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Padre Fábio de Melo relata encontro com travesti e dá tapa na cara da hipocrisia cristã

Redação Lado A 11 de Dezembro, 2015 14h39m

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O padre Fábio de Melo afirmou em sermão televisionado na semana passada que se encontrar com uma travesti causou-lhe pânico e o fez pensar na realidade dos marginalizados, e que sentiu vergonha do próprio preconceito. Ele narrou o encontro e confessou “a hipocrisia do meu coração naquela hora”. O padre fala que “um travesti” chamou uma atenção na festa de aniversário da cantora Alcione na quadra da Mangueira, e se refere a ela no masculino o tempo todo. O público dava risadas, sem que o padre o corrigisse, mas, ao final, não riam mais. O relato do padre foi um tapa na cara dos seus fiéis do Hosana Brasil 2015, evento em que foi gravado na cidade de Cachoeira Paulista, São Paulo, no início deste mês .
 
“Não cabe vaidade espiritual entre nós. Não caia na tentação de achar que está melhor do que os outros. Cristianismo não é mensurável… o que eu sei é que o amor não tem contradição. Você olha e sabe: se você a ama ou não. E é na caridade que reconhecemos os verdadeiros.”, pregou o padre. A travesti Luana Muniz é conhecida por seu trabalho de caridade na região da Lapa, no Rio de Janeiro, e recebeu muitos elogios do religioso. 
 
Apesar de muitos criticarem a falta de tato do padre ao se referir à travesti no masculino, fazer piadas, chama-la de rapaz, fica claro que o padre Fabio de Melo ainda precisa aprender muito do que prega. Todavia, o relato sincero, mesmo que midiático, chama atenção ao tema e faz discutir o verdadeiro cristianismo. 
 
Confira o relato:

 

 
“Semana passada eu vivi uma situação. A Alcione me convidou para estar no aniversário dela, lá na quadra da Mangueira. Eu sou Beija-Flor mas eu fui lá na Mangueira. Fiquei lá acho que uns 50 minutos, uma hora mais ou menos, encontrei uns amigos que também estavam lá. Mas o que me chamou a atenção, minha gente, foi um travesti que estava lá. Posso confessar uma coisa para vocês? Quando eu vi, ele estava olhando para mim… E olha que eu não sei muito bem ficar sem graça… eu sou tímido. Mas sabe o que me ocorreu? Vou confessar publicamente a minha hipocrisia. Meu Deus do céu, se esse rapaz pedir para tirar uma foto comigo? Como que eu vou reagir?. Porque você tira uma foto hoje, é que nem político, o que vão fazer com essa foto… às vezes eu tenho mais medo do político…
 
Independente de qualquer julgamento,estou confessando a hipocrisia do meu coração naquela hora. Estava sentado do lado da Alcione, quase que protegido por ela ali. Ela tem ciúme e mim… e não gosta muito que a mulherada… E muitas pessoas começaram a se encorajar para tirar foto comigo. E ele (a travesti) lá do fundo olhando. Aí minha gente… Quando, de repente, eu só vi a sombra dele na minha direção, e o meu preconceito, o meu medo de me expor, tudo vindo à tona. Que coisa horrorosa isso em nós não é?… Como se eu fosse melhor. Como se a presença dele do meu lado.. Isso é mesquinho, eu tô confessando…  é vergonhoso o que eu estou dizendo pra vocês”. Eu senti isso e não contei pra ninguém. E só contei pra você porque eu sei que isso não vai sair daqui.
 
“Aí ele veio, com um vestido longo, todo delicado, e falou pra mim: ‘O senhor costuma tirar fotos com pecadoras?’. E eu percebi que tinha uma ironia nele. Mas é claro! E abracei ele e ele tirou a foto. Quando ele, e antes de sair, ele disse: eu não acredito que o senhor permitiu. E os olhos dele estavam emocionados. Assim que ele saiu, Maria Helena, a irmã da Alcione, sentou do meu lado e falou assim: Padre Fábio, você sabe quem é ele? Contou a história… ele mora na Lapa e criou um grupo ali na região da Lapa que alimenta e recolhe todos os miseráveis daquela região. Ele tem um trabalho internacionalmente reconhecido. Ele leva para dentro da casa dele… dá banho, alimenta, não tem nojo de ninguém. E faz de tudo para aquela pessoa retornar à vida…. Ele se torna uma espécie de vigilante, para que ninguém agrida, para que ninguém vá com violência emocional… 
 
Quando ela me contou aquela história, eu comecei a unir as coisas dentro de mim. Eu não entro no mérito da questão da vida que ele leva, e gostaria que você também não entrasse nisso… vamos deixar que Deus faça isso. Não sou síndico da Eternidade. Você é? O máximo que a gente faz é apontar para ela. Agora, que é um tapa na cara da gente… é!
 
“Aquele que você enxerga e que, naturalmente, provoca um desconforto por ser tão diferente de nós, não sabemos quantas coroas da dignidade foram recolocados por aquela pessoa, através de um prato de comida… com um pai que abraça um filho que chega, por que eu sou padre e nem sempre tenho disposição de ir para a praça e recolher aqueles que precisam… você é cristão e nem sempre está disposto a cuidar de quem está doente, colocar dentro da sua casa… de amar o que precisa ser amado”.
 
“Volto a dizer. Não cabe nenhum julgamento do lado de lá, cabe aqui. Quando Deus coloca essas pessoas diante de nós, é para desmoronar os castelos de ilusão que nós criamos dentro. Como se o nosso cristianismo já tivesse pronto. Como se nós já tivéssemos chegado ao último estágio dessa santidade que Deus nos convida. Não, eu ainda me envergonho dos que são diferentes de mim. Eu ainda tenho medo de ir ao encontro daqueles que precisam de mim. E a palavra de Paulo é dura: a missão de vocês é junto daqueles que estão necessitados”.
 
Foto: Denilson Vieira

 

Redação Lado A

SOBRE O AUTOR

Redação Lado A

A Revista Lado A é a mais antiga revista impressa voltada ao público LGBT do Brasil, foi fundada em Curitiba, em 2005, pelo jornalista Allan Johan e venceu diversos prêmios. Curta nossa página no Facebook: http://www.fb.com/revistaladoa

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