Por que não usar “violentado” ao invés de “sodomizado” nos crimes de “estupro” de contra homens?

Diversos textos jornalísticos que falam sobre abusos sexuais de meninos e homens, nos Estados Unidos e no Brasil, e principalmente em Portugal, optam por usar o termo “foi sodomizado” no lugar de sofreu estupro ou violência sexual. É o caso da notícia sobre o garoto mexicano que foi violentamente estuprado em 2006 e, depois de passar por dezenas de cirurgias para reduzir os danos, suicidou-se no ano passado por não aguentar a situação. Não querendo reduzir a problemática do estupro, tanto para homem quanto para mulheres, mas hoje vamos discutir sobre o perigo de se usar “sodomizado” no lugar de “estuprado”.
 
Vamos comparar os significados dados pelo dicionário Michaelis:
 
Sodomia – Concúbito de homem com homem ou de mulher com mulher. S. imperfeita: contatos libidinosos entre pessoas do mesmo sexo, sem cópula mas com orgasmo. S. impropriamente dita: coito anal entre homem e mulher. S. perfeita: coito anal de homem com homem com ejaculação; pederastia.
 
Estupro – Atentado ao pudor cometido com violência. 2 Coito sem consentimento da mulher e efetuado com emprego de força, constrangimento, intimidação ou decepção quanto à natureza do ato; violação.
 
Abuso – 1 Uso errado, excessivo ou injusto. Prática contrária às leis e aos bons usos e costumes. 2 Descomedimento, excesso. 3 Abusão, crendice. 4Contravenção, irregularidade. 5 Defloramento, estupro. 6 Aborrecimento. 7Canalhice. 8 Maçada. 9 Nojo. (Quase sempre empregado quando a vítima é menor de idade.)
 
Violentado – 1 Constrangido, forçado. 2 Violado. 3 Infringido.
 
De acordo com a denotação dos termos, referir-se à violência sexual com o termo sodomia é reduzir a veracidade e criminalidade do ato, uma vez que sodomia é o sexo anal que acontece de forma consentida. Ou seja, pelo sentido oferecido pela norma culta da língua portuguesa, as duas palavras não deveriam ser usadas como sinônimo porque sodomia seria uma maneira consentida.
 
Entretanto, o contrário também é verdade. No sentido conotativo, sodomia é um termo pejorativo usado para falar sobre o sexo gay. Então, usar o termo seria deixar nas entrelinhas que o veículo condena não só o ato, mas o ato sexual cometido por um homossexual. Trazendo à tona todo ranço de humilhação que o ato homossexual provocaria na vítima, a atitude vil do agressor, a moral sobre o crime.
 
Um pouco de história
No período da Inquisição, a Igreja Católica punia os pecados dos fiéis por meio de multas, prisões, confiscos de bens, expulsão da cidade, trabalho forçado e morte na fogueira. A sodomia, como prática do sexo anal, era um dos pecados nefandos em questão. Ao longo das Visitações Oficiais da Inquisição ao Brasil, a sodomia passou a virar sinônimo de práticas homossexuais desviantes, como sexo entre homens, vestir-se de mulher ou até masturbar outros homens, perdendo o sentido original e ganhando a conotação pejorativa de que a homossexualidade era coisa do capeta. 
 
A origem de sodomia vem da palavra Sodoma, cidade bíblica que teria sido queimada por Deus pois seus moradores praticariam sexo anal. Posteriormente chegou-se a dizer que estes sodomizavam os visitantes. Versão que é contestada pelos teologistas mais modernos. 
 
O uso do termo para esse sentido perdurou. Há registro de crônicas publicadas nos jornais cariocas no período da Belle Époque, onde a palavra servia para falar mal dos gays afeminados que transitavam pela Praça Tiradentes. E foi nesse contexto que a palavra continuou e continua a ser empregada nos jornais brasileiros. Usá-la para se referir a um criminoso que estuprou outra pessoa é colocar a comunidade gay no mesmo patamar que eles. 
 
 
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