Autor revela que personagem Felix seria uma mulher na sinopse original de Amor à Vida

O personagem Félix, sucesso de Amor à Vida, poderia ser uma vilã mulher, afirmou o escritor Walcyr Carrasco esta semana em seu Facebook. As atrizes Flávia Alessandra e Cláudia Raia eram as cotadas para viver a vilã que acabou virando um homem gay, afirmou o autor este Domingo.

“Fiquei pensando: que atriz seria essa vilã, capaz de jogar um bebê numa caçamba? Então, me deu um clique. Por que não um gay cruel? Eu mesmo me assustei com a ideia”,  revelou. “Quando se escreve uma novela, que atinge milhões de pessoas, a pressão é inacreditável. Grupos exigem que se apresente um mundo perfeito. Se há um personagem negro, tem de ser bonzinho – ou sou acusado de racismo. Se é gay, também tem de ser do bem”, desabafou Carrasco.

 
“Não admito o ‘politicamente correto’. Pessoas são pessoas. Arrisquei. Criei o vilão gay, que vive num armário. Mas num armário ruído por cupins. Ele desmunheca, fala maldades, é invejoso. Houve quem dissesse que jamais seria aceito pelo público. Que os movimentos gays me apedrejariam. Apostei.”, comemorou o escritor que colhe o sucesso do personagem popular que ganhou vida com o ator Mateus Solano.
Confira o post de Carrasco no Facebook:
 
“Meu filho Félix
 
Quando criei o Félix, de Amor à vida, foi uma surpresa para mim mesmo. Minha ideia inicial era fazer uma vilã tradicional. Já havia falado com a atriz Flávia Alessandra, uma malvada excepcional em Alma gêmea. Mas ela estava na novela da Glória Perez. Convidei Claudia Raia, que chegou a aceitar. Mas, depois, ela também foi para a novela da Glória. Fiquei pensando: que atriz seria essa vilã, capaz de jogar um bebê numa caçamba? Então, me deu um clique. Por que não um gay cruel? Eu mesmo me assustei com a ideia. O policiamento do “politicamente correto” é enorme para um autor. Quando se escreve uma novela, que atinge milhões de pessoas, a pressão é inacreditável. Grupos exigem que se apresente um mundo perfeito. Se há um personagem negro, tem de ser bonzinho – ou sou acusado de racismo. Se é gay, também tem de ser do bem. Não admito o “politicamente correto”. Pessoas são pessoas. Arrisquei. Criei o vilão gay, que vive num armário. Mas num armário ruído por cupins. Ele desmunheca, fala maldades, é invejoso. Houve quem dissesse que jamais seria aceito pelo público. Que os movimentos gays me apedrejariam. Apostei.
 
Recentemente, declarei que sou bissexual. Fui apedrejado por homossexuais, segundo os quais deveria ter me declarado gay. Respondi: tive relacionamentos com várias mulheres na minha vida, a quem amei. Seria um desrespeito a elas dizer que tudo foi uma mentira. Simplesmente, porque não foi. Bastou isso para os jornalistas perguntarem se a experiência bissexual foi a base da criação de Félix. Respondi, sempre:
 
– Então, para escrever um livro policial, é preciso cometer um assassinato?
 
Já conheci muitas “bichas más”, como Félix. Fazem piadas. É um contínuo bullying com quem está perto e é mais frágil. Mexem com quem engordou, está malvestido, tem muito dourado na casa ou é pobre e “brega”. O meio gay é o mais homofóbico que existe. As mais “pobrinhas” são chamadas de “bichas pão com ovo”. As que praticam muita musculação, “barbies”. O ataque entre si é muitas vezes mais cruel que o da sociedade.
 
Félix é uma pessoa tortuosa, reprimida desde a infância. O personagem já contou que sofria bullying na escola – e quantos meninos mais frágeis não sofrem? Elegeu o dinheiro e o poder na melhor alternativa para suprir o amor. É o fruto de um pai repressor e de uma família que finge não perceber quem ele é. Bem… e o resto do mundo? Aparências enganam. Já conheci casais em que o marido parece gay. Um deles tinha sete filhos. E também homens sem o mínimo de afetação, assumidamente gays. Aparências enganam. Como Félix, porém, existem muitos homens casados que escondem sua condição sexual da família.
 
Sempre reclamo que hoje se explica tudo pela psicologia. Não basta dizer que Félix é fruto de um mundo repressivo. Outros também são e não atiram bebês em caçambas. Gosto de ler San Juan de La Cruz, poeta místico espanhol do século XVI. Ele fala dos territórios escuros da alma. Costumo dizer que, ao longo da vida, a gente se conhece muito pouco. É como se a alma fosse um território geográfico, onde caminhamos com uma vela na mão. Alguns buscam seus caminhos mais luminosos. Outros enveredam pelas partes escuras, encontram seus próprios demônios interiores. Félix cai em seus próprios precipícios, movido pela inveja da irmã, mais amada pelo pai, e pelo sentimento de rejeição. E também pelo desejo de poder.
 
Houve um tempo em que não acreditava na maldade humana. Mas vivo num mundo onde pessoas são queimadas vivas em assaltos, aprendi que a crueldade existe. Félix é sim capaz da maldade extrema. Mas paradoxalmente faz rir. É amado pelo público, que reconhece nele a dor de uma sociedade. Admiro a interpretação de Mateus Solano, com seu sarcasmo.
 
Félix não é uma bandeira a favor ou contra os gays. Por fugir do estereótipo do bonzinho, talvez fale de liberdade mais que qualquer personagem planejado para dar uma boa imagem. Alguém que não é aceito, que se sente diferente desde criança, nem sempre se torna uma vítima. Mas pode se transformar em algoz. Cada ser humano tem o direito de escolher sua vida, desde que não prejudique o próximo. Não há uma regra para definir quem é melhor ou pior, como exigem tantos grupos religiosos. Embora eu sempre insista: a mensagem cristã máxima é de aceitação.
 
Todo Félix tem uma saída: ser amado.
 
Félix é meu filho. Como todo pai, torço por ele. Até os próximos capítulos!”
 
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