Jovem denuncia homofobia nas Forças Armadas em formatura do ITA

Talles de Oliveira Faria, 24, se formou em Engenharia da Computação no ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica), em São José dos Campos, mas, antes de sair, expôs todo o preconceito que viveu nesta instituição militar por cinco anos. Quando foi chamado para receber o seu diploma, ele retirou sua beca que revelou um vestido vermelho, no qual podia-se ler:  ITA  – Tradição e  Excelência em: Homofobia, Racismo, Abuso de Autoridade, Violência Psicológica, Machismo, Elitismo, Falsa Meritocracia e Alunos Desligados.
 
Foi um golpe forte contra o conservadorismo em uma das instituições mais exclusivas do país e está causando celeuma nas redes sociais. Ele expôs ainda na internet os motivos que o levaram a protestar no momento em que os outros buscavam celebração em frente a autoridades como o Ministro da Defesa.
 
Seu sonho sempre foi estudar no Ita por causa de sua fama de ser a melhor e mais disputadas universidade do Brasil, mas quando se descobriu gay viu seu sonho ameaçado por causa da homofobia já na Escola de Cadetes. Ao entrar para o ITA, percebeu que seu sonho se tornara um pesadelo. 
 
Por lá ele, ouviu quase que diariamente comentários homofóbicos de professores e alunos, além de ameaças indiretas e expulsões de outros alunos gays. Ele mesmo foi alvo de uma sindicância por se vestir de mulher em um protesto contra a homofobia este ano.  Em um longo e emocionante texto, ele explica os motivos que o levaram ao extremo de protestar na sua formatura.
 
 

 

Confira a explicação de Talles:
 
“Desde os 12 anos, eu sempre ouvi coisas maravilhosas sobre o ITA. Sobre ser a melhor universidade do país, a possibilidade de receber dinheiro durante a graduação, a quantidade de oportunidades que se abriam ao fazer essa faculdade. O ITA era meu grande sonho. Mal sabia que seria a maior decepção de minha vida.
 
Durante o ensino médio estudei numa escola militar da Aeronáutica (EPCAR) e já fui para lá com muito medo que descobrissem sobre minha orientação sexual, expulsassem-me e que minha família, que na época não sabia, descobrisse que havia sido expulso devido a minha orientação sexual. Seria uma grande tragédia, já que na época sentia vergonha por ser LGBT.
 
Eu não conhecia nenhum regulamento da aeronáutica e não precisava para saber que era um ambiente homofóbico. Desde pequeno as pessoas nos ensinam que ser LGBT é vergonhoso e levamos muito tempo para superar essas feridas.
Senti como a homofobia acontece nas Forças Armadas através da invisibilidade, da chacota e da expulsão daqueles que ousam se abrir em relação a sua orientação sexual. Assim, se passam os anos e os homossexuais lá presentes precisam levar uma vida marginalizada e escondida para que não o descubram e o eliminem. Invisíveis, vivem suas vidas.
 
Cheguei no ITA e decidi que pra mim bastava. Aceitem-me como sou ou sejam expostos pelo que vocês são. Não me aceitaram, violentaram-me, riram de mim, tentaram me tornar invisível. Que a exposição os mudem porque eu vou continuar me amando e me fazendo muito presente mundo afora.

Ainda assim é muito difícil para muitas pessoas enxergarem as Forças Armadas como uma instituição homofóbica. Para elas, vamos mostrar o seguinte tutorial sobre ser LGBT nas FFAA:

 
Tópico 1.
A Aeronáutica não é homofóbica, mas não tinha nenhum LGBT assumido em toda a EPCAR quando entrei em 2009. Mais de 900 alunos, nenhum LGBT. Todos os meninos falavam apenas de garotas e se apaixonavam apenas por garotas.
A Aeronáutica não é homofóbica, mas faziam piadas com os estudantes mais efeminados. Ser efeminado é ser viado e ser viado é ser piada. Ninguém quer ser piada, ninguém quer ser LBGT.
A Aeronáutica não é homofóbica, mas em todas as escolas militares sabíamos do caso do aluno homossexual da escola da Marinha. Motivo de piadas por anos.
A Aeronáutica não é homofóbica, mas um certo professor militar de um certo cursinho elitista aí é conhecido por todos os alunos por seus discursos de ódio contra LGBTs em suas aulas.
A Aeronáutica não é homofóbica, mas seria o fim das FFAA quando fosse criado um coletivo LGBT na AFA (Academia da Força Aérea).
A Aeronáutica não é homofóbica, mas os instrutores e militares em posições de poder desejam boas férias com as namoradas, fazem piadas com puteiros e quando citam homossexuais é pra debochar e dizer que “chave com chave não abre porta”.
 
A Aeronáutica não é homofóbica, mas existe professor que para explicar transistores é preciso falar que tem transitor macho e transistor fêmea e que não existe meio termo.
A Aeronáutica não é homofóbica, mas “não existe elétron triste, não tem elétron com problemas psicológicos, não tem elétron gay”, disse certo professor.
A Aeronáutica não é homofóbica mas todos os meus amigos LGBTs morriam de medo que alguém os descobrisse e os desligasse.
A Aeronáutica não é homofóbica mas quando descobriram que dois amigos meus estavam namorando na EPCAR tiraram um deles do Código de Honra e começaram a perseguir o outro com punições.
A Aeronáutica não é homofóbica mas quando os alunos LGBTs foram descobertos, os discursos de ódio saíram do armário. Amigos se afastaram, viraram as costas. Esse sentimento é terrível, perder alguém que você se importa e que você achava que se importava com você por causa de sua orientação sexual.
 
A Aeronáutica não é homofóbica, mas durante formatura militar “Vocês sabem onde está fulano (LBGT assumido)? Deve estar chupando pau por aí.” Todos riem. Denunciamos. Ninguém ouviu nada. Caso encerrado.
A Aeronáutica não é homofóbica, mas faziam piadas e imitavam os trejeitos e as vozes do nosso comandante por que achavam que ele era viado.
Se era, ninguém sabia, continuaria invisível e piada, mas a aeronáutica não é homofóbica.
Heterossexual é exposto, é divertido, é público, é o decoro da classe, é a moral e são os bons costumes.
Homossexual é vergonhoso, deve ficar escondido e só ser mencionado para ser piada. Homossexual é depravado, é nojento, é desrespeitoso.
A Aeronáutica não é homofóbica, mas quando os cadetes da AFA ficaram sabendo que tinha homossexual assumindo-se, prometeram desligar todos. “Vou fazer pedir pra ir embora. Aqui não tem viado. Vai pagar flexão até pedir pra ir embora.”. E isso aconteceu.
 
A Aeronáutica não é homofóbica, mas quando homossexuais assumidos ousaram ir para a AFA, foram perseguidos por cadetes escolhidos para serem “Líderes”. Ouviram “eu sei que você é viado e vou fazer você pedir desligamento.”
A Aeronáutica não é homofóbica, mas nosso amigo, cadete mais antigo da AFA, o qual também não era assumido, prometeu que tentaria não deixar que outros cadetes perseguissem nosso amigo LGBT assumido que ousou ir pra AFA.
A Aeronáutica não é homofóbica, mas pintar cabelo é coisa de mulher. Escureça esse cabelo e se apresente amanhã.
A Aeronáutica não é homofóbica, mas só vamos permitir que Aspirantes deixem de ser Aspirantes no ITA quando forem viados. Ao menos, o primeiro caso.
A Aeronáutica não é homofóbica, mas usar maquiagem é coisa de mulher.
A Aeronáutica não é homofóbica mas quando você é viado, você tem que ser perfeito: voz grossa pra ser respeitado, sem trejeito, as maiores notas, o melhor físico, nunca falar de homem ou agir de forma descontraída. Nunca falar sobre sua sexualidade. Você pode ser viado desde que nunca aja como um. Pode ser viado mas tem que ser como se fosse hétero. O padrão militar é hétero, mas a Aeronáutica não é homofóbica.
 
Estou farto dessa hipocrisia, dessa violência, dessa gente de bem que deita na cama e não tem consciência do ódio que propaga e das vidas que destrói. Estou farto das piadas, estou farto da invisibilidade, da violência, de tudo.
Agora, se você ainda acha que não havia motivos para minha manifestação e que meus motivos não são válidos, volte ao tópico 1.”
 
Redação Lado A :A Revista Lado A é a mais antiga revista impressa voltada ao público LGBT do Brasil, foi fundada em Curitiba, em 2005, pelo jornalista Allan Johan e venceu diversos prêmios. Curta nossa página no Facebook: http://www.fb.com/revistaladoa