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Vingança.com – Quando as nossas intimidades vazam na Internet

Bruno Uerba 27 de Março, 2015 18h15m

O que passa na cabeça de uma pessoa que decide expor alguém na Rede? 
 
Se você está aí sentado com a bunda na cadeira em posição de julgamento, com duas pedras nas mãos, de prontidão pra tacar em quem tem vídeos sexuais expostos na Internet… Vai aqui uma bomba: você pode ser a nova estrela das Redes Sociais. 
 
Deixe-me explicar melhor. Hoje, estamos cercados por televisores, bem posicionados em frente aos sofás, com dispositivos inteligentes capazes de capturar imagens em resoluções incríveis. Há também os notebooks com câmeras de exorbitantes megapixels, os aparelhos digitais disfarçados de peças decorativas que podem estar escondidos em qualquer canto. E você, tão bem criado, comedido, que faz a linha “pra casar”, com um puritanismo quase convincente, pode simplesmente ser vítima de um psicopata que se alimenta de imagens, transformando corpos em objetos. 
 
Somos todos responsáveis, mas também inocentes. 
 
O mercado pornográfico vem descendo ladeira abaixo. Foi-se o tempo em que atores e atrizes faziam fortunas mostrando os peitinhos pras câmeras. Hoje qualquer um sai do anonimato e vem parar no nosso Whatsapp antes do sol nascer. E, quando estamos sentados à mesa tomando o nosso café da manhã, ficamos ali sem saber se mordemos o pão, ou a língua. Indiscutivelmente, os vídeos amadores despertam os nossos desejos mais ocultos. Mas o que nos leva a fazer um “compartilhaço” com a dignidade alheia? Seria uma frustração enrustida, ou uma maldade gratuita?
 
Uma vez em comum acordo, acontece assim: o casal “Vamos nessa” define o cenário, encontra um bom ângulo, ajusta a iluminação, e… 
 
… Um, dois, três… Gravando. (Tudo certo pra dar merda!).
 
Ninguém pode nos assegurar que algumas horas e alguns vídeos depois, nossa intimidade estará intacta, escondida num túmulo superprotegido como aos dos faraós egípcios. Ainda que o nosso parceiro tenha bom senso e seja respeitoso, existe um enigma chamado “nuvem”, que apesar de manter todos os nossos dados num servidor em algum lugar, nos deixa vulneráveis sem entender direito como tudo funciona. Quem ainda não assistiu ao filme Sex Tape com Cameron Diaz, está em tempo. Uma comédia fenomenal, que, apesar de nos tirar gargalhadas, nos faz pensar duas vezes antes de apertar o REC para registrar um vídeo desse naipe. 
 
Não há dúvidas de que o jornal de hoje embrulha o pão de amanhã, mas a notícia divulgada nele permanece como uma cicatriz naquele que foi vítima de uma difamação. Eu poderia passar uma tarde citando exemplos que se empilham, de jovens que tiraram a própria vida por terem suas intimidades expostas, ou que sobreviveram aos trancos e barrancos, recolhendo os seus restos e destroços, se escondendo do mundo – vítimas de uma exposição inconsequente. Os assassinos do século XXI trocaram as armas de fogo por um click: Video uploaded. A merda é jogada no ventilador e doa a quem doer.
 
 Assim aconteceu com um garoto no interior do país. Rumores dizem que a namorada teria encontrado um vídeo no seu próprio celular em que ele aparecia transando com outro homem. Ela, certamente, perdeu o chão já que se sentiu duplamente traída. Poderia ter esperado a poeira baixar e conversar com o rapaz; colocar as cartas na mesa; dar-lhe um tapa bem doído na cara; fazer um barraco no trabalho dele; quebrar toda a casa; terminar o namoro… Mas ela desprezou todas as opções “convencionais” e preferiu arruiná-lo, de uma vez por todas, apertando o gatilho de uma arma com uma munição virtual: jogou o vídeo na Rede.
 
Num mundo em que quase ninguém usa o senso de justiça, um material com esse conteúdo é um prato cheio para os covardes que se escondem atrás de um número de IP. A Internet está fervilhada de pessoas doentes, que se alimentam do mal, da fragilidade humana, que ficam de plantão na frente da tela esperando um deslize para colocarem suas frustrações em prática, tentando julgar o próximo para se sentirem maiores. Fazem isso porque existe a turma da “Maria vai com as outras”: existe plateia, gente que compartilha (versão moderna do que costumávamos chamar de fofoca).
 
Estamos à mercê desses trogloditas desalmados.
 
Isso me faz pensar de imediato nos seguidores de Hitler. Porque os nazistas aceitaram a ordem de dizimar os judeus sem titubear? Em nome da Pátria, por honra ao militarismo, pelo exercício da cidadania ariana? Não! Porque era conveniente, porque alguém teria dado o aval para que a maldade corresse em suas veias sem que fossem julgados. E se o Führer ordenasse que cada um deles destruísse a sua própria família? 
 
Cri cri cri (silêncio na sala).
 
Tirando meia dúzia de psicopatas, certamente não obedeceriam à sua ordem. Ninguém é tão maluco ao ponto de rasgar uma nota de 100 ou matar a própria mãe. Mas, a família, a reputação, a intimidade dos outros… “Bomba neles!”. 
Se compartilhamos a libido alheia, estamos sujando as nossas mãos da mesma forma que os nazistas, sendo coniventes com o mal,  aproveitando o livre arbítrio para praticar  atos inescrupulosos, agindo com uma pontinha de arrogância, na desculpa de estarmos defendendo essa palhaçada conservadora de “moral e bons costumes”. 
 
Somos hipócritas, mentirosos, preconceituosos e relutamos em aceitar que essa é a nossa natureza. Talvez, por esse motivo, vídeos de pessoas transando em banheiros públicos nos despertam tanto interesse. (Perdemos o nosso precioso tempo julgando os que fazem o que gostaríamos de ter feito – mas não temos coragem o suficiente). Poucos tem uma vida sexual satisfatória e isso explica muita coisa.
 
O mundo seria um lugar melhor se lidássemos com os nossos fracassos sem que isso colocasse em risco a integridade do nosso vizinho. É preciso perceber o momento de tirar o dedo do teclado. Estamos todos conectados e seja com, ou sem Wi-Fi, o princípio de ação e reação é o mesmo. Bobinho aquele que age na mediocridade acreditando que todo mal que distribui, ainda que virtualmente, será em vão. 
 
Pessoamá.com, sorria, você está sendo filmada.
 
Bruno de Abreu Rangel
 
 
Bruno Uerba

SOBRE O AUTOR

Bruno Uerba

Bruno de Abreu Rangel é um celebrado escritor carioca e tem três livros publicados. Atualmente ele reside nos EUA e é colunista da Lado A desde 2014.


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