Mais de 400 convidados presenciaram a nova coleção da marca que trouxe crítica por meio de uma homenagem a mitológica personagem local Gilda, um sem teto que habitou a Rua XV de Novembro e que usava a ameaça de beijar outros homens para extorquir trocados no ponto da cidade conhecido como Boca Maldita. Quase sempre vestido de mulher mas com uma enorme barba, se dizia gay e chocava ao mesmo tempo que divertia a fria cidade no final da década de 70 e início dos anos 80. Gilda era amada e odiada, mas era feliz, até o fim quando foi encontrada morta na sarjeta e virou um mito.
Com destaque para o conforto e composições orgânicas, o estilista mostrou um misto de prêt-à-porter, alta costura e moda casual, com looks masculinos e femininos que destacavam o uso de malha, transparências além de trabalhos de apliques artesanais e bordados. O homem da Heroína é moderno, guerreiro urbano e ao mesmo tempo chique e casual. A mulher da marca se transforma, de um visual jovem cotidiano e despojado a looks super matadores, uma mulher com muita personalidade e expressão.
A homenagem para a mais célebre “travesti” Curitiba foi um misto de crítica e memória que o artista quis provocar com seu desfile que foi montado com apoio de amigos e clientes por meio de uma vaquinha virtual. “Quis tocar na ferida da memória esquecida e do nosso viralatismo cultural. Não conhecemos as nossas chagas, mas consumimos com prazer o que é de fora”, pontuou Alexandre Linhares. O desfile lembrou ainda em uma das performances o recente incidente na cidade onde professores foram vítimas de abuso da força policial em um protesto em frente a Assembléia Legislativa do Estado do Paraná.
A crítica à massificação, industrialização da sociedade e da moda, surgiu também na escolha dos modelos e no minimalismo presente em toda a coleção. Nada de beleza perfeita ou padrões, estampas repetitivas. Um homem que surge de batom vermelho, mulheres com pouca maquiagem ou com look underground, peças sem forma, sem gênero definido. Gritos, pânico, dor. Diversas quebras no desfile, no pensamento mecanizado, nas atitudes, no óbvio e previsível. O artista propõe mudança e serenidade mas sem perder ao mesmo tempo as raízes e a ironia, a crítica, a auto crítica. Equilíbrio seria palavra para resumir a coleção, mas não o ideal de equilíbrio, mas a interminável busca interna e externa pelo sentido de tudo, a paz interior em um universo turbulento e adverso para todos que vivem na margem da sociedade cheia de padrões ideais. A dor e o prazer de se viver. O direito inato de felicidade que vem junto com o julgamento moral inevitável.
Fotos: Daniel Sorrentino