Em acórdão inédito, STF reconhece direito de adoção e denomina casais homoafetivos como família

O casal gay Toni Reis e David Harrad, fundadores do Grupo Dignidade, completa no próximo sábado Bodas de Prata, 25 anos de união. O evento que terá presenças ilustres, além dos três filhos do casal, será motivo de mais uma comemoração. Em 2006, o casal fez um pedido de adoção no Paraná para o primeiro caso de adoção conjunta por um casal homoafetivo da Vara da Infância de Curitiba mas o Ministério Público do Estado, depois de três anos, quis limitar a adoção a uma menina de mais de 12 anos de idade.
 
Certos de que se tratava de uma nova batalha, Toni e David que formam o primeiro casal gay a conseguir o reconhecimento do direito de visto de permanência para companheiro estrangeiro (David é inglês ) e ainda um dos primeiros casais do mesmo sexo a ter a união homoafetiva reconhecida no país, decidiram recorrer da decisão no caso da adoção, novamente por considerar a restrição discriminatória. Depois de o Tribunal de Justiça do Paraná autorizar a adoção sem qualquer restrição, o Ministério Público novamente recorreu, tendo o processo rejeitado no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e no Supremo Tribunal Federal por motivos técnicos, foi concedida a guarda mas depois de nova rejeição do Ministério Público o caso foi parar outra vez no STF. No meio tempo, o casal adotou no Rio de Janeiro três crianças, Alisson, Jéssica e Felipe, com a ajuda de uma juíza carioca que procurou o casal.
 
Esta semana saiu o acórdão do STF garantindo o direito à adoção conjunta do casal, criando decisão que será válida a todos os casais homoafetivos do país que buscam adotar filhos, em resposta ao último recurso do MP. O casal foi defendido pela advogada Gianna Carla Andretta e o processo teve relatoria da ministra Carmem Lúcia. Para a relatora, a homofobia não pode ser disfarçada de interpretações equivocadas da Constituição. Ela descreve a família formada por casais do mesmo sexo como entidades familiares amparadas pela Constituição e dignas de reconhecimento e proteção do Estado.

“A Constituição Federal não faz a menor diferenciação entre a família formalmente constituída e aquela existente ao rés dos fatos. Como também não distingue entre a família que se forma por sujeitos heteroafetivos e a que se constitui por pessoas de inclinação homoafetiva. Por isso que, sem nenhuma ginástica mental ou alquimia interpretativa, dá para compreender que a nossa Magna Carta não emprestou ao substantivo “família” nenhum significado ortodoxo ou da própria técnica jurídica. Recolheu-o com o sentido coloquial praticamente aberto que sempre portou como realidade do mundo do ser. Assim como dá para inferir que, quanto maior o número dos espaços doméstica e autonomamente estruturados, maior a possibilidade de efetiva colaboração entre esses núcleos familiares, o Estado e a sociedade, na perspectiva do cumprimento de conjugados deveres que são funções essenciais à plenificação da cidadania, da dignidade da pessoa humana e dos valores sociais do trabalho. Isso numa projeção exógena ou extramuros domésticos, porque, endogenamente ou interna corporis, os beneficiários imediatos dessa multiplicação de unidades familiares são os seus originários formadores, parentes e agregados. Incluído nestas duas últimas categorias dos parentes e agregados o contingente das crianças, dos adolescentes e dos idosos. Também eles, crianças, adolescentes e idosos, tanto mais protegidos quanto partícipes dessa vida em comunhão que é, por natureza, a família. Sabido que lugar de crianças e adolescentes não é propriamente o orfanato, menos ainda a rua, a sarjeta, ou os guetos da prostituição infantil e do consumo de entorpecentes e drogas afins. Tanto quanto o espaço de vida ideal para os idosos não são os albergues ou asilos públicos, muito menos o relento ou os bancos de jardim em que levas e levas de seres humanos abandonados despejam suas últimas sobras de gente. Mas o comunitário ambiente da própria família. Tudo conforme os expressos dizeres dos artigos 227 e 229 da Constituição, este último alusivo às pessoas idosas, e, aquele, pertinente às crianças e aos adolescentes. Assim interpretando por forma não-reducionista o conceito de família, penso que este STF fará o que lhe compete: manter a Constituição na posse do seu fundamental atributo da coerência, pois o conceito contrário implicaria forçar o nosso Magno Texto a incorrer, ele mesmo, em discurso indisfarçavelmente preconceituoso ou homofóbico. Quando o certo – data vênia de opinião divergente – é extrair do sistema de comandos da Constituição os encadeados juízos que precedentemente verbalizamos, agora arrematados com a proposição de que a isonomia entre casais heteroafetivos e pares homoafetivos somente ganha plenitude de sentido se desembocar no igual direito subjetivo à formação de uma autonomizada família. Entendida esta, no âmbito das duas tipologias de sujeitos jurídicos, como um núcleo doméstico independente de qualquer outro e constituído, em regra, com as mesmas notas factuais da visibilidade, continuidade e durabilidade”, declarou a ministra relatora, parafrasenado o voto do colega Ayres Britto no julgamento de 2012 que reconheu a união entre pessoas do mesmo sexo.  A ministra votou contra o prosseguimento do embargo especial do Ministério Público do Paraná, que alegava conflito de interesses do Estado na adoção gay e falta de reconhecimento da família homoparental na Constituição.

 

 
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