Carta ao deputado Jean Wyllys

DE: Arthur Virmond de Lacerda Neto (de Curitiba).

PARA: deputado Jean Wyllys.
ASSUNTOS: revogação do artigo 233 do Código Penal.
Autorização do monoquíni nas praias brasileiras.
Incremento do naturismo no Brasil.
 
 
Curitiba, 28 de janeiro de 2015.
 
Senhor Deputado:
Acompanho, pelos meios noticiosos, a sua atuação na Câmara Federal, pela qual o parabenizo, haja vista o desassombro na defesa das causas que adotou, designadamente no que concerne ao público homossexual. Lamento que militâncias como a sua sejam entravadas pelos representantes do que há de mais primário e retrógrado na sociedade brasileira e nas duas casas legislativas (a bancada evangélica e afins).
 
Trago à sua consideração algumas novas realidades que se vem observando no Brasil e que, segundo penso, merecem a atenção do parlamento.
 
Nus em Curitiba e Porto Alegre. O artigo 233 do Código Penal.
 
Nas últimas semanas, verificaram-se, em Curitiba e em Porto Alegre, alguns casos de indivíduos que deambularam desnudos pelas ruas da cidade, semelhantemente ao que ocorreu em Curitiba, em passado muito próximo. Também os houve em Jaraguá do Sul (SC) e Brasília.
 
O artigo 233 do Código Penal pune o comportamento de se “praticar ato obsceno em lugar público, ou aberto ou exposto ao público”, com base no qual a polícia intervém sobre nus em público.
 
Achar-se alguém nu em público não constitui ato. Ato significa ação, o que se faz ou fez. Estar nu é diferente de ação e igual a situação. Bastaria tal distinção para elidir a incursão de nudistas no artigo sob análise.
 
Supondo-se, contudo, que a situação de nudez corresponda a ato, ela não pode ser, razoavelmente, reputada como obscena. Obsceno é o que fere o pudor; pudor significa o sentimento de pejo ou de timidez determinado pela vergonha do corpo.
 
Obscenidade, pudor, pejo, vergonha, todos constituem estados subjetivos, variáveis de pessoa para pessoa, de tempos para tempos, de lugares para lugares. O que seja obscenidade, pudicícia, impudicícia, pudente, impudente, varia consoante as mentalidades, que evoluem com o andar do tempo e com o cambiar da sensibilidade do público.
 
A valoração social do pudor e da obscenidade não é estática nem inerte; ao contrário, móvel, ela transforma-se com a modificação das mentalidades e dos costumes, transformação a que é imperioso atentarem as forças de segurança e o pessoal jurídico, vale dizer, polícia e juízes, uns, no reprimirem a delinqüência, os outros, ao punirem os delinqüentes.
 
O Código Penal data de 1940, quando a sociedade brasileira caracterizava-se por acentuadas austeridade e conservadorismo de costumes: inadmitia-se o divórcio; a sexualidade era tema proibido; as mulheres de família desposavam-se virgens; era impensável o casamento homoafetivo; o destino das mulheres limitava-se ao casamento, à maternidade e ao lar; o recato feminino impunha às mulheres o maiô.
 
Porém 2015 não é mais 1940. No intervalo destes setenta e cinco anos, a sociedade transformou-se, os costumes alteraram-se, as mentalidades abriram-se. Há divórcio e uniões estáveis; as mulheres desvirginizam-se solteiras e muito jovens; elas ingressaram no mercado de trabalho; a sexualidade tornou-se tema que se ventila com liberdade; há biquíni e fio-dental; há casamento homoafetivo; o papa ergueu, com as duas mãos, a bandeira da causa homossexual (gesto em que o fotografaram) e já é assente no Vaticano a licença, para breve, do matrimônio sacerdotal.
 
Também os trajes modificaram-se: seriam impensáveis, setenta e cinco anos atrás, as bermudas curtíssimas das moças, hoje comuníssimas, que lhes encobrem as nádegas e nada mais: em 1940, elas seriam mal vistas e tachadas de vagabundas e, talvez, o seu uso, reputado obscenidade em lugar público. 
 
Em 1940, os homens expunham-se, em público, trajados de paletó, colete, gravata e chapéu, mesmo na canícula e em cidades quentes, como o Rio de Janeiro. Mulher decente, “de família” e mãe de família, vestia saias (calças jamais) e calçava sapatos pretos com meias compridas. 
 
Mesmo em 1980, era proibido adentrar ônibus de viagem de bermuda, por decoro e pudor. Hoje, homens e mulheres viajam nos mesmos ônibus e de avião, de bermuda e chinelos.
 
Em 2015 as gerações são outras, as mentalidades modificaram-se, os costumes evoluíram. Mas a redação do artigo 233 do C.P. mantém-se inalterada.
 
Tal artigo não define qual seja o conteúdo do ato obsceno, não fornece critérios objetivos pelos quais se determine em que consiste a obscenidade que, como valor, cambia de teor à medida em que a sociedade evolui e as gerações sucedem-se.
 
Em tempos de José de Alencar, obrigava-se ao velamento… do tornozelo. O tornozelo feminino, exposto, constituía indecência ! Na corte de Luis XIII, era moda a rainha, as infantas, as duquesas e mais aristocratas andarem com as mamas expostas, com os seios inteiramente descobertos! 
 
Presentemente, o pudor aliviou-se marcadamente. O despudorado de antanho não mais o é. Contudo, o surgimento de vários casos de nudez em público revela novo estágio dos costumes, em que o estigma da obscenidade vai desaparecendo em relação à nudez integral, para algumas pessoas que, certamente, constituem a minoria visível de círculo alargado, até aqui invisível, temeroso de reação policial.
 
Cumpre à polícia e ao pessoal jurídico atentar à atualidade social, perceber a mutação de valores e de comportamentos, atuar em conformidade ao presente ao invés de manter-se anacronicamente fiel a conceitos arcaicos, a velharias de três gerações. 
 
Bem sei que a polícia não detém quem vista bermudas curtíssimas ou fio-dental, porém fá-lo em relação aos integralmente desnudos: o desnudamento completo, em público, repetido, em Porto Alegre e Curitiba, revela nova evolução de costumes na sociedade brasileira, a que a polícia deve atentar e de que os nudistas de Curitiba e de Porto Alegre representam amostras. 
 
 
As virtudes da nudez.
 
1) A nudez não é obscena. A nudez é natural. O estado de nudez corresponde ao estado natural do ser humano; o estado de vestido constitui-lhe estado artificial. Calha a sabedoria dos antigos: naturalia non turpia, o natural não envergonha, não deve envergonhar;  humana non sunt turpia, o humano não envergonha, não deve envergonhar.
 
O corpo é natural e não contém, inerentemente, nenhum motivo de pejo. Todas as suas partes são igualmente dignas; é incompreensível a distinção, gratuita e preconceituosa, entre partes decentes e indecentes, entre partes suscetíveis de exposição e partes obrigadas à ocultação.
 
Reputarem-se dadas regiões do corpo como inapresentáveis depende das convenções sociais, freqüentemente irracionais e passageiras. Nenhuma região dele é, por si, obscena, inclusivamente o pênis, as mamas, as nádegas, partes tão naturais quanto os olhos, as orelhas, as mãos, que os gregos da antigüidade reputavam partes nobres e que o cristianismo estigmatizou como partes indecentes, com a obra de Agostinho de Hipona (séc. IV).
 
2) A nudez é inocente. Ela não contém, por si só, nenhum sentido de criminalidade, de malefício, de prejuízo a quem quer que seja. Estar nu, mesmo em público, não passa disto mesmo: achar-se destituído de indumentária. Se a alguém incomoda a visão de nus, que o incomodado não os contemple. Ninguém é obrigado a deter o olhar e a atenção ao que lhe desagrada. É assim em relação a tudo; deve ser assim, também, quanto ao desnudamento alheio. 
 
Até recentemente, alguns retrógrados hostilizavam a homoafetividade sob a alegação de que ninguém era obrigado a ver dois homens de mãos dadas ou a beijarem-se e que tais cenas repugnavam-lhes. Quem não gosta delas, não fixe nelas o seu olhar. O mesmo passa-se com a nudez alheia.
 
Inexiste nenhum efeito maligno sobre as crianças. Na Europa nudista, crianças de todas as idades freqüentam praias e campos de nudismo, piscinas e clubes recreativos, em nudez, em meio a adultos (familiares e estranhos) despidos, como elas. A experiência da nudez social é antiga de mais de um século, maiormente na Alemanha e jamais se observou nem erotização dos infantes nem qualquer prejuízo à formação das crianças. Ao contrário, estudos efetuados nos EE.UU.AA. demonstram o acréscimo de auto-estima, de sociabilidade, de equilíbrio psicológico nas crianças nudistas ou criadas em famílias nudistas.
 
3) A nudez não equivale a erotismo. Imaginam em contrário, comumente, os brasileiros, porque a repressão da nudez habitual leva-os a encontrarem-na exclusivamente no momento da cópula. Daí a sua associação, por automatismo, de nudez com sexualidade, quando a primeira independe da segunda. 
 
A experiência universal dos nudistas é a de que, se porventura há alguma excitação sexual nos primeiros momentos de exposição à nudez e de convívio com nus, ela rapidamente se desvanesce, porque se banaliza: aquilo a que nos habituamos perde-nos o atrativo, torna-se-nos sensaborão. Rapidamente perde a graça erótica o convívio com gente cujo corpo, no mais das vezes, não nos atrai; cujos corpos são, no mais das vezes, pouco ou atraentes. Rapidamente o nudista habitua-se à presença dos demais nus e a sua e alheia nudez perde o caráter virtualmente erótico para tornar-se banal, trivial. Todos os testemunhos de nudistas declaram neste sentido.
 
4) A nudez constitui forma de liberdade. Liberdade significa a faculdade de atuarmos, de sermos, de estarmos, consoante a nossa inclinação, a nossa preferência, a nossa decisão. Assim como há liberdade na escolha do traje que envergamos, deve haver liberdade de optarmos por traje nenhum: o nudista exerce-a. 
 
Toda forma de liberdade individual limita-se pelo prejuízo que inflinge a terceiros. A ausência de roupas em alguém não causa dano nenhum a ninguém ou, no máximo, ao próprio despido, em face do frio, se for o caso.
O nudista não obriga a ninguém a desnudar-se, não impede ninguém de vestir-se; a sua ação, exercida sobre si próprio, limita-se a si próprio.
 
5) A nudez constitui forma de soberania individual. Minha casa, minhas regras. Meu corpo, minhas regras. Por que seria “meu corpo, regras alheias?”. Se alguém despe-se, a sua nudez é da conta dele, e não da dos outros. É como tudo: não gosta, não use. Desagrada-lhe a nudez ? Vista-se, porém não podem os vestidos interferir na liberdade de quem deseja desnudar-se. Viva e deixe viver.
 
6) A obrigação de vestir-se invade a liberdade individual. O nudista não se envergonha do seu corpo e repele a distinção de partes obscenas e partes apresentáveis do corpo humano, motivo porque não se peja de expor-se nu e não sente necessidade de ocultar nenhuma parte dele, designadamente a genitália e as mamas. Os indivíduos vestidos encobrem tais regiões (a) por costume, por imitação; repetem em si, mimeticamente, o que os demais praticam, sem nenhuma reflexão crítica acerca da prática alheia nem da sua própria imitação; (b) por vergonha de desvelarem certas regiões do seu corpo.
O nudista, por sua vez, não reconhece nenhum motivo porque se envergonhar de nenhuma região do seu corpo e exerce juízo crítico acerca do encobrimento que as pessoas praticam por espírito de rotina; ele não comunga dos sentimentos e valores alheios e, no entanto, acha-se constrangido a encobrir o seu corpo ou partes dele, por conta destes mesmos sentimentos e valores: a obrigação de vestir-se invade a esfera da sua liberdade de comportar-se conforme os seus valores e princípios; tal obrigação impõe-lhe práticas resultantes de critérios morais de terceiros, que ele, conscientemente, recusa.
 
7) A nudez natural constitui direito humano. A nudez não erótica, não exibicionista, como simples forma de estar, constitui direito da pessoa, na medida em que lhe equivale ao exercício da liberdade de optar entre vestir-se e não o fazer, de viver segundo os seus princípios (de inexistência de pejo do próprio corpo),  de dispor do seu corpo.
                                                                                                                          Tais ponderações condizem com os nudistas domésticos (adeptos da nudez no lar, em família ou a sós), com quantos desejam desnudar-se nos espaços naturais, nas praias e nos ambientes urbanos. Respeita à exposição das mamas (“topless”), às praias de nudismo, bem assim aos casos de nudez em Curitiba, Porto Alegre, Jaraguá do Sul e Brasília, verificados nos últimos meses.
Quem expõe as suas mamas ou anda nu em público acha-se no estado natural do ser humano; não pratica ato lesivo a ninguém; exerce liberdade individual; usufrui da sua soberania sobre o seu corpo; não interfere com a liberdade nem com o direito alheio; atua segundo os seus princípios e valores. 
Inexiste lei, no Brasil, proibidora da nudez em público. Ela não é proibida. Em Direito, o que não se acha vedado, acha-se, automática e implicitamente, permitido. 
A nudez em público é permitida. Pode-se, sim, no Brasil, em Porto Alegre, em Curitiba, em qualquer cidade brasileira, estar-se pelado na rua, liberdade, contudo, embaraçada pelo artigo 233 do Código Penal.
 
 
A realidade de 2015.
Em 2014 realizou-se, pelo quarto ano consecutivo, no Parque do Ibirapuera, na cidade de S. Paulo, o manifesto pela nudez, cujos partícipes apresentaram-se ao ar livre, no parque, inteiramente despidos e assim trajados reuniram-se com os circunstantes, para debater a naturalidade da nudez, sob o consentimento da direção do parque, da prefeitura, da polícia, da secretaria de segurança pública. Os agentes da lei e da ordem paulistanos consentiram, unanimemente, na nudez em público. É sinal dos tempos.

Portaria recente do Ministério da Justiça reiterou a autorização da nudez natural (aerótica) em todos programas televisivos, em todos os horários, com classificação livre. Se o Estado consente na exposição total do corpo, na televisão, em qualquer horário, é contra-senso que a polícia reprima o cidadão que expõe, sem conotação sexual, o seu corpo, em público; não faz sentido que o cidadão se ache exposto à repressão policial se se desnudar nas praias, se as mulheres expuserem as suas mamas nelas. A exposição é a mesma, a inocência da exposição idêntica; varia, apenas, o modo: à distância ou presencial. É outro sinal dos tempos.

Em 18 de janeiro de 2015, em folgança carnavalesca em Porto Alegre, cinco moças dançaram, em público, de mamas ao vento, com os seus seios de todo à mostra, sem causar nem escândalo nem especial agitação. No máximo, curiosidade passageira. É mais um sinal dos tempos.

Em janeiro de 2015 efetuou-se, no posto 9, em Copacabana, a segunda manifestação pelo monoquíni, em que mulheres apresentaram-se de seios à mostra, sem intervenção policial. É ainda outro sinal dos tempos.

No presente, em festas privadas na cidade do Rio de Janeiro, tornou-se corriqueiro os convidados mergulhaem na piscina, nus.

 
Nudez no exterior.
Há vários anos, em inúmeras cidades do exterior (Nova Iorque, Lisboa, Barcelona, México, Londres e al) e do Brasil (São Paulo, Rio de Janeiro, Florianópolis e não só) realizam-se, em anos sucessivos, as pedaladas nuas, em que centenas de ciclistas percorrem, nus, as ruas das cidades, sob autorização das autoridades, com liberdade de fotografar-se e sem coação policial. É ainda outro sinal dos tempos.
 
Na Alemanha, há sete milhões de nudistas e lá é permitida a nudez integral em todas as áreas naturais. Na Dinamarca, é legal o desnudamento completo em todas as praias. Na mesma Alemanha e na Califórnia, existem, há cerca de 80 e 60 anos, escolas nudistas, em que alunos (rapazes e moças) e docentes acham-se nus. 
 
A Croácia e a França recebem, cada qual, anualmente, um milhão e meio de turistas nudistas por ano, com grande proveito financeiro para as respectivas economias.
 
Em Nova Iorque, em Londres, em Berlim, é livre a nudez em público: anda-se pelado nas ruas, nas lojas, nos mercados, no metrô. O mesmo passa-se na Alemanha, na Grécia e em outros países europeus.
Na Europa, há mais de um milhar de praias de nudismo e quase cinco centenas de campos e grêmios de nudismo; 42% dos franceses são nudistas domésticos: no lar, em família, despem-se (marido e mulher, filhos e filhas, crianças, jovens, adultos e velhos).
 
Na generalidade das praias européias as mulheres andam de mamas ao vento: admite-se e pratica-se, com inteira normalidade e naturalidade, o monoquini (“topless”).
 
Na Inglaterra, na Holanda, na Bélgica, na Espanha, em Portugal, na Austria, na Alemanha, na Suécia, na Finlândia, na Noruega, na Suíça, na Croácia, na Grécia, no Japão, em várias regiões dos EE.UU.AA. (notadamente na Califórnia), aceita-se ampla ou muito amplamente a nudez social e doméstica. Na Itália, a aceitação parece um pouco menos ampla.
 
Inquérito efetuado em 1993, na França, apurou que 89% deles avaliava positivamente a nudez integral: 75% deles com naturalidade e 67% com liberdade. Hoje, tais percentuais serão superiores.
 
Nas universidades de Michigan, de Berkeley, de Chicago, promovem-se, tradicionalmente, corridas de nus, pelos corredores e campi, sob o intuito pedagógico de se patentear a naturalidade do corpo e do desnudamento. Em Roskilde (Dinamarca) e em Meredith (Austrália) celebram-se, também, corridas festivas de nus. Em várias universidades das Filipinas, a confraria Alfa Pi Omega promove, anualmente, manifestações pacíficas e ordeiras em público, em favor de causas variadas, com os seus membros despidos. Em Londres, é tradicional o banho dos estudantes, no rio Tâmisa, vestidos de gravata.
 
Há, no Brasil e nos EE.UU.AA., nudistas cristãos, que invocam a religião e os evangelhos em favor da nudez. Na Europa, há padres e pastores nudistas, freqüentadores, uns e outros, de campos e praias de nudismo (acompanhados, os pastores, das respectivas mulher e filhos). Ao longo da história do cristianismo, foi recorrente o adamismo (de Adão), prática da nudez por várias correntes cristãs.
 
Na Grécia, os atletas praticavam ginástica nus (ginástica provém do grego gimnadzein, ou seja, treinar nu). Por 550 anos, eles disputaram as célebres olimpíadas em nudez total.
 
 
Nudismo ou naturismo ou cultura do corpo livre.
Ao nudismo também se chama de naturismo, gimnosofia, cultura do corpo livre (freikörperkultur, na Alemanha, por abreviação F.K.K.) ou livre cultura do corpo, que a Federação Naturista Internacional definiu, em 1974, como estilo de vida, sob nudez social, para incrementar-se o respeito por si próprio, por outrem e pelo ambiente.
 
Com isto, o naturismo representa verdadeira filosofia de vida, inspirada em valores e princípios de ausência de pudores desnecessários, de vergonhas sem sentido, de reservas irracionais; ele enaltece a vida saudável, o corpo sadio, o respeito pelo próximo, o fomento da cordialidade, da transparência de sentimentos e de intenções, o zelo pelas praias, pelos rios, pelos mares, pela fauna e pela flora.
 
Na Europa, pratica-se o naturismo, nas praias, campos e grêmios recreativos, em família: pai, mãe, filhos, avós, netos; heteros e homos. Os sítios nudistas não se destinam à mixoscopia (volúpia sexual pela observação da nudez alheia) nem à busca de aventuras sexuais. Ao contrário, tais fins sempre foram expressamente repudiados pela filosofia nudista, como eliciam-se dos sítios nudistas quem por procura em vista deles. O nudista é (passe a expressão) “em prol da família” (a primeira objeção dos evangélicos será a de que o nudismo destrói a família, corrompe as crianças deste país etc.).
 
 
Outra vez, os nus em público.
Nos últimos meses, repetiram-se casos de nudez em público em Porto Alegre e, presentemente, eles verificam-se em Curitiba. Houve, pelo menos um caso, também em Brasília e outro em Jaraguá do Sul, em meses recentes.
São sinais dos tempos. São indícios de que há modificações nas mentalidades e nos costumes: tendem, uns e outros, para menos vergonha do corpo, menos pudor, menos preconceitos artificiais, mais naturalidade, mais liberdade, mais cada um ocupar-se menos da vida e do corpo alheios.
 
O desnudamento já não mais isolado, porém multiplicado; não protestatário, porém sereno; não afrontoso, porém respeitoso; não exibicionista, porém discreto, revela uma nova realidade axiológica e comportamental. As pessoas começam a aceitar a nudez em público; porém raras ousaram, até o presente, praticá-la. 
 
Os quatro ou cinco nus de Porto Alegre, os quatro ou cinco de Curitiba, não são delinqüentes nem exibicionistas sexuais; as suas manifestações, idênticas, não constituem coincidências extraordinárias. Salvo o caso de um, doente psiquiátrico e de outro, drogadicto (segundo veicularam os meios de informação), os demais foram precursores, cujo desassombro levou-os à iniciativa de que outros compatriotas se abstém por timidez e, máxime, por temor da reação policial. Eles exprimiram sintoma de novas realidades na sociedade brasileira. 
 
A nudez repugna a certos velhos, educados há cinquenta, sessenta e mais anos, em pretérito de valores e de mentalidades que se anacronizaram. Também repugna a certos religiosos, cuja gimnofobia resulta dos dogmas que professam. Nem os arcaísmos mentais nem os sectarismos devem balizar a ação policial (sobretudo, no caso da repulsa religiosa, à luz da laicidade do Estado brasileiro).
 
No âmbito da liberdade individual, velhos (e gente de todas as idades) e religiosos (crentes de quaisquer religiões) dispõem da faculdade de enfarpelarem-se com toda a austeridade. Não dispõem da autoridade de imporem-na a quem não compartilha das suas convicções nem é justo o Estado, ao legislar, ao judicar, ao atuar junto do cidadão (é o caso da polícia) pautar-se por critérios de minorias, que restringem, injustificavelmente, as liberdades, seja da maioria, seja de outras minorias.
 
 
Revogar o artigo 233 do Código Penal. 
É papel também do Estado observar o estado de coisas que se apresenta, reconhecer nele tendências sociais, respeitar os cidadãos, adaptar-se à evolução da sociedade brasileira e revogar o infeliz artigo 233 do Código Penal.
Na França, em 1994, revogou-se o crime de atentado ao pudor, análogo ao deste artigo e substituiu-se pelo de exibição sexual; na Espanha fez-se o mesmo em relação ao antigo crime de escândalo público. Ou seja: o Estado passou a abster-se de julgar questões morais, de foro íntimo, relativas aos julgamentos que cada cidadão formula segundo a sua subjetividade e pune exclusivamente os comportamentos em que alguém molesta a outrem sexualmente. 
No Brasil, o artigo 61 da lei de contravenções penais pune o comportamento de importunar alguém, em lugar público ou acessível ao público, de modo ofensivo ao pudor.
 
Compreende-se a existência deste artigo, na medida em que a liberdade de cada desnudo limita-se pela dos seus semelhantes, da mesma forma como a de cada vestido cessa onde interferir na de outrem, ou seja, vestido ou despido, o limite da ação individual consiste na interferência manifestamente prejudicial que inflingir a terceiros. 
 
Nestas condições e apenas nelas é que a nudez pode ser reprimida, não por si própria, não devido ao estado de desnudamento, porém pelo comportamento importuno, suscetível de ser cometido por um vestido ou por um despido (por exemplo: masturbar-se em público, para chocar os observadores; executar mímica manual que simule cópula; balançar o quadril encostado nas nádegas de alguém).
 
A existência do artigo 61 é suficiente em relação aos limites dos comportamentos individuais, na medida em que exige uma vítima que o seja efetivamente, ao passo que o artigo 233 pune comportamentos sem exigir vítimas efetivas. No artigo 61, é necessária a existência de mal efetivo (a importunação), enquanto no artigo 233 é necessário comportamento (ato) cuja qualidade moral se censura, sendo-lhe dispisciendo qualquer mal real a quem quer que seja.
 
Não faz sentido manter-se a existência do artigo 233; quando menos, é injustificável e absurda a sua invocação para a repressão do estado de nudez que, inocente, não produz dano em ninguém e não constitui, por si só, importunação.
 
Tramita projeto de reforma do Código Penal, em que se mantém o artigo 233. Considero urgente atuar para que ele seja cancelado.
 
 É diferente a nudez pura e simples, da exibição sexual. Estar nu não equivale a exibir-se eroticamente, mesmo porque tal exibição é suscetível de ocorrer em vestidos. Presumo que em outros países europeus o tratamento legal da questão seja igual ou análogo.
 
Enquanto o nudista não cometer importunação, enquanto limitar-se a estar nu como se estivesse trajado, é indiferente, é irrelevante a sua nudez; nestas condições, ela diz respeito ao próprio e não a outrem, e não à polícia nem ao Código Penal.
 
A nudez aerótica havendo sido autorizada pelo Ministério da Justiça, findou o pudor como exposição de partes do corpo. Ainda que se alegue que importa conservar o artigo 233 por precaução, por “reserva moral”, “reserva técnica”, em face de setores pudicos da sociedade (principalmente evangélicos), a lei deve atender à generalidade da sociedade e não a determinados setores. A lei, que se aplica aos cidadãos em geral, não pode se fundamentar na axiologia de grupos, máxime de grupos religiosos. O Estado é laico e a lei não pode ser portadora de critérios teológicos. 
 
Desde 200 anos, as sociedades ocidentais vem evoluindo na direção das liberdades individuais e de costumes; é o que se confirma na atualidade brasileira.
 
Atualize-se, a lei, quanto aos costumes. Entenda ela a evolução dos comportamentos. Compreenda o anseio por liberdade. Enxergue inocência onde ela existe.
 
Não tolha, o Código Penal, a liberdade dos cidadãos. Não veicule valores de que a sociedade se vai dissociando. Não confunda nudez natural com impudor. Não imagine crime nem maldade onde existe inocência em face da lei e das intenções. Não reprima o que a lei não proíbe. 
 
Proteja o Código Penal o cidadão pacífico, no exercício legítimo das suas liberdades e dos seus direitos; defenda-nos de quem nos mata, nos estupra, nos rouba, nos ludibria, de quem nos causa, realmente, mal. Não reprima os nudistas, que, estes, são cidadãos de bem, como quaisquer outros vestidos.
 
 
Monoquini.
As mulheres brasileiras vem, progressivamente, abandonando o conceito, arcaico, de que as mamas constituem órgãos obscenos e indecentes, que devem ser veladas e cuja exposição deve ser proibida e punida.
As mamas não são órgãos sexuais e ainda que, porventura, desempenhem algum papel erótico, também o desempenham a boca, os olhos e as mãos. A aplicar-se o critério do velamento das mamas em razão do seu putativo desempenho erótico, seria preciso, por simetria, amordaçar a boca, calçar luvas nas mãos e vendar os olhos.
 
As mamas são órgãos alimentares, graças aos quais se propicia alimento e vida à criança lactente. Não se compreende porque lógica são indecentes e inapresentáveis os orgãos graças aos quais a criança sobrevive.
Enquanto os homens podem expor o seu tórax, as mulheres são jungidas a ocultarem parte do seu: há tratamento injustificavelmente desigual.
 
Demais, é questão de foro íntimo ocultá-las ou expô-las: deve haver liberdade de opção neste sentido, em que cada mulher decidirá se as encobre ou não. O que julgo inaceitável é obrigar a encobri-las as mulheres que pretendem expô-las, privando-as da liberdade de decidir acerca do seu próprio corpo e submetendo-as a valores de que não partilham (o da indecência das mamas), a sentimentos que não experimentam (o da vergonha do corpo).
 
Por isto, corresponde a evolução de costumes a autorização, expressa, das mamas ao vento nas praias brasileiras, sem exceção, e à salvo de intervenções policiais.
 
 
Praias de nudismo.
Embora na Europa haja mais de mil praias de nudismo, elas ainda escasseiam no Brasil, por espírito de rotina (em que as pessoas repetem comportamentos que observam ser praticados desde anteriormente; usam biquíni e calções ou sunga por ser o que vêem os outros usarem-nos), por preconceito, como, principalmente, por receio da reação policial.
 
Mas a evolução das mentalidades, com a regressão do tabu do corpo e com a aceitação da nudez, torna interessante que se liberalizem as praias de nudismo, na costa brasileira.
O hábito, o temor do diferente, o machismo, os evangélicos opor-se-ão a que o nudismo se propague, ao menos no começo.
 
Será bem vinda autorização legal que facilite o estabelecimento de faixas de areal reservada para os nudistas ou mistas (de nudez facultativa). A ausência de facilidade legal para este efeito é fator de inibição da prática naturista.
 
Em 1996, o então deputado federal Fernando Gabeira propôs o projeto de lei 1411, neste sentido. Foi aprovado na Câmara, em 2000, e na Comissão de Constituição e Justiça, em 2002, sem haver sido votado até o presente. É projeto que merece ser retomado e mesmo ampliado na sua concepção.
 
 
Modernize-se a sociedade brasileira. Evolua, nas suas instituições, conforme o progresso dos tempos e os anseios das pessoas. 
 
Considero oportuno e bem-vindo:
 
1º – revogar-se o artigo 233 do Código Penal,
 
2º- autorizar-se o desnudamento das mamas em todas as praias do Brasil (monoquíni, vulgo “topless”), o que decorrerá do item anterior (e de lei especial na cidade do Rio de Janeiro, onde lei especial proíbe as mamas ao vento),
 
3º – autorizar-se a nudez integral em todas as praias do Brasil ou, pelo menos, facilitar-se a multiplicação de praias de nudismo ou a delimitação de áreas nudistas nas praias têxteis (de gente semi-vestida), que decorrerá do primeiro item e de lei especial caso se deseje destinar espaços especificamente aos nudistas.
 
Na gazeta eletrônica brasileira Jornal Olho Nu, existente a vários anos, encontrará fartas informações acerca do nudismo, como filosofia,  prática e  realidade, no Brasil e no restante mundo. Artigos meus, sobre a nudez natural, com fotografias, em arthurlacerda.wordpress.com (que tem tido centenas de leitores nos últimos meses).
 
Julgo que V. Excia. é pessoa apta a compreender os progressos que lhe expus e capacitada para tentar institui-los (haverá, de certeza, oposição da bancada teocrática-pudica-retrógrada-evangélica).
Missivei ao comandante da Polícia Militar do Paraná, ao diretor da Guarda Municipal de Curitiba, ao comandante da Brigada Militar do Rio Grande do Sul, acerca dos nudistas em Curitiba e Porto Alegre; ao Ministro da Justiça e à Ministra dos Direitos Humanos, sobre o artigo 233 do Código Penal, sobre o monoquíni e as praias de nudismo.
 
Com os meus votos de saúde e fraternidade,
 
 
Arthur Virmond de Lacerda Neto.
Professor de Direito.
 
Arthur Virmond de Lacerta Neto :Arthur Virmond de Lacerda Neto é jurista, filósofo, advogado, professor e escritor de sucesso. Nascido em Portugal, ele reside atualmente em Curitiba, e é colunista da Lado A desde 2007.