Nas minhas primeiras voltas em Londrina, em meados de 2005, no auge dos meus 17 anos, eu entendia realmente muito pouco sobre qualquer coisa. Exceto, talvez, sobre Dragn Ball Z, alguns outros desenhos, alguma coisa sobre como ingerir bebidas ridiculamente baratas sem morrer e sobre como matar o tempo e escapar do oceano de tédio de uma cidade conservadora de 35 mil tupiniquins. São habilidades consideravelmente boas, até. Mas não me davam panorama do que estaria por vir. Eu ainda não podia entender.
Não sei se foi na minha primeira ou segunda vez na Friends – a melhor boate gay que você respeita – que uma moça de uns olhões bonitos, negros como seus cabelos, me perguntou num sorriso:
– Você é entendida?
– Oi? – confusa com a pergunta ou com o volume da música, jamais saberemos.
– Você é entendida?
Assenti com a cabeça. Não entendi nem a pergunta, mas me achava muito entendida no geral, como todo adolescente. Recebi um beijo em troca, mas esse não é o auge da história.
Outras vezes, ali na boate, ouvi a mesma pergunta. O que diabos era, afinal, ser entendida? – a vergonha não me deixava perguntar para as moças bonitas da cidade grande que me questionavam.
Apelei pra solidariedade da queen Dandara Thompson, que do alto dos seus dois metros e dez, sorriu:
– Estão perguntando se você beija meninas, se é lésbica, sapata.
O mistério estava resolvido. Eu, de fato, beijava meninas. Mesmo assim, ficava terrivelmente desconfortável com os nomes que davam a meninas que beijavam meninas, como, provavelmente, também ficavam as outras. Tanto que o termo usado no vale era “entendida”. Entendia de que? Eu, não entendia nada, mesmo! Sintoma dos tempos.
Todos os meus afetos eram pecado. Meus amores eram clandestinos. Minha história era sumariamente condenada. Por que, se eu sofria exatamente como os outros? Chorava exatamente como os outros? Fazia dramalhão exatamente como todos os outros? Sintoma dos tempos.
E sintoma dolorido. Sintoma da palavra proibida. Tão proibida que a série se chama The L word. A palavra proibida. A palavra com l que a gente não falava em voz alta. Sapata e sapatão, então, nem pensar! Eu beijo menina. A Kt Perry também, viu só? Nada demais.
Um dia levei a Cleu para conhecer o vale encantado dos unicórnios que era a Friends em seus anos dourados. Em casa, ela me pergunta:
– Cá, o que é ser decidida?
– Oi?
– Uma moça lá na pista me perguntou se eu era decidida.
– Kkkkk e você disse o quê?
– Que não sabia.
– Eu acho que você é bem decidida.
– É, também acho.
– Mas ela, provavelmente disse “entendida”.
– E o que quer dizer?
– Mulher que beija mulher.
– Jura?
– Estranho, né?
Lá em Epicity a gente não tinha nem nome pra isso. Era só a nossa vida. Nossas aventuras escondidas. Tinham as ofensas. Mas não nome próprio, aqueles dedicados às coisas que existem. Quando me vi como mulher lésbica, entendi. Não era uma fase, ou erro, ou pecado. É quem eu sou.
Hoje em dia tudo tem nome, rótulo, dezenas deles. Até a gente que é do vale se confunde. Mas o fato é que estamos mais entendidas – e decididas – do que nunca. Lésbica, sapata, machorra, sapatão, scania, sandalion, sapatã. Nenhum nome ofende essa geração que, finalmente, entendeu o quão revolucionário é ser mulher e amar uma mulher.
Para essas e por essas, escrevo. Estamos entendidas?
Camila Mossi