beijo, causando uma expulsão do local por parte dos funcionários. Jonathan foi agredido com socos e o cliente da mesa ao lado ajudou a separar a briga. A polícia foi chamada e foram todos para a delegacia, onde o garçom alegou legítima defesa. Segundo a vítima, a polícia ainda tentou dissuadi-lo de registrar a ocorrência, o que acabou feito. O garçom foi afastado do trabalho e a empresa promete apurar o ocorrido.”Esta empresa não compartilha de qualquer ideal ou conduta discriminatória sendo qualquer ação desta natureza, contrária aos nossos princípios e políticas internas. Estamos reforçando tais orientações a todos nossos colaboradores, inclusive mediante novos treinamentos, cursos e palestras para conscientização”, afirmou a Sukiya em nota publicada na imprensa.

 
Confira o relato de Gabriel no Facebook:
 
“Ontem a noite, depois de sair de um barzinho na Augusta (sim, na Augusta, um dos maiores points qays que eu conheço), eu e meu namorado fomos comer no Sukiya, um restaurante localizado no número 974. Pedimos nossa comida, sentamos e jantamos. Depois de terminarmos, meu namorado foi ao banheiro e me deu um selinho de “até logo”. Assim que me vi sozinho na mesa, dois homens me abordaram, um de cada lado, me acuando. Um garçom e outro rapaz que depois identifiquei como o segurança do local, reprimindo, recriminando, e me hostilizando sobre a atitude singela que acabara de cometer.
 
Usando o tipo de argumentação mais vazia e nojenta (argumentação nada, usando desculpas das mais cruéis e covardes), esses sujeitos bradavam: “Não tenho nada contra, mas esse é um restaurante de família; temos que prezar pelo respeito nesse ambiente; tem uma criança na mesa ao lado; vocês tem que procurar um lugar adequado pra fazer isso, aqui não é balada”, e um absurdo “desculpa o inconveniente”.
Não desculpei. Disse em bom som que não desculpava. Disse que não permitiria que tamanha ofensa, tamanha hostilidade, fossem absolvidas com um fútil pedido de desculpas.
 
Nisso, quando meu namorado voltou do banheiro, contei do ocorrido. Barato não ia ficar. Fui até a mesa da família que supostamente estaria ofendidíssima com nosso gesto, e perguntei se aquilo os incomodava. O pai disse que de maneira nenhuma, que ele não se incomodou em nada. As crianças, supostas vítimas do imensurável indecoro, continuavam comendo suas refeições, indiferentes a quaisquer uns que viessem a se beijar no campo de visão deles.
 
Meu namorado e eu nos beijamos de novo.
 
Foi o suficiente para o garçom usar de desproporcional força física para tentar nos tirar dali. Com um tranco, me separei do meu namorado, e em meio àquela confusão surreal que acabara de se instaurar, vi o garçom desferindo socos na cara do meu namorado. Socos. Meu namorado fez o possível para se defender, enquanto eu e o pai da família, que viera de sobressalto desde sua mesa no fim do salão, tentávamos apartar o brutamontes. Sangue pingava do nariz do meu namorado, sangue no rosto, nas mãos, nas roupas, no chão.
 
Liguei para a polícia imediatamente. Tão imediatamente quanto o garçom foi ocultado para o interior do estabelecimento. Tão imediatamente quanto o segurança nos puxou pra um canto e começou a nos ameaçar. “Você vai querer falar de preconceito aqui? Eu vou quebrar a sua cara”, ele me disse. “Quer que eu tire mais sangue de você?”, disse ao meu namorado.
 
A viatura chegou e fomos para a delegacia, meu namorado como vítima, eu como testemunha e o garçom como agressor-tentando-se-passar-por-vítima.
Já não bastasse a indignação e a raiva, nos deparamos com um aparato policial despreparado, machista e desrespeitoso, o que aumenta ainda mais a sensação de impotência. Já na delegacia, durante as cinco horas em que esperamos e esperamos, os policiais e escrivão tentavam insistentemente nos dissuadir da ideia de requerer um inquérito. “É mais fácil vocês chegarem a um acordo com o cara, tem dois flagrantes na frente e vocês só vão sair daqui amanhã a noite. Então é mais fácil vocês fazerem um acordo e voltarem pra curtir a noite, ainda da tempo….”. Apesar do menosprezo com a dor alheia (não, seu policial, não é uma questão de hombridade ferida. É um dever cívico enquanto homem gay agredido levar essa história até as últimas consequências), insistimos. Só sairíamos de lá com um B.O. em mãos e um inquérito instaurado.
Fomos obrigados a ouvir o garçom afirmando que foi legítima defesa (como se ele precisasse se defender de um rapaz que nada fazia a não ser tentar proteger seu rosto. Foram precisas três pessoas para deter o garçom e nenhuma pra deter meu namorado. Legítima defesa contra quê?), que aquele era um restaurante japonês e que a função dele era garantir que a tradição fosse respeitada, que se fosse um casal hétero ele faria a mesma coisa, por que na semana passada ele teve que tirar a força um casal hétero que transava no banheiro a força (juro que ele comparou um selinho à atentado ao pudor). Fomos obrigados a lidar com o absurdo fato de que o agressor estava sendo veladamente protegido pelos policiais; a tomada de posição, mesmo que mascarada, era evidente.
Com o B.O. e o corpo de delito em mãos, devemos voltar à delegacia para requerer a abertura de inquérito por lesão corporal leve. Mas, além disso, vamos procurar uma delegacia especializada para levar essa história adiante.
 
Fica a dor, a indignação, a raiva, a inesperança, a tristeza. Tristeza de ver como a felicidade alheia pode incomodar tanto, e como o nível de “argumentação” dessa homofobia burra e medonha faz com que eu acredite na involução do ser humano. Tristeza de ver que uma criança é usada como justificativa para o preconceito de adultos vis. Tristeza por se dar conta do desamparo e da sensação de que os mecanismos da justiça não se empenham em fazer nada em nossa defesa. Tristeza.
 
Mas sobretudo fica a gana e a vontade de lutar pra mudar esse mundinho, a garra e a coragem pra botar a boca no trombone, lutar pela penalização desse e de tantos outros culpados que cometem crimes de ódio, fica o sangue nos olhos e os pulmões plenos pra gritar: homofobia não passará!
 
Redação Lado A

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A Revista Lado A é a mais antiga revista impressa voltada ao público LGBT do Brasil, foi fundada em Curitiba, em 2005, pelo jornalista Allan Johan e venceu diversos prêmios. Curta nossa página no Facebook: http://www.fb.com/revistaladoa

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