“Você está dizendo que a cólera traz mais alegria que a sexualidade?”, disse o grande médico Magnus Hirschfeld quando sua família pediu para que pesquisasse sobre uma doença no lugar das interessantes descobertas sobre homossexualidade. Um dos pioneiros sobre estudos de gênero e sexualidade, o cientista Magnus foi perseguido pela sociedade e pelo governo nazista da Alemanha de 1933.
Nascido em 14 de maio de 1868, na Prússia, o médico fazia parte de uma família conservadora e judia. Hirschfeld foi um profissional de muita coragem ao dedicar sua vida na defesa da comunidade LGBT da época, inspirado em situações que lhe despertaram revolta diante da violência e preconceito contra essas pessoas.
Durante sua graduação em Medicina, assistiu uma palestra sobre sexualidade em que tratavam a homossexualidade como uma doença. Um homem gay que fora preso por 30 anos por causa de sua orientação sexual foi usado como objeto de estudo na palestra, e apresentava um comportamento considerado primitivo provocado pelos anos em cárcere. A cena revoltou o futuro médico e despertou ainda mais a vontade de defender essa população.
Em outro episódio de sua vida, Magnus foi abordado por um soldado alemão na frente de sua casa, em Berlim, no ano de 1893. O homem estava perturbado por ser homossexual, assim como as demais pessoas que o médico atenderia futuramente para prestar apoio. Hirschfeld solicitou que o soldado retornasse no dia seguinte para uma consulta, o que lhe rendeu anos de remorso ao saber que o jovem se suicidara naquela mesma noite.
Todos esses acontecimentos e sua própria homossexualidade encorajaram Magnus a ser um dos pioneiros nas questões de gênero e sexualidade em uma época tão conservadora. O cientista teve pelo menos dois relacionamentos homossexuais. Seu parceiros e assistentes, Karl Giese e Li Shiu Tong, também ajudavam em suas pesquisas.
A luta pelos direitos LGBT
Cada vez mais famoso, Hirschfeld despertava curiosidade sobre seus polêmicos estudos. De tanto insistir na igualdade de direitos, o parlamento alemão chegou a cogitar a revogação do Parágrafo 175, lei que criminalizava a homossexualidade. O documento foi instituído em 1871 e ficou em vigor até 1994, com várias emendas, chegando a comparar homossexualidade com zoofilia.
Embora tenha persistido e argumentado com inúmeros estudos científicos, Magnus não conseguiu derrubar o Parágrafo 175 que foi exercido ainda com mais afinco durante o nazismo que matou milhares de LGBTs nos campos de concentração. O médico chegou a convidar um chefe de polícia de Berlim para frequentar estabelecimentos LGBT, o que impressionou o oficial. Esperando promiscuidade, o chefe viu muita gente culta e elegante em uma festa gay da alta sociedade.
Continuando incansavelmente seus estudos, Magnus Hirschfeld elaborou a teoria de que todas as pessoas são uma mistura de homens e mulheres. Essa concepção do pesquisador seria hoje contestada pelas teorias que diferem gênero de sexualidade, pois Magnus considerava que a homossexualidade era como um terceiro sexo determinado desde o nascimento.
Mesmo com alguns equívocos comuns a um pesquisador, Magnus foi um grande defensor de transexuais e travestis. O ápice de sua carreira foi quando nos anos de 1900 realizou uma das primeiras cirurgias de redesignação sexual e recebeu uma boa quantia de recursos financeiros para fundar o Instituto de Ciência Sexual. Junto com o Comitê Humanitário Científico, que foi fundado em 1897, o Instituto promovia pesquisas sobre gênero e sexualidade, além do acolhimento de pessoas LGBT e orientação sobre doenças sexualmente transmissíveis e o direito das mulheres.
Apesar de suas boas intenções na luta pela emancipação feminina e pela igualdade para os LGBTs, o médico foi muito criticado também por aqueles que defendia. Muitas pessoas LGBTs da época, principalmente de classes privilegiadas, acusavam o Magnus de explanar a homossexualidade e chamar a atenção de forma pejorativa para esse grupo, aumentando o preconceito e a perseguição.
Perseguição e morte
Apesar de aclamado pela comunidade científica da época, a Alemanha nazista dos anos de 1930 não seria permissiva com os estudos e avanços de Hirschfeld. As atividades de seus institutos eram comumente invadidas por soldados do governo e o médico, junto com seu parceiro e assistente Karl Giese, foi brutalmente agredido diversas vezes.
A biblioteca do Instituto de Ciência Sexual, acervo de valor inestimável, foi incendiada pelos nazistas junto com outros inúmeros arquivos de pesquisas. A fogueira dos “livros inimigos” é bastante retratada em filmes sobre o nazismo nos quais o regime censurava qualquer produção científica ou artística considerada subversiva.
Muitos pacientes que frequentavam os institutos do médico foram identificados e perseguidos. Durante a atuação dos nazistas, muitos homossexuais compunham as “listas-cor-de rosa” e eram marcados com triângulos nessa cor para que fossem levados ao campos de concentração.
Em 1933, Hirschfeld percorria os Estados Unidos fazendo palestras sobre suas descobertas científicas. Enquanto isso, na Alemanha, seu nome se espalhava como uma das maiores ameaças judias à nação. Orientado a não voltar para o território nazista, Magnus foi para a cidade de Nice, na França, onde morreu de ataque cardíaco no dia de seu aniversário de 67 anos, em 14 de maio de 1935. Anos depois, em 1938, seu companheiro Karl Giese cometeu suicídio durante sua fuga dos nazistas.
Magnus Hirschfeld deixou um importante legado para os estudos de gênero e inspirou muitos trabalhos depois. O medico publicou importantes obras como “A homossexualidade de homens e mulheres”, traduzido por Michael A. Lombardi-Nash; “As travestis: a unidade erótica para cross-dress”; “Homens e mulheres: a jornada mundial de um sexólogo” e “A história sexual da guerra mundial”. Seu pioneirismo também rendeu a biografia “Magnus Hirschfeld” de Charlotte Wolff, publicada em 1986 e é retratado no filme “O Einstein do Sexo”. de Rosa von Praunheim, lançado em 1999.