Extra! Extra! O gigante brasileiro morreu

Há décadas diziam que ele estava adormecido. Alguns especialistas suspeitavam que estava em coma profundo. A esperança geral era de que o ser (qual origem era inexplicada mas que repousava na Baía de Guanabara) um dia acordaria e se tornaria o orgulho desta nação. Mas a dura realidade foi minando sua vida. A corrupção dos políticos, a falta de seriedade dos eleitos e eleitores, a degradação do serviço público, a falta de confiança no Estado, nas instituições, no vizinho, no funcionário, no patrão… O silêncio dos bons… Tudo isso levou um pouco do sonho de um país rico e cheio de oportunidades e de futuro promissor.

Há tempos o gigante estava lá, viu a corte real chegar e ir embora, a República se instalar, entre idas e vindas, antes e depois de décadas de controle militar e ditadores. E depois, a reredemocratização que trouxe novamente a liberdade para se pensar de forma ilimitada e de dizer com cuidado o que quiser, de ser quem quiser, desde que você fosse bem nascido ou tivesse como bancar e arcar com as consequencias e perseguições que poderiam vir, como em outrora. Mas em nenhum dos tempos o gigante acordou, ao contrário, conseguiu acumular dívidas dormindo, como todos os outros brasileiros.
 
E enquanto o bom gigante agonizava, o gigante mau crescia cada vez mais. E todos nós, pequenos Davis, lutamos contra ele todos os dias. Altos impostos, falta de perspectivas, mensalão, licitações fraudulentas, violência, injustiças, mortes, rombos, escândalos e descaso com o cidadão. Que cidadão? Aquele que vota, bem como se alista nas Forças Armadas para servir a pátria pelo seu amor, mas na base da opressão, da obrigatoriedade. E a mão é sempre mais pesada sobre aquele que nada tem. Pois quem possui padrinho ou sobrenome arruma uma vaguinha ali perto da teta da vaca, a vaca gigante, claro, para poder acomodar toda a corja de carrapatos sanguessugas. E esse é o lugar que todos querem estar, mamando nas tetas da vaca sagrada, custe o que custar. Vergonha.
 
E o tal cidadão trabalhador, de boa índole, se vê acuado, com a sensação de que até o fim do dia, se ele não tomar cuidado, poderá ser furtado, enganado, roubado, xingado, agredido, atropelado, violentado ou mesmo morto, uma bala achada talvez, em seu caminho para casa. E se não acontecer hoje, ufa, ele poderá acordar no dia seguinte com a sensação de que aquele poderá ser o dia em que se dará mal e não poderá recorrer a justiça ou polícia, salvo se tiver conhecidos por lá. Talvez ele esteja ameaçado de extinção e nem saiba. Já aconteceu e acontece todos os dias, mas os jornais cansaram de mostrar. As pessoas já cansaram de ler, de se indignar. Não se mostra mais nada disso pois tudo de ruim virou banal. O valor da vida também não existe mais – com exceção da sua própria, claro. Mas talvez ele ganhe na Mega Sena e tudo mude, ele acredita e joga, mesmo desconfiando que seja mais um esquema fraudulento. Tolo.
 
E o gigante mau, em um ato de benevolência, enterrou o gigante bom e foi para o Oeste criar gado, em uma fazenda do tamanho do Brasil. Não se sabe quando o gigante bom morreu, se ele esperou por atendimento em uma fila de um hospital superlotado ou se foi ignorado em seus pedidos de socorro até o último suspiro. E ele não deixou aposentadorias milionárias ou herança.
 
E no fim do dia, você ainda se pergunta: por que sou um cara honesto, bom com as outras pessoas, que insiste em fazer as coisas do modo certo, enquanto sou rodeado de maus exemplos e as pessoas erradas se dando bem e eu me ferrando? Sabe se apenas que o gigante morreu calado, dormindo, abandonado mas expressando um leve sorriso. Se ele estava feliz é porque não era tão ruim assim, concluiu um sábio legista.
 
Talvez seja a hora de nós, brasileiros de bem, tentarmos fazer algo. Não podemos repousar eternamente no berço esplêndido enquanto ele é consumido pelas traças e cupins. Onde está o brado retumbante de nosso povo? Quando veremos os raios fulgidos e o tal Sol da Liberdade?  Precisamos de mais amor a essa pátria, de começarmos a retomar a Educação, para quem sabe daqui a 10, 20 anos termos uma população inteligente e sensata, unida, que não tolera o que é errado ou acredita em gigantes adormecidos, heróis em cavalos brancos, magos com cajados ou livros sagrados, seres milagrosos que acabarão com toda a angústia em 3 minutos, o tempo que você levou para ler este texto. Não deixe esse sentimento de indignação e mudança sumir de você, ele é o primeiro passo, mas é preciso gerar a mudança, faça a sua parte, todos os dias. Mas esqueça o gigante, ele morreu há muito tempo. Só podemos contar com nós mesmos e, juntos, somos mais fortes do que qualquer gigante.
 

Abaixo, o belo comercial da Johnny Walker explorando o mito do Gigante “Adormecido” Brasileiro:

 

 
 
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