Arquivo

A ditadura parça-brother

Bruno Uerba 09 de Setembro, 2016 13h40m

COMPARTILHAR

TAGS


“Boca de forno.
Forno.
O que o mestre mandar.
Faremos todos.
E se não fizer…
Tomaremos bolo”
 
‘Eu quero que todos fiquem sarados, subam a pedra da Gávea e façam pose de macho malvado sem camisa, com frase de superação. ’
 
E de repente, é tudo o que se vê: uma enxurrada de fotos bem pensadas, com ângulos super elaborados, um sol praticamente ensaiado; uma turma em que n-i-n-g-u-é-m está fora de forma, todos bem seguros de si mesmos, não sofrem de problemas financeiros e fecham parceria: o mundo encantado de Brotherhood.
 
É preciso encher a cara de cachaça para escrever sobre esse assunto, mas antes quero falar sobre um incidente.
 
Aconteceu no Leblon:
 
Num magnífico Domingo de sol, com o calçadão superlotado de pessoas felizes que iam e vinham, bem naquele esquema novela das oito, um garoto bem magrinho e de aparência simples, tentava equilibrar-se nas traiçoeiras rodas de um roller até que, para a sua infelicidade, deu de frente com um brother machão e os dois foram parar no asfalto:
 
‘Coe viadinho, se não sabe andar com essa porcaria fica na sua área’.
 
Assustado com o tom de desaprovação do rapaz trabalhado nos esteroides, o garoto se levantava com dificuldades enquanto pedia desculpas com a voz falhando. É o tipo de cena que você prefere morrer para não ter que presenciar. A palavra respeito já está cheirando a mofo. 
 
Parte da ideologia dos parça-brother é diminuir todos que são diferentes deles usando a intimidação, imposição, constrangimento – violência psicológica. E é atacando a autoestima dos demais que eles fortalecem o próprio regime ditatorial.
 
´Nossa, banho quente? Coisa de menina´
´Não vou nesse tipo de boate, sou macho rapá´
´Que camisa é essa, parece uma bichinha´
´É amigo daquele sujeito que fala fino? Não serve para ser nosso amigo…´
 
Os parça-brothers são matéria de estudo, daria para lotar congressos em Harvard só para decifrar o que se passa na mente dessa espécie que se camufla entre os heterossexuais e que teme ter a própria identidade desvendada (pessoas que supostamente seriam bem mais interessantes se fossem elas mesmas). Qualquer traço ou conduta arco-íris é motivo para serem banidos de suas comunidades. Existem regras a serem seguidas, você precisa decidir entre tomar cerveja em copo de geleia num bar com os parça-fechamento, ou ir ao show da Anitta numa boate badalada – não pode ter as duas coisas. E segundo eles, apenas a segunda opção lhe torna gay, ainda que você goste de meninos.
 
Voltando para a história do Leblon, um certo tumulto tinha se instalado, lógico, o povo adora um barraco. Um senhor, que andava arrastando os pés, aproximou-se questionando o episódio ao menino do roller, que disparou:
 
_ Moço, eu já pedi desculpas para o seu filho, foi sem querer. Ainda estou aprendendo a andar…
 
_ Ele não é meu filho, é meu namorado!!!
 
De repente o tempo fechou. O bombadão que quase se passou por um hétero machão tinha sido desmascarado na frente de todos à luz do dia, com o sol do Leblon à pino. Pela sua feição ele queria enfiar a cabeça do senhorzinho no asfalto. Mas quem iria bancar os suplementos, as viagens, o apartamento no metro quadrado mais caro do país?
 
Namorar alguém com o dobro da idade, seja por amor, ou interesse não está em pauta e nem é da minha conta, mas alguns se esquecem dos caminhos que trilharam e são intolerantes com os que cruzam os seus caminhos.
 
Ficou muito claro o porquê daquele brother tratar mal alguém tão frágil e que estava circulando pela “sua área”. O menino do roller estava tendo a audácia de ser ele mesmo sem ter que pagar nenhum preço por isso. Se alguém precisa fazer um show para provar que é macho, ele já não é macho.
 
Níveis excessivos de insegurança fazem com que as pessoas se percam delas mesmas. Se o indivíduo já foi casado com mulher, se já teve filhos, ou circulou na vida “politicamente correta”, deve ser homem o suficiente para aceitar que nem todos foram covardes. Muitos bateram no peito e enfrentaram o mundo para viver a vida que desejaram – caindo e se levantando – com, ou sem roller. Isso é felicidade! 
 
 
Bruno de Abreu Rangel
 
Bruno Uerba

SOBRE O AUTOR

Bruno Uerba

Bruno de Abreu Rangel é um celebrado escritor carioca e tem três livros publicados. Atualmente ele reside nos EUA e é colunista da Lado A desde 2014.

COMPARTILHAR

TAGS


COMENTÁRIOS