Conheça os novos gêneros do Facebook

Recentementem o Facebook lançou a funcionalidade de “Gênero Personalizado”, apenas para usuários do site da língua inglesa, com o intuito de incluir principalmente a comunidade trans*, nao-binários e outros, incluindo 56 opções de gênero além das padrões “Homem” e “Mulher”. Isso me pôs a pensar a possibilidade de isto ser disponibilizado à língua portuguesa, porém as chances são mínimas de isto acontecer em um futuro próximo.
 
A minha motivação para tal afirmação? Português é uma língua misógina e sexista. Não existe neutralidade de gênero em nossa língua, e isto acontece também em diversas outras línguas, como espanhol e italiano. Em uma língua à qual a maioria dos adjetivos, artigos e substantivos estão intrinsecamente ligados a um gênero em específico, é difícil de se expressar com um gênero neutro. O gênero “neutro” do português, é de fato o gênero masculino. Quando a nossa própria língua é machista, não é de se espantar ao verificar que o Brasil ficou em 62° lugar em um total de 136 países analisados quanto ao machismo e tratamento desigual de gêneros, de acordo com pesquisa realizada pelo Fórum Econômico Mundial em 2013. Estamos no meio, mas ainda há muito a evoluir.
 
Mas qual a inportância de termos uma forma neutra de nos referirmos à pessoas? Além dos 56 gêneros incluídos pelo Facebook, o usuário também pode escolher o pronome preferido para o site se referir a esta pessoa, sendo masculino, feminino ou neutro. Quando uma pessoa trans* começa o seu processo de transição para um gênero diferente, não se sentem mais confortáveis utilizando o pronome do seu sexo biológico, e algumas destas ainda não se sentem confortáveis utilizando o novo pronome adequado ao novo gênero que estão adaptando, por isto há o pronome neutro. Pessoas não-binárias, fluídas ou com qualquer identificação de gênero fora do padrão também se beneficiam desta opção de utilizar gênero neutro.
 
Ano passado a Suécia, um dos países mais progressistas em questão de igualdade e desgenerização da sociedade, adotou uma solução, a língua sueca agora tem oficialmente o pronome neutro “hen”, ma alternativa a “han” (ele) e “hon” (ela). Os autores queriam uma palavra que pudesse descrever uma pessoa hipotética de forma mais precisa do que “ele” ou “ela”. A palavra também é útil para se referir a alguém que não se identifica com os papéis tradicionais de gênero. Quando mencionamos uma pessoa, é fácil evitar mencionar sua idade, raça, credo e sexualidade, mas as próprias convenções da língua induzem aos rótulos de “ele” ou “ela” durante a conversa.
 
Quando nos referimos a um grupo de um milhão de mulheres, digamos que todas sejam professoras, diríamos “as professoras”. Se incluirmos um homem neste grupo, temos de falar “os professores”; apesar da proporção ser de 1 para 1.000.000, a inclusão de um único homem neste grupo, define o grupo como masculino. O uso da língua desta forma diz muito sobre a falta de igualdade que temos na sociedade e o machismo intrínseco e enraizado, a forma mais extrema, infelizmente muitíssimo comum, desse patriarcalismo linguístico é a utilização de “o homem” como sinônimo de “o ser humano” ou de “o indivíduo” – estes dois termos indistintos de gênero – e, em inúmeras obras literárias de todas as épocas, “os homens” como sendo o mesmo que “as pessoas”.
 
No português isto é mais difícil de executar, pois numa língua à qual definimos com gêneros coisas que não o tem, como animais e objetos, isto necessitaria de uma grande mudança na formaa qual a língua é estruturada. Diversas opções informais de se remover o gênero do uso comum da linguagem existem, como substituir o “o” e “a”, que ao final de palavras geralmente definem o gênero, por símbolos como o “@” (arroba), “Ⓐ” (a anarquista), “æ” que teria o som de “é” aberto, e o mais utilizado na internet “x”, com som mudo. Estas substituições são propostas pelo projeto Portugês com Inclusão de Gênero”, mas o problema é que isto apenas cria uma forma de se unir o “o” e “a” em um fonema só, em vez de se criar uma nova forma realmente neutra de se referir aos gêneros ou a falta de. Além de que a Academia Brasileira de Letras condena o uso da língua desta forma, mas eles deveriam estudar possibilidades de implementação do “hen” português.
 
Porém alterar a estrutura de uma língua é algo difícil, e apenas implementar um símbolo é insuficiente, como afirma Beatriz Preciado em Manifiesto contra-sexual: prácticas de subversivas de identidad sexual (2002): “Não se trata de substituir alguns termos por outros. Não se trata tampouco de desfazer das marcas de gênero ou das referencias a heteronormatividade, mas sim de modificar as posições de enunciação”. Enquanto isto não acontece, existem diversas formas de usarmos a linguagem de forma neutra além de substituirmos letras. Para desgenerificar, podemos utilizar mais termos neutros como “pessoa” (Ele saiu >  A pessoa saiu); suprimir artigos e pronomes desnecessários (Eu saí com o Ariel > Eu saí com Ariel); utilizar alternativas neutras com “de” ao invés de “do/da” e “lhe” ao invés de “o/a” (Se eu quisesse sair com a Ariel, teria dito a ela > Se eu quisesse sair com Ariel, teria lhe dito); utilizar voz passiva e gerúndio. (Os paulistanos têm um bom nível de vida > O nível de vida em São Paulo é bom); mudar a estrutura dos verbos na frase (Você está cansada? > Você se cansou? ).
 
Quer saber mais sobre o assunto? Leia o Manual Para Uso Não Sexista da Linguagem, do Site Não-Binário. 
 


Entenda os “Gêneros Personalizados” implementados pelo Facebook, de forma simplificada

 

  • Agênero/Neutro — Estes termos são utilizados por pessoas que não se identificam com nenhum gênero – elxs tendem a sentir que não tem gênero algum ou um gênero neutro. Algumas usam cirurgia e/ou hormônios para fazer os seus corpos conformarem com esta neutralidade.

  • Andrógino/Androgyne — Andróginxs têm características de ambos os gêneros masculino e feminino e se identificam como um terceiro gênero. Este termo também é utilizado para identificar pessoas que não aparentam ou seja difícil identificar o sexo pela aparência física.

  • Bigênero — Alguém que seja bigênero se identifica como masculino ou feminino em tempos diferentes. Enquanto um andrógino tem um único gênero misturando masculino e feminino, um bigênero alterna entre os dois.

  • Cis/Cisgênero — Cisgênero é basicamente o oposto de transexual (Cis- sendo o latim para “deste lado” versus trans- ”do outro lado”). Pessoas que se identificam como cisgênero são pessoas cujas qual o gênero está de acordo com o adequado pela sociedade ao seu sexo biológico. Isto é o mesmo que selecionar “Homem” ou “Mulher” no gênero padrão do Facebook.

  • Feminino para Masculino/FTM — Alguém que está transicionando de feminino para masculino, seja fisicamente (transexual) ou em termos de identidade de gênero.

  • Fluido — Como bigêneros, as pessoas de gênero fluido se sentem livres para expressar características masculinas e femininas em tempos diferentes.

  • Não-conforme/Variante — Esta é uma ampla categoria para pessoas que não agem ou comportam-se de acordo com a expectativa social para o seu sexo. Iso inclui cross-dressers e menina-moleque/marias-joão e também transsexuais.

  • Questionando — Esta categoria é para pessoas que ainda estão tentando descobrir onde elxs se encaixam no espectro de sexo e gênero.

  • Genderqueer — Este e um termo “guarda-chuva”, emcompassando todas as identidades de gênero inconformistas. Muitas das outras categorias nesta lista se encaixam na definição de queer.

  • Intersexo — Refere uma pessoa que nasceu com anatomia sexual, órgãos ou cromossomos que não sejam inteiramente masculinos ou femininos. Intersexo substituiu o termo “hermafrodita” para humanos.

  • Masculino para Feminino/MTF — Alguém que está transicionando de masculino para feminino, seja fisicamente (transexual) ou em termos de identidade de gênero.

  • Nenhum (Nem um, nem outro) — Entenda assim: “Eu não sinto que eu seja completamente masculino ou feminino”.

  • Não-binário — Pessoas que se identificam como não-binárias desconsideram a idéia de uma dicotomia de apenas masculino e feminino, ou até um contínuo masculino-feminino com angroginia no meio. Para eles, gênero é um conceito complexo que é melhor exemplificada em um gráfico tridimensional ou uma rede multidimensional.

  • Outro — Como “nenhum,” isto é bem auto-explicativo. Pode cobrir tudo desde “Eu prefiro não especificar como eu não me adequo à dicotomia de gênero” para “Meu gênero não é da sua conta, Facebook!”.

  • Pangênero — Similar a androginia, em que a pessoa se identifica como um terceiro gênero com alguma combinação de aspectos ambos masculinos e femininos, mas é um pouco mais fluido. Pode ser usado também como um termo inclusivo para significar “todos os gêneros”.

  • Trans/Transgênero — É uma ampla categoria que emcompassa pessoas que sentem que o seu gênero é diferente do sexo que elas nasceram – disforia de gênero. Eles podem ou não escolher fazer a transição física do seu sexo de nascimento para o seu gênero experimentado.

  • Transexual — Transexual refere a pessoas trangêneras que identificam exteriormente como o seu gênero em vez do seu sexo de nascimento. Muitxs, mas não todxs, transexuais estão em processo de transição (ou já completaram) de MTF ou FTM através de terapia hormonal e/ou cirurgia de mudança de sexo;

  • Dois-espíritos — Este termo refere a índios nativo americanos de uma variante de gênero. Em mais de 150 tribos Nativo Americanas, pessoas com “dois espíritos” – um termo cunhado nos anos 90 para substituir o termo “berdache” –  eram parte de uma categoria de homens e mulheres de gênero ambíguo amplamente aceitos e geralmente respeitados.

Redação Lado A :A Revista Lado A é a mais antiga revista impressa voltada ao público LGBT do Brasil, foi fundada em Curitiba, em 2005, pelo jornalista Allan Johan e venceu diversos prêmios. Curta nossa página no Facebook: http://www.fb.com/revistaladoa