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Índio gay morto pela Igreja e primeira vítima da homofobia no Brasil recebe homenagem

Redação Lado A 09 de Dezembro, 2016 12h32m

Um monumento em forma de lápide em alto relevo do índio tupinambá Tibira, morto em 1614 a mando de um frei católico com intenção de purificar a comunidade na colônia, se tornou  uma homenagem em São Luiz, Maranhão. A peça foi inaugurada esta semana, com presença do antropólogo e decano do movimento gay brasileiro professor Luiz Mott, que resgatou o caso dos arquivos da Inquisição portuguesa. A lápide gigante fica na praça Marcílio Luz, no Centro da cidade, próximo ao local da execução do indígena, e a cerimônia de inauguração contou com a presença do secretário de Direitos Humanos do Maranhão, Francisco Gonçalves.
 
Antes de morrer, explodido na boca de um canhão, Tibira protestou que seus parceiros não receberam a mesma punição por serem ativos nas relações. A violenta morte também aponta para a homofobia do frei capuchinho francês Yves D’Évreux, que ordenou a execução sangrenta.
 
Os tupinambás formavam a maior nação indígena do país, espalhados entre o Maranhão e Santa Catarina, ao longo do litoral. Entre eles, os tibiras, homens travestidos de mulher executavam tarefas caseiras atribuídas às mulheres e ainda faziam papel sexual passivo. Com hábitos sexuais libertinos aos olhos dos europeus, não são poucos os relatos destes índios homossexuais que habitavam o Brasil há 500 anos e sendo bem tratados por seus iguais. O português Gabriel Soares de Souza, em 1587, escreve à coroa: “São os Tupinambá tão luxuriosos que não há pecado de luxúria que não cometam. Não contentes em andarem tão encarniçados na luxúria naturalmente cometida, são muito afeiçoadas ao pecado nefando, entre os quais se não tem por afronta. E o que se serve de macho se tem por valente e contam esta bestialidade por proeza. E nas suas aldeias pelo sertão há alguns que têm tenda pública a quantos os querem como mulheres públicas.”
 
“Foi portanto com vistas a “purificar a terra de suas maldades” que os frades determinaram a procura e captura dos tibiras maranhenses, conseguindo prender um infeliz que fugira para o mato. Certamente era um dos tais índios notórios “que têm tenda pública a quantos os querem como mulheres públicas”. Justificava-se essa extrema  intolerância homofóbica por parte dos capuchinhos devido ao receio de provocar a ira divina e os consequentes castigos contra a nova missão, daí a metáfora da purificação da terra extirpando o mau pecado pela raiz. A reivindicação do tibira cobrando que seus cúmplices também fossem executados revela surpreendente sentido de justiça igualitária, talvez  o réu estivesse sugerindo que entre os principais chefes que o condenavam à pena de morte, havia alguns que frequentavam seus serviços homoeróticos”, destaca o texto do historiador Mott.
 
Depois de batizado e ter seu ultimo desejo de fumar realizado, o índio sem nome foi executado na muralha do forte de São Luís, junto ao mar, por um tiro de canhão.
 
O primeiro crime homofóbico no Brasil
Março de 1612: três navios franceses zarpam da Bretagne em direção ao Maranhão,  contando com o patrocínio da rainha regente Maria de Medicis, tendo a missão de fundar uma nova colônia no Brasil, a France Équinoxiale.   Sob o comando de Daniel de La Touche, Senhor de la Ravardière a expedição constava de aproximadamente 500 colonos  e quatro missionários da Ordem dos Capuchinhos. Após cinco meses de tumultuada navegação, desembarcam no Maranhão, celebrando-se a primeira missa na nova colônia aos 8 de setembro de 1612. Dão logo início à construção de um forte e  fundação da cidade de São Luís, em homenagem ao rei menino, Luís XIII. Poucos meses após sua chegada, promovem a execução de um índio homossexual, o primeiro crime homofóbico documentado no Brasil.
 
 No Brasil, particularmente entre os Tupinambá, a etnia mais numerosa que ocupava o litoral do Maranhão a Santa Catarina,  na  visão dos missionários e cronistas portugueses e franceses, os índios apresentavam sexualidade tão devassa que só podiam mesmo ser escravos do Diabo: nus, polígamos, incestuosos, sodomitas. Diz Gabriel Soares de Souza em 1587: “São os Tupi­nambá tão luxuriosos que não há pecado de luxúria que não cometam. Não contentes em andarem tão encarniçados na luxúria naturalmente cometida, são muito afeiçoadas ao pecado nefando, entre os quais se não tem por afronta. E o que se serve de macho se tem por valente e contam esta bestialidade por proeza. E nas suas aldeias pelo sertão há alguns que têm tenda pública a quantos os querem como mulheres públicas.” Já em  1557 o missionário protestante Jean de Lery refere-se à presença entre os Tupinambá de índios tibira, praticantes do pecado nefando de sodomia e em  1575 o franciscano André Thevet rotula-os de berdaches, termo de origem persa usado em todo mediterrâneo para descrever aos homopraticantes e transexuais. Tibira foi o termo genérico tupinambá alusivo à persona homoerótica que teve maior difusão entre os moradores  do Brasil nos dois primeiros séculos de colonização, referido igualmente em alguns documentos da Inquisição, particularmente no Maranhão e Paraíba. 
 
 Foi portanto com vistas a “purificar a terra de suas maldades” que os frades determinaram a procura e captura dos tibiras maranhenses, conseguindo  prender um infeliz que fugira para o mato. Certamente era um dos tais índios notórios “que têm tenda pública a quantos os querem como mulheres públicas”. Justificava-se essa extrema   intolerância homofóbica por parte dos capuchinhos devido ao receio de provocar a ira divina e os consequentes castigos contra a nova missão, daí a metáfora da purificação da terra extirpando o mau pecado pela raiz. A reivindicação do tibira cobrando que seus cúmplices também fossem executados revela surpreendente sentido de justiça igualitária, talvez  o réu estivesse sugerindo que entre os principais chefes que o condenavam à pena de morte, havia alguns que frequentavam seus serviços homoeróticos.
 
 O desfecho desta execução revela o farisaico cuidado dos religiosos em mascarar suas responsabilidades sobre essa morte, a qual,  malgrado sua simulada conformidade com os tradicionais procedimentos judiciais, tinha as cartas previamente marcadas para seu sangrento desfecho:  “Terminado o processo e proferida a setença, cuidou-se em sua alma dizendo-se-lhe, que se ele recebesse o batismo, apesar de sua má vida passada, iria direto para o Céu apenas sua alma se desprendesse do corpo. Acreditou nessas palavras, e pediu o batismo.
 
Frei Yves D’Évreux fornece-nos pitoresco detalhe sobre a importância do tabaco (petum em lingua tupinambá)  entre os nativos:  “Este infeliz condenado recebeu as consolações de muito boa vontade, e antes de caminhar para o suplício disse aos que o acompanhavam: ‘Vou morrer, não mais os verei, não tenho mais medo de Jurupari pois sou filho de Deus, não tenho que prover-me de fogo, de farinhas, de agua e nem de ferramenta alguma para viajar além das montanhas, onde cuidais que estão dançando vossos pais. Dai-me porém um pouco petum para que eu morra alegremente, com a palavra firme e sem o medo que me estufa o estômago”. Deram-lhe o que ele pediu, à semelhança dos que vão ser justiçados, aos quais também se dá pão e vinho, costume não deste tempo e sim desde a mais remota antiguidade,  pois então se oferecia aos criminosos vinho com mirra e ópio para provocar o sono dos pacientes. Feito isto, levaram-no para junto da peça montada na muralha do forte de São Luís, junto ao mar, amarraram-no pela cintura à boca da peça, e o Cardo Vermelho lançou fogo à escova, em presença de todos os principais, dos selvagens e dos franceses, e imediatamente a bala dividiu o corpo em duas porções, caindo uma ao pé da muralha, e outra no mar, onde nunca mais foi encontrada.” (Do livro “História do Crime no Brasil”, Mott Luiz)
 
 
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