Arquivo

As ditaduras que nós apoiamos e fingimos que não existem

Redação Lado A 18 de Junho, 2017 21h20m

COMPARTILHAR

TAGS


Fala-se muito no perigo de vivermos novamente uma ditadura algum dia no Brasil mas não percebemos que há, em alguma semelhança, mesmo que estejamos em um Estado Democrático, algumas ditaduras que nos impõem. Vivemos como se elas não existissem ou não nos tocassem. Há algumas ditaduras, novamente com o perdão da palavra, que são comuns a todos, como a ditadura do amor: que te impõe a idéia que de precisa de outra pessoa para ser feliz, ou ainda a ditadura da própria felicidade, que é preciso ser feliz e alegre sempre. Mas tem algumas forças que são pré determinantes para alguns grupos, e vamos nos concentrar nelas abaixo. E assim essas ditaduras militares e regimes de opressão se perpetuam, com apoio por meio do silêncio daqueles que acham que ela não fará diferença para eles. A opressão é silenciosa e faz tanto mal quanto os regimes ditatoriais. As mortes continuam e precisamos fazer algo, em memória de todos que lutaram e lutam para o fim da opressão. Geralmente, o opressor não vê o mal que causa no mundo, pois ele mesmo é vítima de um círculo vicioso no qual nasceu e se não fizer nada para mudar a mentalidade, vai morrer nele.
Ditadura machista
Você tem noção quantas mulheres são estupradas e vítimas de violência doméstica diariamente no Brasil? A cada onze minutos uma mulher é vítima de estupro em nosso país, estima-se que esse número seja ainda maior. A violência doméstica é tanta que seria possível contar esses casos em segundos. A morte de mulheres assassinadas mostra bem essa violência, com mais da metade morta por parentes, especialmente ex ou atual namorado ou marido. As mulheres ainda precisam lidar com ganhos menores e menos cargos de liderança. Nosso congresso ilustra bem isso, com menos mulheres em sua composição (9% na Câmara e 11% no Senado). Talvez se você não for uma mulher, não tenha percebido ou ache besteira.
Ditadura Branca
Comece a contar quantos atores negros temos nos comerciais de TV, conta-se nos dedos. Mas lembre que nós moramos em um país com maioria da população negra ou afrodescendente: segundo o IBGE, 54% da população se autodeclaram negros ou pardos. Mas negros representam apenas 17,8% da população com renda mensal acima dos R$11,6 mil reais, que representa apenas 1% da população do país. Os negros representam três quartos da população carcerária e quase 80% da população mais pobre, com renda abaixo dos R$130 mensais. A cada 23 minutos, um jovem negro é assassinado no Brasil e tantos outros são vítimas de violência. Talvez se você não for negro, esses dados não te digam nada, mas ele mostra como o determinismo é mais delineado para pessoas negras no Brasil.
Ditadura cristã
Apesar do estado laico, é possível ver símbolos religiosos em instalações públicas e até mensagens cristãs em símbolos como notas de dinheiro, início de cerimônia ou discursos de entes públicos. A Bíblia é tratada como lei em argumentações e religiões menores são perseguidas. Algumas leis beneficiam claramente entidades cristãs que tem eventos e pregações patrocinadas pelo Estado, apesar da proibição. Tudo isso já seria tão ruim, mas estas religiões ainda pregam diversos tipos de preconceitos, entre ele o patriarcado e subserviência da mulher, a família ideal – que tenta apagar os direitos de casais homossexuais, e colocar suas crenças como única opção correta para o resto da sociedade. O que é diferente é perseguido, mas se você não é parte de uma das comunidades perseguidas por cristãos provavelmente vai achar que é exagero e que não tem mau algum manifestar sua opinião ou o que diz uma religião. Mas lembre: os extremistas se fortalecem com demonstrações pequenas de preconceito e vão crescendo seus ódios. 
Ditadura Cis heterossexual 
Apesar de falarem tanto em ditadura gay, a ditadura hétero sim existe, mas claro que se você é heterossexual, você não a percebe. Mas digamos que papai e mamãe te idealizaram lá naquela primeira ecografia quando o médico detectou algo no meio das suas pernas para determinas se era macho ou fêmea. Lembre que o exame só foi feito no terceiro mês porque antes seria impossível de ver algo pois a morfologia não era definida ainda. E de lá os pais traçaram toda uma vida para você e isso provavelmente incluiu quarto de uma cor predeterminada, parceiros do gênero oposto e tudo igual papai e mamãe sonharam e tinha que ser assim mas por algum motivo você não se sentisse nesse padrão. Você cresce ouvindo ameaças de morte e xingamentos a homossexuais e transexuais e quando você se percebe finalmente diferente, e cria coragem de encarar seus pais, eles dizem que você “mudou”. Ninguém vira gay ou transgênero, assim com o ninguém vira hétero ou cis (pessoas que se identificam com seu gênero de nascimento). Claro que o hétero homo transfóbico vai justificar até com Deus que ser diferente é ser uma escolha errada. Claro, é fácil opinar sobre o que não se sente e esperar que a pessoa seja como você ao invés de aceitá-la. 
Ditadura do consumo
Os aparelhos celulares mostram hoje o quanto um bem pode dizer se você é bem sucedido ou não, segundo esta ditadura. Ou talvez o carro que você dirige, ou mesmo o calçado ou bolsa que usa. O status dado a alguns itens mostram o quanto a ditadura da moda ou do consumo influenciam a sua vida de forma cruel. E ter algo chega a significar ser algo e as pessoas valorizam bens mais do que caráter, do que inteligência. Pode ser ainda a roupa da moda, a última refeição, ou para onde viajou nas últimas férias. E você esquece como tem gente que não tem acesso a mesma coisa, ou ainda que mataria ou roubaria para ter aquilo que você valoriza tanto, só para sentir o prazer de ter algo que não significa nada. Tudo exposto nas redes sociais, em tempo real, com aquele celular de última geração, claro. Cuidado com a mensagem que você passa para o mundo, você está assinando embaixo.
Ditadura da beleza
E se não bastassem todas as ditaduras que você convive ou finge que não existem, talvez essa te alcance: Você precisa ser bonito. Além de uma magreza ou porte desejável, precisa ter aparência jovem, sorriso branco, demonstrar ser saudável – mesmo que tenha perdido a sanidade no caminho. A ditadura da beleza está em todas as profissões e é cobrado como se todos fossem modelos profissionais. E não sem engane: ser e parecer são coisas bem diferentes. E ninguém se importa se você é realmente bonito, ou o que fez para ficar assim, basta sair bem na foto e postar. Se a beleza abre portas – assim como ser branco, rico, cristão ou heterossexual, você não vai querer receber uma portada na cara, não é mesmo?

 

Redação Lado A

SOBRE O AUTOR

Redação Lado A

A Revista Lado A é a mais antiga revista impressa voltada ao público LGBT do Brasil, foi fundada em Curitiba, em 2005, pelo jornalista Allan Johan e venceu diversos prêmios. Curta nossa página no Facebook: http://www.fb.com/revistaladoa

COMPARTILHAR

TAGS


COMENTÁRIOS