O Corpo Como Nudez – Confira trecho de livro de poesia homoerótica portuguesa

Nota do Editor da Lado A: O livro de poesias O corpo como nudez, de Manuel Neto dos Santos, publicado em Portugal em 2014, pela editora Arantis, traz a intimidade do amor em sensações sensoriais. Os sentidos falam por meio da poesia do autor que expressa os sentimentos corporais de forma singela e descritiva em cinco capítulos: Tacto, Oufacto, Paladar, Visão e Audição. O erotismo da obra e as imagens convidativas levam o leitor a uma odisseia pelo corpo. Recebemos do autor a versão virtual do livro para dividirmos com nossos leitores, o que faremos por meio de um de seus capítulos:
 
Tacto
 
Um livro sem dedadas não é livro;
É praia ainda virgem
Esperando o primeiro passo da Viagem.
Indigito a epiderme; enrugada pela brisa…
Para que se imprima o primo verso, em mim.
Actua, imagem!
 
Desenha a língua os lábios
(Pela ponta),
Desenham cílios o berço da orbital.
Despes-me pelo olhar;
Desnudo-me num suspiro.
Deitado me assinalas o obelisco da promessa;
Por sinal.
 
Deslizo sob os teus dedos…
Como gotícula ao longo da vidraça;
Arrepios de calor, engelhado de ardor.
Esse teu gesto, em brasa,
Marcando, a ferro, passa.
 
Turba-se a mão
Num adeus de vai vem.
O calor que me ergue a saudade
Sendo meu, é teu também.
 
Indica dor o fundo
Quente e estreito…
Estocada impetuosa
No chiar de um leito.
 
Na penugem do musgo
Dos sovacos,
A mão é outra concha de uma ostra;
A pérola? O teu sorriso
Que “entusiasmo” mostra.
 
Pianíssimo,
Pressionas a tecla da surpresa.
Coceguento…Vibro, vibrátil e encontro a vibrante
Entoação de um timbre
E de um registo
Que registo… à mão.
 
Quente.
Mais quente.
Ainda mais quente.
Tacteio- te com o olhar
Se te encontro frente a frente.
Escaldo-me, queimo-me,
Com um galo na cabeça…
Em baixo…
Eis um tolontro.
 
No gesto que se rasga
E beija o espaço,
O drama é formigueiro
Pelo sangue urgente.
Tenho frieiras na alma,
Ponho a marca dos dedos
Nisto que faço, nisto,
Gesto de humildade e de embaraço,
Que de iletrado o faço…
A almofada e a tinta é, pois, por onde existo.
 
Ficaste impresso em mim; à flor dos dedos.
Lavo a memória, desbotado ficas.
Das mãos, limpa-se o fogo,
Se a pele esticas.
E a alma…
Sem unguento
Para os segredos.
 
Esfregam-se as falangetas;
Sensuais;
O toque é de veludo, ou tafetá.
Eis os cinco promontórios
Tão iguais
À rigidez de não te ter por cá.
 
Rapaz, empurra a porta do abandono.
Dá-me os mamilos rijos de azeitona.
Do mar da noite, não me chega o sono…
E a vaga da luxúria vem à tona.
 
Andando sobre as brasas de um sorriso;
O teu que hoje me deste
– De passagem-
No tumulto da cama é que preciso
Tornar-me cinza
Pelo teu beijo,
A aragem.
 
E foste, pelo meu corpo,
Deslizando;
Modelei-te com as mãos gulosas, ternas.
Escaldaram-se, em surpresa, entrepernas.
Calor da tua pele; sedoso e brando.
 
Sei de ti, ainda, os contornos de David…
Podia desenhar-te no ar, no barro ou espaço.
Revejo-te disforme no que faço;
Perfeito se a memória é a minha lide.
 
Roubo-me na ânsia de me dar a ti.
Vês? Nas conchas das mãos
O segredo que me acariciaste
E que nem eu mesmo vi.
 
Arrepias-me no acto de partir.
Aceno-te um adeus, nisso percorro
O facto e o tacto pois
Morrendo
Morro.
Viras-te, e a tua pele
A rir,
A rir,
A rir… por nós dois.
 
 
Joaquim Manuel Neto dos Santos, nasceu em Alcantarilha, a 21 de Janeiro de 1959. Poeta, actor, declamador, Manuel Neto dos Santos é uma figura de referência da cultura algarvia. A festejar, este ano, os 25 Anos de Publicações, Manuel Neto dos Santos publicou o seu primeiro livro de poesia, “O Fogo, a Luz e a Voz”, em Dezembro de 1988.
 
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