Eu estava lá e quase apanhei. Meu nome é Andy, sou gay, tenho 37 anos e retornei ao Brasil há um mês, depois de morar 12 anos nos Estados Unidos. Estou tramautizado e perplexo pelo que me aconteceu na madrugada desta terça-feira de Carnaval, mais ou menos às 2h da manhã.
Logo após o fim do bloco de Carnaval de rua na Praia da Barra da Lagoa, em Florianópolis, eu estava conversando com um amigo bem em frente ao posto salva-vidas, ponto da praia em que o público gay se reúne na região da Barra da Lagoa. Atrás de onde estávamos, ao menos outros 50 homens também homossexuais conversavam e namoravam. De repente, ouvimos um barulho de uma pedra grande atirada contra o posto salva-vidas, onde estavam sentados dois rapazes. Quando olhei para a minha frente, vi um grupo de uns 10 a 12 segurando na mão pedaços de pau e com a camisa amarrada na cabeça até o nariz, para esconder o rosto.
Demorei cinco segundos para perceber que eles estavam ali com a intenção de nos espancar e meu amigo me puxou pela mão para corrermos em direção a uma trilha pelas dunas, atrás de onde estávamos. Então um deles gritou: “Se correr vai ser pior” e começaram a correr na nossa direção. Entrei em desespero, tropecei e perdi uma das lentes de contato. Meu amigo me ajudou a levantar e ficamos sem saber pra onde correr,então começamos a subir uma pequena duna de areia e eu tropecei de novo. Meu amigo me ajudou mais uma vez a me levantar. O pânico não me deixou raciocinar direito e eu estava sem uma lente de contato.
Corremos, descendo o outro lado da duna onde a vegetação era tão densa que não era possível passar. A única saída foi nos enfiar no mato e tentar nos esconder. Conseguimos nos abaixar no meio dos cactos, mato e areia e tentamos ficar imóveis inclusive tentando esconder o barulho da respiração. Vi toda a minha vida passar pela minha cabeça em segundos e senti meu coração quase explodindo no peito e pulsando na minha garganta. O sentimento de poder ser linchado a qualquer momento é inexplicável. Comecei a orar e a pedir a Deus que não deixassem eles nos achar ali. Como estávamos na descida atrás da duna e cobertos de cactos e arbustos não conseguimos ver mais nada. Só escutamos os gritos aterrorizantes dos agressores e os de desespero de quem estava fugindo. Ouvimos gente apanhando. Ficamos imóveis por pelo menos meia hora, quase impossível na posição em que eu estava, agachado de costas num declive e me segurando nos galhos dos arbustos para não escorregar mais para o fundo. Esperamos até não ouvirmos mais gritos ou vozes ali perto.
Ainda bem estava com meu celular e passei mensagem para meus amigos que provavelmente estavam na pousada ali na região. Pedi para eles chamarem a polícia e eles foram correndo até posto policial da Barra da Lagoa. Só tinha três policiais disponíveis, nenhuma viatura existia na região e eles foram à pé até o local do ataque. Pedi aos meus amigos que fizessem algum sinal ou para os policiais usassem algum tipo de sirene para espantar os agressores. Esperamos até que eles chegassem perto de onde nós estávamos para que pudéssemos sair dali com segurança. Finalmente, ouvi chamarem o meu nome e conseguimos sair depois de quase uma hora escondidos. Os policiais nos informaram que vários tinham sido espancados e que um rapaz teve até a cabeça “rachada”. Disseram também que já tinha ocorrido um ataque parecido na noite anterior.
A população gay é provavelmente quem mais gasta dinheiro em Florianópolis no Carnaval todos os anos. Se vamos sofrer esse tipo de violência é melhor tentarmos encontrar outro lugar no Brasil em que vamos ser recebidos com segurança e respeito ou, no mínimo, como turistas que vamos ali deixar nosso dinheiro. Não dá para acreditar que uma área de Florianópolis que recebe blocos de Carnaval de rua todos os anos, atraindo milhares de pessoas homo e heterossexuais, não possua sequer uma viatura policial. Deus nos ajude.