Ser ou não ser urso: “A grande saída do armário”

Antes da comunidade bear estar organizada ou sequer existir no Brasil, raramente os homossexuais que reuniam as características do estilo “urso” saiam do armário. No máximo podíamos ver alguns transformistas, muitos ursos, graças ao Sílvio Santos (quem tem mais de 30 anos lembrará daqueles machões que iam no seu programa vestidos de mulher e batiam a peruca bonita… woofwoof…). Sem contar os inúmeros, eternos e deliciosos ursões, casados e país de família, ou não, que batem ponto (até hoje) cada domingo na sauna para “jogar dominó” e apenas curtir o vapor (aham!). Também era muito duro sair do armário para os chasers, filhotes e admiradores de homens corpulentos, peludos e viris, que sofriam ao pensar que ser homossexual e que o tipo de homem desejado era impossível, pois ser homossexual era ser a bicha caricata eternizada nos programas da TV.

A sociedade brasileira sempre esteve acostumada com a retratação da mídia de que ser gay era ter trejeitos, dar pinta, ser estereotipado. E ao verem um homem viril, masculino, peludo e muito macho também poderia viver sua homossexualidade completamente e ser gay poderia chocar e talvez ainda choque. Quem se identifica como urso, no meio gay, sabe ao que me refiro. Assumir-se urso foi durante muito tempo uma segunda saída do armário.

Mas porque no Brasil, atualmente, identificar-se como urso é especialmente uma “segunda saída do armário”? Há alguns invernos chegaram ao Brasil a moda hipster e mais recentemente a lumber, com as barbas compridas e cheias, e o hábito de vestir camisas xadrez de flanela, fantasiando-se de lenhador canadense, um dos estereótipos ursinos mais antigos, tanto que a relação “urso-caçador /caçador-urso” nasce dessa alegoria. Explico-me melhor: o caçador caça e come o urso, ou o urso mata e come o caçador, quem gosta de urso é um caçador (para começar).

Mas o que tem a ver o rolo hipster com tudo isso mesmo? Simples, ser urso não é simplesmente deixar a barba crescer e vestir uma camisa xadrez. Não!!! É muito mais que isso, é um estado de espírito, um estilo de vida, um jeito de ser. Muitos amigos já me criticaram por defender o movimento urso dizendo que nós é quem nos fechamos e nos etiquetamos e etiquetamos os outros, mas não é assim. Existe um ponto de equilíbrio muito sensível em ser urso, que eu gostaria de desenvolver com meus leitores em colunas futuras. Ser urso não é o não se importar com a aparência ou ser um gorduchão molosóide que só quer comer, e não quer malhar, não! Ser urso é simplesmente também ser gay, e querer ser respeitado pelo seu estilo, pelo seu ser, por ser quem é, por isso com pluma ou com pelo, somos todos gays!

Nunca é demais relembrar as origens do movimento urso. Ele nasce em São Francisco da Califórnia na década de 1970 juntamente com o movimento gay liderado por Harvey Milk, como forma de contestação à discriminação dos gordos, machões peludos e viris dentro do próprio coletivo gay, por não fazerem parte do padrão sarado-loiro-platinado californiano dos anos 70; era uma resposta ao fenômeno “da serpente que se come o próprio rabo”, ou o como se diz: “a vítima de hoje é o carrasco de amanhã”.

Porém parece que desde lá as coisas mudaram e mudaram muito, e ainda bem que mudaram. E também no Brasil. O movimento urso se desenvolveu, consolidou-se e veio para ficar, atualmente existem inúmeros festivais e encontros organizados por clubes de bears ao redor do mundo, em cidades que formam o circuito “Elizabeth Arden” ursino, como a própria São Francisco, e ainda Madri, Barcelona, Sitges, Colônia, Manchester, Istambul , e adivinha qual mais? São Paulo e Curitiba!!! Sim, o Brasil tem consolidado nessas duas cidades uma importante e atuante comunidade ursina.

Quero dedicar essa minha primeira coluna a um dos pioneiros do movimento urso no Brasil e grande propulsor da cultura ursina: Rogério Munhoz, muito obrigado.

Rafus Bear mora em Barcelona, Espanha, é catarinense e doutorando em Direito Internacional

 

 
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