As verdades secretas dos garotos de Ipanema

Saiba o que ninguém nunca teve a coragem de dizer.

 
Pode até parecer que eu esteja incentivando a ira, destilando um veneno bem amargo, pegando carona no bonde dos invejosos e recalcados. Mas não, estou apenas listando alguns dos desabafos que venho colecionando dos meus leitores ao longo desses últimos meses. Antes de jogar a m*rda no ventilador conscientizei-me de que qualquer verdade, por mais secreta que seja, tem duas versões: a minha e a sua. Tudo está atrelado ao bendito ponto de vista.
 
Dois garotos estão vendo a praia de Ipanema pela janela, um enxerga um paraíso natural onde se pode respirar a liberdade, ser o que você quiser, se apaixonar pelo mar, se refrescar com água de coco e quem sabe matar a sede de amor; o outro enxerga um cartão postal com um desfile de sarados que se sentem o crème de la crème, famintos por sexo, viciados em reconhecimento e vislumbrando a possibilidade de tirar algum proveito.
 
 E você, o que enxerga através da sua janela?
 
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Uma agência de modelos a céu aberto: Será mesmo? Tenho as minhas dúvidas. Sem querer simular a teoria do caos, mas o que aconteceria se os anabolizantes desaparecessem do mercado? Não ia sobrar meia dúzia de galãs pra contar história. Enquanto isso, muita gente segue acreditando que ter um amigo fotógrafo e algumas fotos tratadas vai ser suficiente para tornar-se numa “Angel” da Victoria´s Secret. Book rosa? Que nada, são 50 tons de cinza mesmo e com direito a chibatada, chave de braço, sexo selvagem – tudo 0800. Até que a ficha caia ficamos nós, com cara de paisagem, dividindo o calçadão da praia com esses modeletes que desfilam com o ar da Gisele e a conta bancária de um Zé Ninguém. 
 
Vaginas: Está faltando originalidade na turma dos boys machões. Fazer uma série de esportes radicais, com direito a trilhas na pedra da Gávea que renderão fotos da série lek-brother? Isso já é coisa do passado, o lance agora é o Universo Paralelo. E além de eles estarem sempre batendo cartões nas festas e raves com seus óculos escuros, cordões de prata que pesam mais do que sucata de ferro velho e tatuagens que decoram todo o corpo ultra bombado, estão constantemente acompanhados por uma “racha” linda de causar inveja, podem reparar – mas procriar com elas que é bom – ninguém quer. Não se enganem a finalidade das vaginas por perto é disfarçar a insegurança que ficou perdida lá no armário. O que se passa na cabeça de um gay que acredita ser hétero e se apresenta como superior aos demais? A pior parte é que nessa galáxia em expansão chamada Ipanema, você chuta um coqueiro e caem uns dez com esse perfil.
 
O pavor em falar sobre o HIV: Nos países mais desenvolvidos, antes das pessoas partirem pros “finalmentes” é de praxe alguém perguntar: você é soropositivo? Isso não quer dizer que ela desconfie de você e muito menos significará a sua sentença de morte.  Mas no Brasil, o temor dos anos oitenta ficou tão impregnado que muitos chegam a parir um filho quando são questionados sobre qualquer DST. Basta olharem nas redes sociais, postagens sobre a nova balada de Sábado: 185782948392 curtidas; a cura da AIDS: 14 curtidas e um ‘adorei o artigo’. Ipanema é um elevador gigante, um entra e sai muito louco, todo mundo se conhece e para em todos os andares. É muito importante ficar atento porque o que nos leva à cobertura também nos manda pro subsolo. Se em algum momento você se descuidou, o mais plausível é fazer um exame e ficar de bem com a consciência. 
 
A necessidade de serem os mais belos: É difícil para a grande maioria entender que às vezes vamos dobrar a esquina e dar de frente com alguém mais bonito do que a gente, nem que seja 2% a mais, mas aceita – dói menos. Em tempo, é bom lembrar que a beleza está muito além de um rostinho bonito e uma barriga cortada. Algumas pessoas se destacam naturalmente sem precisar fazer força: têm carisma, magnetismo, brilho próprio… E não adianta aumentar as doses cavalares de Whey Protein, isso não está à venda, nasce com a pessoa.  Então é melhor entrar num acordo com o espelho e entender, de uma vez por todas, que a vida não é um circuito de Barcelona porque um dia, do nada, a gente vai acordar e enxergar o reflexo de uma pessoa amargurada, que perdeu a juventude desperdiçando tempo tentando ser um pouco mais notado. 
 
Anuptafobia (o medo de estar solteiro): Não é só a palavra que é difícil, a situação de quem sofre isso também. São pessoas que vivem a procura de motivos pra cortar os pulsos porque não conseguem lidar com a própria companhia. Ficam quicando de festa em festa, experimentando paixões aditivadas, tendo aventuras amorosas mais rápidas que um ciclo de anabolizantes e terminam com o coração e o fígado – estraçalhados. Gente de mente inquieta, de emoções confusas, que são tomadas pelo terror da casa vazia, que perdem as estribeiras quando alguém decide ir embora da relação porque começar tudo de novo é decepção de dar pano pra manga – ou pra camisa de força. Pra fugir das gotinhas de Rivotril o garotão de Ipanema sempre dá o seu jeito: arruma uns peguetes da espécie ventania, só pra quebrar o galho mesmo. 
 
A vergonha de assumir o papel sexual: Ser passivo não torna ninguém menos homem. Isso é uma herança machista de uma sociedade preconceituosa da época em que azul era para meninos e rosa para meninas. É preciso resetar o cérebro pra não cair na cilada de achar que o ativo é o macho da relação, isso é uma tremenda armadilha em que a isca da ratoeira será você mesmo. O mais comum é ver alguns infelizes se dirigindo aos passivos como “ela”, se colocando num degrau acima porque no passado mamãe ensinou que quem planta a sementinha é o papai. Sexo tem que ser algo sublime, a gente não tem que se envergonhar do nosso papel seja ele A, B ou AB. É por essas e outras que algumas relações ficam pouco tempo em cartaz. A pessoa cria um personagem de que é o Ricardão pegador e com o passar do tempo se vê travada com um texto decorado, sem se permitir ao improviso, sem o desembaraço de assumir novos papéis indo em direção ao fracasso de bilheteria.
 
O desfecho não é lá um dos melhores. Com esse boom imobiliário, o preço do metro quadrado foi lá nas alturas e a galerinha que tinha “mais pompa do que circunstância” desapareceu na velocidade da luz. Os novinhos entraram em extinção e os garotos que permaneceram já passaram dos 30, estão mais pra paizões (apesar de grande parte ter dificuldade de aceitar isso). Será que Ipanema está com os dias contados?  Se conseguirmos um ingresso para o túnel do tempo, veremos que há alguns anos Copacabana era a princesinha do mar, abarrotada de gente rica, bem criada, de gatas e gatos – hoje velhinhos, que caminham pelo bairro com um saudosismo de dar gosto, porque uma coisa é certa: eles também tiveram as suas verdades secretas, no entanto gozaram da sorte de viver numa época em que as pessoas eram mais acessíveis e menos virtuais. 
 
 
Bruno de Abreu Rangel
brunorangelbrazil@hotmail.com
Blog: http://wwwbarbrazil.blogspot.com.br/

 

Bruno Uerba :Bruno de Abreu Rangel é um celebrado escritor carioca e tem três livros publicados. Atualmente ele reside nos EUA e é colunista da Lado A desde 2014.