Um Carnaval para não esquecer

Não foi surpresa, nem novidade. 
Fernando riu alto.
Chegava a ser um esculacho.
Era a mesma coisa, toda vez que chegava o Carnaval.
Aquela seria a última vez. De verdade.
 
Perdoar sequer chegava a ser uma possibilidade.
Olhou para o espelho com a superioridade que os seus 1,80m absolutamente sarados conferiam, e jurou:
– Esse ano ele me paga!
 
Vestiu a fantasia cuidadosamente preparada:
sunga branca quase transparente, quepe da marinha e mais nada.
O corpo perfeito lhe bastava.
Idem a data.
Sábado de Carnaval.
Lançou-se no meio da Banda de Ipanema com a maior das empolgações.
companhando a marchinha entre as diversas bocas que beijava:
” Se a canoa não virar
Ole Ole Ola
Eu chego lá
Rema rema rema remador
Vou botar no cu do trocador
E se o trocador for vigarista
Vou botar no cu do motorista…”
Deliciosamente prensado entre os corpos suados. 
Bagagens desconhecidas passando rígidas na parte de trás das coxas e nas nádegas.
As mãos vez ou outra testando a firmeza, conferindo a qualidade de uma ou outra mala.
O suor masculino embebido no ar como um afrodisíaco a mais…
Fernando perdeu a conta das línguas que em sua boca se enfiaram. Mas aquilo era apenas um esquenta.
Preliminares. 
 
O prato principal ainda não havia dado o ar da sua graça.
Foi num canto da Farme que avistou Paco.
Com a calça arriada, no meio de uma rodinha que praticamente se estapeava para chupá-lo. Os olhos negros semicerrados numa expressão tão lasciva que chegava a ser imoral.
Fernando não conseguiu desviar o olhar. Estava lá para receber o do namorado, quando Paco ergueu os olhos, como se pressentisse que era observado.
 
Sorriu para Fernando. Como se aquilo fosse absolutamente banal.
Para Paco era. Ano após ano repetia:
– Ora, Nando… É Carnaval!
 
E Fernando consentia, sofria, e depois perdoava.
Mas naquele ano, não ia deixar barato.
Respirou fundo, tomando coragem.
 
Chegou na rodinha e também arriou a sunga, mostrando o material em riste, como quem abre um espetáculo.
E para ele, bocas e mãos também não faltaram.
Ejaculando um prazer vingativo, que não o satisfez em nada.
Especialmente porque Paco não teve a reação que esperava.
Pelo contrário. Apenas pareceu ficar ainda mais à vontade.
 
Foi quando um sopro quente perto do pescoço fez Fernando olhar para trás. 
O que viu o fez piscar, para se certificar de que não era miragem. 
– Um Viking? E que viking! Uau!
Apenas mentalmente Fernando se permitiu exclamar.
Beijaram-se sem uma palavra. Antes de fechar os olhos, e se entregar o monumento de homem que o esperava, Fernando ainda se deliciou com a expressão nem um pouco satisfeita de Paco.
Seguiu o Viking até o apart hotel regado a champanhe, onde as horas não custaram a passar.
De quatro na banheira de hidromassagem, Fernando se deixou lamber, lubrificar, penetrar. Trocaram. E voltaram a trocar.
O ápice então urrado entre as mãos peritas do viking insaciável.
Depois tomou um banho rápido.
Já sem o chapéu de chifres, o loiro o esperava enrolado num roupão felpudo, sentado numa das poltronas da sala.
Olharam-se por um breve momento.
 
Fernando sem saber ao certo em que língua deveria se apresentar. Como se lesse pensamentos, o nórdico se adiantou, com um sotaque sulista inconfundível:
– Prazer. Wagner.
Decepcionado com o gringo de araque, Fernando retrucou, sem pensar:
– Paco.
Despediu-se depois de dar um número de telefone também falso. Jogou o papel com o telefone do viking tupiniquim na primeira lata de lixo laranja que encontrou pendurada. Caminhou até o ponto de ônibus injuriado.
 
Afastou a irritação observando os restos de confete, serpentina e sonhos que tentavam escapar do gari que lutava para juntá-los.
Ouviu perfeitamente a voz conhecida se aproximar:
– Nando?
Virou-se para encontrar os olhos de Paco.
Fitaram-se.
De onde ele vinha? Onde havia estado?
Não mais importava.
Nem a surpreendente frase:
– Nando, me perdoa… Juro que pra mim o Carnaval acabou.
O ônibus chegou, parou, abriu a porta.
E Fernando embarcou, depois de deixar escapar com uma facilidade verdadeira, feliz, liberada:
– Pois o meu está apenas começando. 

Sobre a autora convidada:
 

Diedra Roiz é carioca, radicada em Blumenau – Santa Catarina, praticante do budismo de Nitiren Daishonin. Além de escritora, é produtora cultural, diretora teatral, atriz e sócia da Editora Divers@ http://www.editoradiversa.com.br/
 
Tem quatro livros publicados: os romances O LIVRO SECRETO DAS MENTIRAS & MEDOS (2009) e LEGADO DE PAIXÃO (2014),  a coletânea de contos BOLEROS DE PAPEL (2011) e o livro de poesias AMA/DOR/A (2014). Todos os textos que publicou na internet estão reunidos no site da autora: http://www.diedraroiz.com/
 
Redação Lado A :A Revista Lado A é a mais antiga revista impressa voltada ao público LGBT do Brasil, foi fundada em Curitiba, em 2005, pelo jornalista Allan Johan e venceu diversos prêmios. Curta nossa página no Facebook: http://www.fb.com/revistaladoa