‘Mostram as viagens, mas não mostram quem banca’
Era um post do Instagram;
Na foto, um cara bonito pra Dedéu segurava uma taça de champagne apontando para o mar de Mykonos. Sim, era praticamente um Deus grego, com um sorriso enigmático e os gominhos da barriga rendendo centenas de likes por segundo. Uma loucura!
Rolando a foto me deparei com um diálogo ainda mais impactante:
_ ‘Mostra as viagens, mas não mostra quem banca.
_ Viadinho escroto, fica aí com a sua vidinha pão com o ovo porque a sua inveja só aumenta a minha fama!’
Demoramos e sofremos muito para sermos respeitados perante a sociedade e a luta não para, ainda temos muito chão pela frente. Mas hoje, tudo o que se vê é a própria comunidade gay se engalfinhando, trocando calúnias, dizimando fofoquinhas de colegiais. Preconceito nunca foi a minha praia. Gosto da diversidade e respeito qualquer tipo de pensamento ou, atitude que não se encaixe no meu perfil. Posso imaginar a batalha que muitos enfrentam quando são “obrigados” a abrir mão do próprio corpo pra sobreviver. A linha entre uma pessoa estável e um mendigo é muito tênue. Ninguém pode imaginar as cartas que a vida irá nos oferecer…
…Mas algumas pessoas pegam as cartas ruins, fazem uns movimentos bruscos, jogam pro alto, escondem na manga e tcharammmm. O truque está feito: dormem na Terça em Madrid e acordam na Quarta em Dubai. Boys magias & as mágicas que só eles fazem. A realidade do que realmente acontece nessa incrível vida de jet set fica escondida a sete chaves. Mas o que vai para as redes sociais é uma vida fantástica gozando de uma felicidade plena que só existe acima da linha do Equador.
Como num passe de mágicas, rapazes sem muitas oportunidades criam suas próprias estratégias para sair do anonimato. Fazem de tudo entrar para o clã dos mais cobiçados. Seja dar uma repaginada no corpo, poder acompanhar as festas do circuito, beber drinks requintados, degustar a gastronomia dos restaurantes mais caros do mundo… Fazer check in nos hotéis mais badalados, esticar as pernas nas cabines de uma aeronave onde tudo indica que o serviço será de primeira classe. Tudo pra tentar emplacar a imagem de gato garoto do Instagram; por uma vida “mais justa”, deixando pra trás uma infância de recursos limitados, sem aquele temor de ter que contar moedinhas para comer um biscoito no intervalo da escola; sem o terror de serem rejeitados, ou excluídos do fabuloso e seleto mundo dos garotões-suprassumo: os ricos de verdade.
Dj’s, modelos, atores, promoters de festas, profissionais liberais… a lista de jovens que se estapeiam para comer uma fatia do bolo é extensa e a grande maioria faz por baixo dos panos porque ainda se preocupam com a palavra reputação. Todos querem ser um boy magia a qualquer custo R$200,00 a hora (por baixo). E se você for bom de Matemática, faça as contas. Dá pra ficar rico em pouco tempo. Mas isso não acontece pra todo mundo, e sabe por quê?
Porque a grande maioria começa vendendo o corpo pra bancar as necessidades básicas. E quando se dão conta estão amordaçados pelo dinheiro fácil que cria uma série de necessidades fúteis. É o apartamento que precisa ser numa região valorizada de fácil acesso para os clientes; as roupas de grife, os perfumes importados. Depois, a pessoa se recusa a andar de ônibus/metrô, não suporta voar de classe econômica. Precisa comparecer às festas mais esperadas do ano, e num belo dia – para não dizer trágico – dão de cara com o pior vilão de todos: as drogas – e de todos os tipos. O sexo passa a ser associado aos entorpecentes, os sentimentos começam a andar de mãos dadas com o dinheiro.
Relacionamentos comuns não são mais prioridades, a pessoa tropeça na própria personalidade, e a cabeça entra em choque. E tudo o que resta é uma existência vazia, uma boa psicóloga pra fazer alguns milagres e um pouco do dinheiro que se conseguiu adquirir com “muito suor” para manter uma ilusória estabilidade financeira – já que a emocional foi pro “espaço”. Vale a pena?
Não sei responder, mas isso também não é da minha conta. Li em algum lugar que “a evolução espiritual começa quando cada um cuida da própria vida”. As escolhas do nosso vizinho não deveriam interferir no nosso dia-a-dia. Cada um de nós sabemos das mágicas que temos que fazer pra manter tudo sob controle. As contas que não param de chegar, um trabalho que nunca nos paga o suficiente. Uma rotina que não nos sobra tempo pra quase nada. Cada um tem a sua cruz pra carregar e, certamente, preocupações maiores pra resolver ao invés de ficar apontando o dedo para o coleguinha.
Que tenhamos força e resignação para continuar vivendo e admirando a vida nos pequenos detalhes. Nas pequenas felicidades que vão desde acordar com saúde até uma mensagem de voz da pessoa que você mais ama antes de dormir. Paz interior, amigos e um café forte é o verdadeiro truque para manter-se blindado, já que levar uma vida normal e sóbria dá muito trabalho. Precisamos ter paciência para atravessar os momentos difíceis. Mas sem ter que nos submetermos a fazer algo que venha a nos prejudicar, que nos traga riscos e danos irreparáveis. Que o rapaz de Mykonos e o coleguinha amargo que fez um comentário infeliz no post possam entender. Já que eles são apenas personagens desse jogo mágico chamado vida – e, apesar do estilo de vida diferentes, ambos estão presos no mesmo sistema.
Bruno de Abreu Rangel
brunorangelbrazil@hotmail.com
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