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Gênero fluido e sexualidade: entenda as variações possíveis

Redação Lado A 23 de Agosto, 2017 23h54m

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Ultimamente, muito se constroem debates e questionamentos acerca das questões de gênero e sexualidade. Assunto muito atual, está presente na internet e no cotidiano, nos serviços de entretenimento como novelas e música e tem sido alvo de muitas críticas por parte dos conservadores com projetos de lei que proíbem o debate dessas questões em escolas. 
 
O fato é que, embora não muito reconhecido e muitas vezes desentendido, as pessoas que se identificam com diferentes facetas de gênero existem, e, com o decorrer dos anos se fazem cada vez mais presentes na sociedade, conquistando seus espaços por direito como qualquer cidadão, afinal, independente de identidade de gênero ou sexualidade, somos todos seres humanos com necessidades, direitos e deveres comuns. 
 
Apesar de ser um assunto novo, os estudos sobre gênero não são de hoje. Simone de Beauvoir, importante filósofa aclamada pelo movimento feminista, começou em 1949 as primeiras pinceladas sobre gênero. Com sua famosa frase: ̋Ninguém nasce mulher, torna-se. ̏, Beauvoir abre espaço para a possibilidade de que o gênero é algo socialmente construído, isto é, ser mulher depende do encaixe em parâmetros determinados dentro de cada sociedade. Para a pensadora, o gênero é construído de forma identitária, de acordo com suas palavras: ̋não é o corpo-objeto descrito pelos cientistas que existe completamente e sim o corpo vivido pelo sujeito. A mulher é uma fêmea na medida em que se sente fêmea. ̏.
 
Com o passar dos anos e com as diversas discussões acerca da teoria de Beauvoir, Judith Butler, também consagrada teórica sobre gênero dessa vez dos anos de 1990, concorda com a teoria de Beauvoir e acrescenta que o gênero pode não ser representado apenas pela dicotomia de homem ou mulher, mas pode ser fluido. Para Butler, o indivíduo pode se identificar como homem, mulher, ou simplesmente não se colocar em nenhuma posição, portando-se com neutralidade. Todas as identidades sempre existem independente daquilo que lhes é concedido biologicamente como homem e mulher a partir das genitálias. Ao não vincular-se em nenhuma categoria de gênero, o individuo pode ser considerado de gênero fluido, não-binario, ou extinguir definitivamente qualquer definição relativa a gênero. Nas palavras de Judith Butler: ̎Supondo por um momento a estabilidade do sexo binário, não decorre daí que a construção de “homens” aplique-se exclusivamente a corpos masculinos, ou que o termo “mulheres” interprete somente corpos femininos. ̏.   
 
Em discussões mais contemporâneas e cada vez mais presentes na sociedade, surgem dúvidas e questionamentos sobre os termos adotados para tratar de assuntos de gênero e sexualidade. Trans, travesti, Drag Queen, Drag king, Gays, lésbicas, bissexuais, gênero fluido, gênero não-binário, agênero; são infinitas as possibilidades de existência e performance do ser humano, que, resultado de muita luta de movimentos sociais e com o avanço da internet, vem ocupando cada vez mais espaço.
 
Jaqueline Gomes de Jesus, professora doutora da Universidade de Brasília, negra e transgênero, é referencia nos estudos de gênero contemporâneos e, em 2012 escreveu uma cartilha explicativa sobre todos os termos de gênero atualmente questionados. Intitulada ̎Orientações sobre identidade de gênero: conceitos e termos ̏, a cartilha pode ser acessada online, gratuitamente. Jaqueline explica, inicialmente, que dentro dessa perspectiva não-binária podem se encontrar as travestis, salvo em situações especificas inerentes à identidade do individuo. Essas pessoas vivem o gênero feminino, mas sem necessariamente se identificar como homem ou mulher. A maioria das travestis prefere ser chamada no feminino, portanto, para se referir a essas pessoas, o correto é A travesti e não O travesti. Ligado a isso, no sentido de uso de termos, as expressões Crossdressers, Transformista, Drag Queen e Drag King se fazem presentes. Esses termos denominam a vivência momentânea da perspectiva transgênero, que não necessariamente são ligados à perspectiva identitária, mas sim funcional, de performance Crossdresser descreve bem essa circunstância. Trata-se de pessoa cisgênero, que não possui outra identidade, mas que momentaneamente vivencia, como forma de satisfação sexual ou não, outro gênero, vestindo-se e performando-se como tal. As pessoas Crossdresser não praticam o tempo todo tais performances, que aparecem muito mais no meio doméstico, diferente das travestis que podem manifestar identidade de outro gênero e assim o são em tempo integral. Drag Queen/King ou Transformistas, também não possuem identidade de gênero diferente daquela que sempre lhe foi atribuída, mas usam da indumentária e trejeitos dos binarismos masculino e feminino, sempre de forma estereotipada e exagerada para fins de entretenimento. Dessa forma, Drag Queen consiste em homem cisgênero fantasiado de mulher, e Drag King consiste em mulher cisgênero fantasiada de homem. Para a doutora, gênero é a identidade do individuo como homem, mulher, não-binario ou demais identidades. Sexualidade é a forma como esse indivíduo se relaciona, independente de seu gênero. Uma mulher trans, por exemplo, pode ser heterossexual, homossexual ou bissexual. 
 
Com vários termos e significados acerca do gênero, e com aquilo que ainda vai ser construído e descoberto, surgem algumas confusões. Uma delas é misturar identidade de gênero com sexualidade ou orientação sexual. Muitas pessoas entendem que, uma vez que uma pessoa se identifica com outro gênero, automaticamente ela se torna uma pessoa homossexual e sofre homofobia. Sucede que a identidade de gênero de uma pessoa nada tem de ligação com a orientação sexual da mesma. Sua construção de gênero é estritamente pessoal e não diz respeito ou ligação com a pessoa ou o gênero da pessoa com quem vai se relacionar. Para deixar esse aspecto claro, suponhamos que um homem que até então se identificava como cisgênero, ou seja, concordava com o sexo definido pela genitália, passe a se identificar como mulher. Essa pessoa prendeu-se a um binarismo, o de mulher, portanto essa pessoa é uma mulher. Se essa pessoa se relaciona com alguém cuja identidade é de homem, trans ou cisgênero, as duas pessoas em questão formam uma relação heterossexual. Independente das transformações ou identidades dessas pessoas, a sexualidade é determinada pelas relações. 
Diante de todas essas noções possíveis, mas não engessadas, uma vez que os estudos feministas e transfeministas estão sempre em construção, tornam-se frequentes alguns problemas. Vivemos em uma sociedade patriarcal, heteronormativa e cissexista; ou seja, embora ainda existam segregações entre mulheres e homens, e que esses últimos tenham vantagens sobre as mulheres, as pessoas cisgênero ainda fazem parte da normatividade, do padrão. Nesse sentido, a professora Jaqueline Gomes de Jesus, atenta para a invisibilidade das pessoas transgênero, uma vez que ate mesmo os dados de violência LGBT divulgados, não consideram crimes de transfobia, por não diferenciar gênero e sexualidade. Sobre esse assunto, a doutora concedeu entrevista ao site Blogueiras Negras, no dia 25/07/2014, no qual declarou:  ̎As estatísticas oficiais sobre homofobia erram gravemente quando misturam os números das violações contra pessoas trans com as de pessoas lésbicas, gays ou bissexuais e contribuem negativamente para a formulação de políticas de inclusão próprias as especificidades da população transgenero. ̏.  
 
(R.L.)

 

Redação Lado A

SOBRE O AUTOR

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A Revista Lado A é a mais antiga revista impressa voltada ao público LGBT do Brasil, foi fundada em Curitiba, em 2005, pelo jornalista Allan Johan e venceu diversos prêmios. Curta nossa página no Facebook: http://www.fb.com/revistaladoa

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