Não existe mais o amor gay em tempos de redes sociais

No passado, para se encontrar e manter um amor já era difícil. Primeiro que não havia tantas redes sociais ou facilidade de contato. Quem tem mais de 30 anos lembra como era complicado ter que mandar e-mail ou carta. Ou ainda, marcar um encontro para daqui uma semana, ou passar o número de um orelhão, ou nome falso, a fim de manter a privacidade. Hoje não, o amor está ali, na palma da mão, mas nem por isso está mais fácil.

Conhecer pessoas ficou bem mais prático, assim como se locomover pela cidade. Não precisa mais ir em baladas gays para conhecer pessoas. Se quiser, pode ir de Uber ao motel. Mas é notável que os namoros duram pouco hoje em dia, bem menos que antes.

Por quê?

Primeiramente, a grama do vizinho não é só mais verde. Ela é 3D, brilha no escuro e vem de diferentes formas, até com som, como nos videozinhos do Instagram, Snap e afins. Trair ficou mais fácil, na teoria. Antes, a traição era vista como algo mortal, barraco na certa, uma questão de honra. Hoje, os jovens até falam que é melhor trair antes do que ser traído – e fica por isso mesmo. Relacionamentos abertos nunca deixam de ser uma possibilidade sobre a mesa e o amor está mesmo fora de moda, depois de duas semanas de relacionamento pelo menos.

Mas não vamos culpar a internet. A rotina ainda mata mais relacionamentos. Afinal, se ver, falar e conversar quase que 24 horas levam a um relacionamento fadado ao desgaste mesmo quando à distância. Sem contar que a cobrança sobre atender ligações e dizer onde estava, para os ciumentos, reforça ainda mais essa característica destas pessoas. E ninguém assume que tem ciúmes, pois virou démodé, é uma fraqueza – quase uma psicopatia.

Estresse

Sim, é difícil de controlar a ansiedade, o medo de ser traído, e entender porque a pessoa tanto mexe naquele celular se você está ali na frente dela. São os outros curtindo e dando coração nas fotos, fazendo comentários. O amor tem que ser muito maduro e forte para sobreviver hoje em dia. E nem chega a este momento de amadurecimento muitas vezes. Em duas semanas já transaram, já sabem os podres um do outro, já leram o que a pessoa postou e viram as fotos dela desde que ela entrou online – sem falar nos nudes. Não tem mais mistério. A gente julga o outro pela imagem digital, por seu comportamento diante de uma discussão política, por exemplo, e esquece que ela é humana. Como se ao tempo todo a outra pessoa procurasse um defeito para nos largar – gerando uma insegurança constante e estressante. Haja auto estima.

O amor ficou artificial, muitas vezes serve apenas para suprir carências ou trazer comodidade de ter alguém por um tempo. Não se faz mais planos pro futuro, não se apresenta aos pais, não se assume compromisso – não tem mais aquele friozinho na barriga ao se rever. O sexo ficou performático, passível de notas e análises cruéis. Você pode ser um crush em um dia e ser bloqueado no outro.

Somos todos avatares de nós mesmos. E num misto de medo e sensatez preferimos encarar a vida amorosa como um jogo. As pessoas não se entregam mais ao outro, não arriscam – embora ainda transem sem camisinha. Por mais que um coração sobreviva a um amor partido, as pessoas preferem acreditar que é melhor evitar ir além do padrão. E tudo vira padrãozinho, sem surpresas – sem personalidade. Fora disso, você é um alienígena, um estranho que não percebe que está fazendo papel de tonto. Mandar flores, por exemplo, é atestado de ser um dinossauro. Mostrar muito interesse pelo outro, causa até medo nas pessoas.

É possível dar certo?

O amor e pessoas de boa índole (sinceras, honestas e sem interesses) ainda existem. Mas são tantas distrações e pirotecnias que, hoje, conhecer alguém profundamente é mais difícil. Mas o amor resiste sim aos tempos da internet, aplicativos de pegação e redes sociais. Ainda há quem acredite. Amar é trabalhoso. Só que poucas pessoas estão dispostas a se sacrificar e desistir da imagem que construíram, a mudar seus padrões e verdades. Mas não há nada mais romântico do que ainda acreditar, mesmo se for careta.

 

Allan Johan :O jornalista Allan Johan é fundador da Revista Lado A, militante LGBTI e primeiro Coordenador da Diversidade Sexual da Prefeitura Municipal de Curitiba entre março de 2017 até maio de 2020.