Gilda, falecida em 1983, foi um ícone LGBTQIA+ que marcou Curitiba. Depois de quase quarenta anos de sua morte, uma placa em homenagem à Gilda foi recolocada na Boca Maldita, localizada na Rua XV de Novembro, no Centro de Curitiba, sob festa e apresentações culturais, e até bloco de Carnaval.
A homenagem aconteceu no último sábado, dia 2 de abril. Na ocasião, ocorreu uma performance artística com referências carnavalescas, bem como um cortejo que terminou com a instalação da placa de bronze. As apresentações artísticas foram comandadas por blocos carnavalescos e demais artistas, dentre eles os blocos “Saí do Armário e Me Dei Bem”, “Púrpura” e “Malinski-se”. O cortejo saiu da Praça Zacharias em direção à Boca Maldita por volta das 17 horas, colorindo as ruas do Centro da capital curitibana.
A autoria do movimento “Gilda, você deixou saudades” é de Guilherme Jaccon, artista que pesquisou a vida da travesti Gilda nos últimos anos. Jaccon procurou manter viva a memória de Gilda e seu importante legado para a comunidade LGBTQIA+. Em suas pesquisas, Guilherme Jaccon recorreu a publicações antigas e notícias sobre Gilda, através de registros da imprensa Curitibana da época que estampavam informações sobre a vida da travesti.
Esse processo de pesquisa de Guilherme Jaccon rendeu um prêmio. A homenagem à Gilda foi premiada no 67º Salão Paranaense de Arte Contemporânea, em dezembro de 2021. Esse evento é instituído pelo Governo do Paraná há mais de 70 anos e reúne diversas exposições e performances artísticas, sendo um importante prêmio para a cultura paranaense. As informações da pesquisa sobre a vida de Gilda, bem como sobre o processo para a colocação da placa em homenagem à travesti, é divulgado por Guilherme Jaccon no Instagram @arquivogilda.
Em 1983, quando da morte de Gilda, movimentos culturais de Curitiba se engajaram para colocar a placa ainda naquela época. No entanto, a intervenção urbana com a mesma frase, “Gilda, você deixou saudades”, foi barrada pela prefeitura e pela Associação da Boca Maldita. Hoje, quase 40 anos depois, a Prefeitura de Curitiba autorizou a instalação da placa, porém provisoriamente, até o final de junho. Enquanto isso, o movimento está tentando conseguir junto aos órgãos públicos a permanência da placa de bronze.
Gilda: morte e vida
“Uma moeda ou um beijo”, essa era uma das frases mais conhecidas que Gilda costumava dizer no calçadão de Curitiba, a rua XV. Próximo da Boca Maldita, a travesti abordava e brincava com pedestres e grupos artísticos, espalhando alegria na fria capital paranaense. Nascida em 7 de setembro de 1950, Gilda de Abreu, cujo nome de batismo era Rubens Aparecido Rinque, chegou em Curitiba no ano de 1973, aos 23 anos. A travesti carnavalesca, artista das ruas, circo e carnavais, participou de diversos movimentos artísticos, do seu jeito.
Gilda era destaque e, em vida, recebeu apelidos como “primeira gay de Curitiba”, hoje entendemos que ela teria o que chamamos de uma identidade fluída. Seu jeito irreverente transgredia o clima conservador da cidade, principalmente na Boca Maldita. Esse local é até hoje um reduto predominantemente masculino, frequentado por senhores da sociedade curitibana para discutir assuntos políticos e sociais. Na época, Gilda agitava os arredores com suas performances artísticas, na rua.
Ativa no meio carnavalesco da cidade, colecionou admiradores e defensores, por outro lado, atraiu a ira de conservadores da Boca Maldita que se tornaram seus inimigos. Em 1981, durante a apresentação de um bloco de carnaval, foi agredida pelo então presidente da Boca Maldita, Afrisio Siqueira, sendo presa posteriormente acusada de tumultuar o evento. Sob protestos, Gilda foi solta alguns dias depois. Em outras ocasiões foi enforcada e levou facadas que quase a levaram à morte. Sem alternativa, a travesti que alegrava as ruas com um batom no rosto, corria grande risco de morte. Realidade ainda de muitas.
Moradora de rua, Gilda foi encontrada morta em um casarão no Centro de Curitiba, no ano de 1983. Segundo o Instituto Médico Legal, que recolheu o corpo já em decomposição, a causa da morte de Gilda seria meningite purulenta.
A travesti foi enterrada no Cemitério Santa Cândida, numa cerimônia com mais de 300 pessoas, porém, sem nenhum familiar. Os parentes apenas enviaram os documentos necessários para a liberação do corpo, processo que foi cuidado por suas amigas travestis.
O legado de Gilda é lembrado até hoje pela comunidade LGBTQIA. Quando de sua morte, diversos movimentos prestaram homenagens na Boca Maldita, com flores e velas. Hoje, pesquisadores como Guilherme Jaccon e demais movimentos artísticos e culturais de Curitiba trabalham para que a memória e contribuição de Gilda para a comunidade LGBTQIA+ de Curitiba não se apaguem.