No calor de uma canção

No calor humano, em volta do trio elétrico, eles se encontram por olhares. Os corpos se enrijecem. Suam frio. Os dois têm um copo plástico de vodka na mão.
 
”No momento em que nos vimos pela primeira vez, ele percebeu e gostou de sentir meu coração pulsar pra fora do peito.Confessou-me isso tempos mais tarde. Gostou? Mas quem disse que era por ele… no fundo era mesmo e pulsava principalmente por aquele sorriso radiante. Eu tentei esconder, mas a situação me excitava demais. Aquele encontro de olhares foi perfeito! Acabamos ficando, toda aquela tarde, aos amassos discretos e, às vezes, ousados.”
 
Seus pensamentos continuam vagando por aquela tarde febril. Vislumbra os contornos corporais do dono daquele suor que o embriagou. Ao andar em shoppings, imagina se ele vai gostar da fragrância dos perfumes expostos em pedestais, ou se aquelas roupas o deixarão mais sensual. Já o imagina despindo cada uma daquelas peças e exalando, ao contato com seu corpo, todas aquelas fragrâncias.
 
”Estava andando desatento pelo shopping e por entre vitrines percebi um olhar conhecido. Ele comprava um frasco de perfume. Em outra tarde ensolarada, o encontrei na piscina do clube, exposto ao sol. Nossos encontros se multiplicavam e eu temia o esgotamento da nossa, até então, curta relação. Sentei-me ao seu lado, na beira da piscina, descansei os pés na água morna. Seus olhos me fitaram. Estava surpreso. Puxou algum assunto, sussurrou amenidades. Sorrimos mutuamente, espontaneamente com prazer. Minha cabeça vagava com minha alma pelos primeiros encontros, o suor, os perfumes e os beijos, insanos, desmedidos ou discretos. Sempre os beijos. Estava tão próximo de seu corpo, eu podia sentir seu cheiro, ouvir sua respiração. Foi então que num ímpeto, ele examinou ao redor e percebendo pouca movimentação, aproximou-se dos meus lábios e despediu-se com um beijo curto.”


A cada toque de seu telefone, ele ouve a voz rouca que o embriaga, sente uma pulsação forte por todo o corpo. É como se o conhecesse há muito tempo, mas só se encontraram algumas poucas vezes.


”Despertei de meu sonho acordado, com o vibrar do telefone e a mensagem dele a chegar, dizendo sentir minha falta. O telefone escapou e no chão vi seus pedaços. Remontei o aparelho e continuei a examinar todas as mensagens recebidas naqueles dias. Respondi seus anseios e nos vimos naquela mesma tarde ensolarada, incomum na chuvosa Curitiba de fevereiro. Cheguei primeiro e vi os olhos dele a me procurar na multidão”.


Ele profere juras de amor, mas não há compreensão. O outro entende a veracidade e a audácia das palavras. A alegria de olhar o vento e beijar-se sem compromissos toma a alma de ambos, sem mais juras de amor. Eles fumam, se beijam e se amam em silêncio. Apenas os sorrisos quebram a tranqüilidade desse momento insano. Chegam em pensamento a um consenso de que apenas estão começando a sentir os primeiros sinais de uma paixão, o frio no fundo da barriga é a primeira amostra. Cada um lembra, a seu modo, o primeiro dia que seus olhos se encontraram, dias de férias e muitos prazeres nas loucuras da praia, eles ainda podiam sentir o gosto do suor alheio nos lábios. Ele lembra da primeira frase que ouviu do outro… “Chamo-me Lucas”. Ele se despede de Lucas e, bem vestido, passa suave pela porta.


Passos apressados marcam seu compasso pela correria do calçadão. A última imagem capitada por seus olhos desatentos continua em sua mente. Deixou-o deitado e preguiçoso sobre a cama. Anda desatento, pisando em algodão. O sorriso escapa fácil de seus lábios. Ele está sozinho pelas ruas.


“Lucas dizia pensar o tempo todo em mim. Mas afirmava ter certeza de que eu não correspondia aos seus sentimentos. Ele imaginava que eu o amaria com o tempo. Pretensões daquele homem que, sim, eu já estava aprendendo a amar. Eu tinha reservas, mas se tratava de medo, anseio ou talvez apenas capricho pueril. A vida dele era muito atribulada e todo seu tempo era previamente distribuído: uma agenda o guiava. Mas nunca faltava tempo para nossos encontros ao fim da tarde. Ainda conseguia tempo pra concluir um doutorado. Eu, por horas, elaborava frases lindas para dizer ou mesmo discursos de amor para conquistá-lo ainda mais. Quando estávamos juntos, tudo que o pouco tempo me permitia era aproveitar cada segundo ao seu lado, sem palavras mas com ações. Ele me adorava na hora das ações, mantinha sempre aquele ar de expectativa pelo próximo encontro, dizia que eu ganhava em todos os sentidos, principalmente na transa. Dizia se perder e esquecer do mundo, ao meu lado.”


Lucas o beija intensamente. Seus corpos se entrelaçam e se penetram. Ele se arruma e com a lembrança de cada gesto carinhoso, vai para casa.
 
”Preparei meu apartamento. Sempre revezávamos entre o meu e o dele. Preenchi os cantos vazios da casa com velas, como se nossa entrega fosse um ritual. A paixão sempre foi um ritual para mim, entre o desconhecido beijo furtivo de um primeiro encontro e o amor definitivo que pode durar um segundo. Coloquei mais velas ainda nos ambientes onde nos entregaríamos um ao outro. Queria multiplicar-me, transformar-me em muitos “eus” para senti-lo em todos os ângulos possíveis ao mesmo tempo”.
 
Ele começa a ouvir os primeiros fogos, ainda falta muito para a meia noite, mas o ardor de um novo ano apresenta-se na ansiedade humana. Anda até a sacada e observando o sol ensaiando sua retirada, em mais uma tarde febril de verão intenso na praia, relembra o último ano que passaram juntos. Faz cálculos mentais: quase onze meses. Mas o gosto do suor continua em seus lábios. Ele ainda lembra da primeira frase que sussurrou no ouvido de Lucas.


”Eu estava paralisado ao seu lado naquele primeiro encontro de desconhecidos, havido soltado um oi e uns poucos suspiros. Lucas insistia em saber mais de mim, queria um nome. Eu permanecia calado, adorando observar sua ansiedade. Depois de muita insistência, aproximei minha boca de sua orelha e acalmei seu ânimo com poucas palavras: Serei seu amor mais selvagem…”.

Redação Lado A :A Revista Lado A é a mais antiga revista impressa voltada ao público LGBT do Brasil, foi fundada em Curitiba, em 2005, pelo jornalista Allan Johan e venceu diversos prêmios. Curta nossa página no Facebook: http://www.fb.com/revistaladoa