Quando o mundo virou alternativo e o orgulho gay foi perdido?

Há 15 anos, quando fazíamos IRContros (salas de chat de um programa primitivo em tempos de internet lenta), havia uma piada interna no canal #GaySC: “Pai, eu não sou gay, eu sou alternativo”, dito por um dos membros ao sair do armário em casa. De repente, passou a moda clubber, as drags, as paradas, podemos casar, a homofobia é discutida todos os dias, e cá estamos, em um mundo alternativo, de um lado com a ameaça evangélica e do outro o mundo goy. O que aconteceu?

Por falta de outro termo, a comunidade ainda se chama de gay, mas não tem mais bandeira do arco-íris, não tem mistura, é um nicho criticando o outro, e na via das dúvidas reina o hipster, o alternativo, o carinha que incorpora as qualidades do gay da novela, quanto menos afeminado melhor. Arrumadinho, que não gosta de rótulos, tem ar blasée importado, como suas roupas, selfies e modinhas. A parada gay virou “a cara do inferno” para eles, com travestis peladas, drags coloridas, barbies estranhas, classe C e outros personagens. Os alternativos viraram a cara para os outros segmentos e levaram as barbies bonitas, as drags fashion, as travestis poderosas, as webcelebridades e optaram pelo que julgam mais “respeitável”. A trilha sonora mudou mas volta e meia se apropriam do Pop e do House. Claramente se separaram da comunidade e o nicho é forte.
 

E lá do cemitério o Clodovil pergunta: “Orgulho do quê?”. Afinal, depois da Aids ser gay como nos anos 80 e 90 carregava um estereótipo pesado. Quando tudo parecia melhorar, com casamento gay, homofobia sendo condenada publicamente, pais e mães aceitando melhor os filhos gays, qual o objetivo de levantar bandeira? Basicamente, militar por direitos virou démodé.

Do lado de fora da comunidade, além do discurso partilhado por muitos gays de que beijar em público é uma afronta, entre outras coisas, foi ganhando espaço a idéia de que é melhor não chamar a atenção. O mercado apoia. Vai ver o incentivo que uma casa gay ganha das empresas de bebidas ou patrocinadores e o que recebem as casas alternativas, incomparável. Ninguém quer aliar marca com gays coloridos. Já o gay discreto, aquele que não chama a atenção, é incentivado por pais, igrejas, patrões, por todos. Por fim, em troca de uma aceitação pacífica, negociaram.  O casamento gay não está na lei, mas acontece, está bom assim. Lei contra a homofobia, não precisa, está bom assim, até que a vítima seja algum conhecido. Então se partilha no Facebook a indignação geral e pronto.

E não pense que os alternativos são anjos, eles fazem tudo que os gays de ontem faziam, só que são mais discretos. Muitos são os mesmos, só mudaram de endereço e figurino. O cabelereiro, que era o modelo rejeitado do gay anos 80 – 90, virou hipster. Claro, a profissão evoluiu e eles alcançaram outro nível e status social, e um novo visual.

Os estereótipos do gay promíscuo, barraqueiro, afeminado, não merecedor de confiança, venceram. Venceram a tal ponto de parte da comunidade rejeitar o meio e as pessoas assim. Criou-se os goys, gays que não querem ser confundidos com os gays… mas que gostam da mesma coisa. Alías, esta é a única unidade que temos entre as tribos. Amar o mesmo sexo. Pois é mais fácil amar o mesmo sexo do que amar um semelhante. Opa, semelhante não, já deixaram claro que não se consideram semelhantes e preferem ser algo alternativo e novo.

Essa “evolução” aconteceu em muitos países. Os gays não viram mais necessidade de guetos e militância, as paradas esvaziaram, a militância virou algo feito na internet. Vieram leis, aceitação parcial e muitos se confortaram. Não há o que temer com o avanço alternativo, mas é preciso esclarecer que definitivamente a comunidade está perdendo o orgulho que moveu tantas paredes até o momento e está se construindo uma grande muralha em cima do próprio passado. 

Será o fim da identidade gay como conhecemos? Pode ser. Uma pena, pois tanto foi lutado para as pessoas saírem dos armários e, quando saíram, rejeitaram seus mártires e aqueles que deram a cara a tapa para que todos pudessem hoje ter mais liberdade. Gostaria de ver todas as casas gays e friendlys com bandeiras do arco-íris no próximo mês de junho, reverenciando nossa história, a revolta de Stonewall Inn. Onde drags, travestis, ursos e gays afeminados resistiram por três dias e três noites contra a polícia que queria invadir o local, em 1969. Tenha orgulho sim pois a nossa história gay é linda e se hoje podemos ter um pouco de liberdade, é porque teve gente que morreu por isso.  
 
Redação Lado A :A Revista Lado A é a mais antiga revista impressa voltada ao público LGBT do Brasil, foi fundada em Curitiba, em 2005, pelo jornalista Allan Johan e venceu diversos prêmios. Curta nossa página no Facebook: http://www.fb.com/revistaladoa