A Via Crucis e Crucificação da travesti Laura Vermont

“Quero avisar que o motivo do crime não foi homofobia, foi desentendimento”, declarou apressadamente o delegado José Manoel Lopes, titular do 32º Distrito Policial (DP), em Itaquera, na Zona Leste da capital paulista. O caso em questão, o assassinato da travesti de 18 anos de idade, Laura Vermont, no dia 20 de junho, ganhou contornos macabros, primeiro com as imagens dela toda ensanguentada na internet e falando palavras desconexas momentos antes de sua morte. Depois, pela prisão de dois policiais que ao invés de socorrerem a garota atiraram contra ela, após ela supostamente roubar a viatura policial e colidir contra um muro. Segundo laudo do IML, a causa de sua morte foi traumatismo craniano. Misteriosamente, Laura foi encontrada perto de sua casa, ainda com vida, socorrida por parentes e conhecidos mas veio a óbito no hospital. A cronologia daquela noite fatal mostra os últimos sofrimentos da travesti que encontrou a morte e denuncia um descaso grave e recorrente quando a vítima é uma travesti ou transexual.
 
Em sua Via Crucis rumo a sua morte prematura, em um percurso que teria levado mais de uma hora, Laura teria se desentendido primeiramente com outra travesti em quem teria brigado com uma navalha, segundo a polícia, depois de voltarem do Centro e serem deixadas na Zona Leste por um cliente (I). Em seguida, Laura teria agredido um casal de transeuntes na Avenida Nordestina (II). “Uma noite de fúria”, descreveu o delegado.
 
Imagens de uma padaria na Avenida Nordestina apontam que ela, depois de ser expulsa do local (III), foi espancada brutalmente por cinco homens (IV), um deles teria acertado a cabeça da moça com um pedaço de pau (V) três vezes, o que explica os ferimentos vistos no vídeo (VI) e sua desconexão com a realidade. Justificaria ainda ela ter roubado a viatura da polícia mesmo sem saber dirigir (VII). Mas isso são conjunturas da polícia que deteve mas soltou os dois policiais que teriam dado um tiro no braço da vítima que deveriam socorrer.
 
O tiro, suspeita-se, segundo dados do relatório de uma reunião do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, Condepe – SP, pode ter sido dado quando as mãos da travesti estavam para o alto, em posição de rendição (VIII). Em uma segunda versão os policiais alegaram que o tiro foi acidental. Agora exames toxicológicos apontarão se a jovem estava sob efeito de entorpecentes ou bebidas, o que será usado para vilipendiar a dignidade da morta. Ainda segundo a versão da polícia, em investigação depois que o caso tomou proporção maior na mídia, a mesma que diz que não foi um crime de homotransfobia mas de “circunstâncias”, a causa da morte teria sido o espancamento preliminar. Fica claro que a omissão do socorro colaborou com a morte, bem como o tiro, ou ainda a própria expulsão da transexual da padaria onde foi buscar abrigo. 
 
Os defensores de Direitos Humanos afirmam que há sim claras evidências de transfobia no caso Laura Vermont que será o primeiro a ser tratado no novo projeto de cooperação “Via Rápida”, entre o Ministério Público Estadual de São Paulo e o Condepe, dedicado ao acompanhamento do MP em casos de denúncias de violações cometidas por agentes de segurança pública, principalmente nos casos de violência letal e suspeitas de execução sumária. Segundo o Condepe , não se trata de um crime comum e há nitidamente violação de direitos motivados por homofobia/transfobia.
 
Laura Vermont foi encontrada perto da sua casa e socorrida por sua  família e levada ao Hospital Municipal Planalto (IX). Sua mãe reclamou esta semana do atendimento médico prestado, que segundo ela foi “ríspido” (X). Segundo ela, o médico apenas se limitou a dizer que a sua filha estava morta.
 
Quem defenderá Laura? Uma travesti de programas, acusada pela polícia de praticar baderna em um dia de fúria. Discriminada em um estabelecimento, espancada brutalmente, filmada ensanguentada, a quem foi negado socorro, agredida por policiais, deixada na sarjeta, que morreu em um quarto frio, depois de horas agonizando, sozinha.

 

 

Redação Lado A :A Revista Lado A é a mais antiga revista impressa voltada ao público LGBT do Brasil, foi fundada em Curitiba, em 2005, pelo jornalista Allan Johan e venceu diversos prêmios. Curta nossa página no Facebook: http://www.fb.com/revistaladoa