Memorial: Direitos Humanos e LGBTs

Hoje é Dia Internacional e Municipal contra a homofobia, 17 de maio. Quando apenas em 1990 a Organização Mundial da Saúde deixou de classificar a variante da sexualidade homossexual como um transtorno mental.  O amor que não se pode dizer o nome, como descreveu Oscar Wilde, já foi pecado mortal, motivo para prisão, doença. Ainda hoje, em mais de 70 países do globo, a homossexualidade é crime, em cerca de cinco destes territórios ainda é passível de pena de morte. Assim como no Holocausto, hoje, há campos de concentração de homossexuais, com trabalhos forçados, tortura e assassinatos. Sim, a Chechênia hoje mantém campos de concentração para homossexuais e o governo estimula os familiares a matarem os homossexuais em casa, assim como em vários países dominados pelo Estado Islâmico que praticam o assassinato de homossexuais em praça pública.
 
O direito de um é o direito de todos. Quando o direito básico de uma pessoa é violado, os direitos de todos estão sendo violados. E isso faz com que o sentido de humanidade se perca. Quando surgiram os Direitos Universais do Ser Humano, com a Declaração Universal dos Direitos do Homem e da Mulher, após a Segunda Guerra Mundial, foi para garantir que todos os habitantes do planeta tivessem consciência e acesso a uma existência digna. O conceito de Direitos Humanos se amplia então do indivíduo para a sociedade e da sociedade para o indivíduo.
 
Todos os dias, temos o desafio de tratar uns aos outros de forma respeitosa. O respeito é uma das bases das relações humanas. Somos seres sociais, mas o dia a dia nos impõem desafios que por vezes nos desumanizam. Não podemos tratar o outro da forma que nos tratam, mas como gostaríamos e deveríamos ser tratados. Somos todos seres políticos e defensores dos Direitos Humanos. Muitos apenas percebem isso quando são vítimas ou até algozes, de outros. Endurecer sim, perder a ternura jamais, disse certa vez o médico guerrilheiro Che Guevara.
 
E Estado Democrático de Direito existe para assegurar os direitos de todos. A Justiça nos serve para arbitrar quando dois direitos se confundem ou uma lei é violada. Todas as estruturas existem para assegurar o respeito entre as pessoas, de seus direitos, e o funcionamento da sociedade. Para que cada indivíduo possa exercer a sua Cidadania, em deveres e direitos, devemos dar condições iguais, para todos.
 
Assim como o exemplo da mulher afegã sob o regime talibã não entende os seus direitos básicos que são negados, temos muito ainda no caminho de universalizar os Direitos Humanos.  Homofobia não é Cultura, machismo não é Cultura. São exemplos claros de desumanização e opressão.  No Brasil, temos a expectativa de vida das mulheres trans calculada em torno dos 35 anos, além dos altos índices de assassinatos de homossexuais como uma amostra do quão desumano é o mundo em que vivemos, ainda. 
 
Ontem acompanhei mais um triste flagrante da violação de Direitos Humanos. Cleverson, de 40 anos, foi atacado gratuitamente no início da noite de Domingo, no Alto da XV, quando voltava para casa depois de lanchar. Sem motivo, apenas foi xingado de “viado” e teve seu tórax e rosto queimados por ácido jogado por um criminoso.  Ele, que nunca havia sofrido violência homofóbica, percebeu que é preciso denunciar e lutar. Esse crime será encarado provavelmente como lesão corporal grave, pois não temos uma legislação de crime de ódio para homofobia no Brasil, ou uma tentativa de assassinato, se contarmos com a boa vontade do Judiciário. 
 
Seja como jornalista ou como defensor dos direitos humanos, diariamente, acompanho casos como os de Cleverson. Além da violência gratuita, falta de legislação, homofobia ou LGBTfobia no trabalho, na escola, temos ainda um agravante: Nas famílias, os LGBTs quase sempre não contam com o apoio dos pais, ao contrário de outras populações marginalizadas. Muitos, pricipalmente as trans, são rejeitados e expulsos de casa. A maioria precisa se esconder e viver vidas duplas, ou triplas, criar máscaras para evitar a rejeição. Temos ainda o caso de algumas religiões propagarem um discurso que nos exclui. Quando dizem que não somos de Deus, intrinsicamente, apontam que somos seres demoníacos, que não temos sentimentos ou moral, nos retiram a dignidade e direito à vida, nos desumanizam em um grau insuportável. Esse discurso incentiva ainda mais o preconceito, a autorrejeição. Nos é negado o direito a uma existência plena, antes mesmo de termos consciência de quem somos, pois assim somos educados a nos vermos como desviantes, como alguém que não tem o direito de estar ali.
 
Precisamos urgentemente de acolhimento da sociedade, do Estado, das famílias, das pessoas. Sobreviver em um mundo assim é muito difícil. Quantos são os LGBTs que negam a própria identidade e afirmam que não gostariam de ter “nascido assim”, caminho que leva à depressão, à morte. Sim, pois nascemos assim, não é uma opção. A única opção é fechar a cabeça e as portas para outro ser humano, é optar em ser ou não desumano, preconceituoso. E não há nada mais humano do que a diversidade e a capacidade de amar, seja quem for. O próximo não é apenas aquele que está ao lado mas, principalmente, aquele distante de quem somos, aquele do qual discordamos por ele ser exatamente diferente. Esse é o grande desafio do amor ao outro.
 
Como eu disse antes, estamos desumanizados, mas não podemos jamais deixar que isso nos retire a esperança; Feliz Dia Internacional da Luta contra a Homofobia. Uma luta de todos os seres humanos.
 
Redação Lado A :A Revista Lado A é a mais antiga revista impressa voltada ao público LGBT do Brasil, foi fundada em Curitiba, em 2005, pelo jornalista Allan Johan e venceu diversos prêmios. Curta nossa página no Facebook: http://www.fb.com/revistaladoa