“As fotos deflagram um olhar para a “bunda” ou o “ânus”, regiões tão estigmatizadas, como imagens plásticas, poéticas, como instrumentos da beleza e do prazer. Remonta essas áreas junto ao corpo, não nos deixando esquecer que fazem parte importante a ser descoberta”, contou Camacho para a Lado A, informando que a série ganhará novas paisagens em breve, com o casal viajando junto para se dedicar ao projeto de viajar e registrar beijos e bundas.
Todo o trabalho da dupla no questionamento do ânus como instrumento artístico e de protesto surgiu de uma performance em outubro de 2013, no Instituto de Artes da Unesp, depois de lerem o trabalho da teórica Queer espanhola Beatriz Preciado: Terror Anal, que deu nome à performance. No livro, a autora questiona exatamente o preconceito e repulsa ao órgão do corpo humano. O ânus, para quem não sabe, é a primeira parte dos vertebrados a ficar pronta durante a sua formação embrionária, um medidor do processo de evolução dos seres que habitam o planeta.
“O ânus castrado converteu-se em uma mera ponta de expulsão de detritos: orifício no qual culmina o aparelho digestivo e pelo qual se expele o excremento. Colocado à disposição dos poderes públicos, o ânus foi costurado, fechado e selado. Assim nasceu o corpo privado. E a cidade moderna, com seus calçamentos limpos e chaminés poluentes: anos de cimento pelos quais se dessublima o reprimido coletivamente. Assim nasceram os homens heterossexuais em fins do século XIX: são corpos castrados de ânus. Ainda que se apresentem como chefes e vencedores são, na realidade, corpos feridos, maltratados. No homem heterossexual, o ânus, entendido unicamente como orifício excretor, não é um órgão. É a cicatriz que a castração deixa no corpo. O ânus fechado é o preço que o corpo paga ao regime heterossexual pelo privilégio de sua masculinidade. Foi necessário recompensar o dano com uma ideologia de superioridade de modo que só se lembram de seus ânus ao defecar: como marionetes se acham melhores, mais importantes, mais fortes… Esqueceram que sua hegemonia se baseia sobre sua castração anal. O ânus castrado é o armário do heterossexual.” (Terror Anal, Beatriz Preciado, págs 136-137)
Deste encontro literário surgiu além das performances do vinho e do gelo, a série das bundas pelo mundo, outras performances e projetos. Uma delas, mais inocente, de beijos pelo mundo, também criada pelos artistas, novamente questiona o afeto e liberdade sobre o corpo, frente a uma sociedade castradora e preconceituosa. Na performance original na UNESP, Camacho inseriu flores no próprio ânus e depois distribuiu às pessoas. A mensagem pode parecer forte, mas é bem simples: cada um com seu ânus, com sua arte, com o direito de fazer o que quiser com o próprio corpo e vida.