A sociedade brasileira sempre esteve acostumada com a retratação da mídia de que ser gay era ter trejeitos, dar pinta, ser estereotipado. E ao verem um homem viril, masculino, peludo e muito macho também poderia viver sua homossexualidade completamente e ser gay poderia chocar e talvez ainda choque. Quem se identifica como urso, no meio gay, sabe ao que me refiro. Assumir-se urso foi durante muito tempo uma segunda saída do armário.
Mas porque no Brasil, atualmente, identificar-se como urso é especialmente uma “segunda saída do armário”? Há alguns invernos chegaram ao Brasil a moda hipster e mais recentemente a lumber, com as barbas compridas e cheias, e o hábito de vestir camisas xadrez de flanela, fantasiando-se de lenhador canadense, um dos estereótipos ursinos mais antigos, tanto que a relação “urso-caçador /caçador-urso” nasce dessa alegoria. Explico-me melhor: o caçador caça e come o urso, ou o urso mata e come o caçador, quem gosta de urso é um caçador (para começar).
Mas o que tem a ver o rolo hipster com tudo isso mesmo? Simples, ser urso não é simplesmente deixar a barba crescer e vestir uma camisa xadrez. Não!!! É muito mais que isso, é um estado de espírito, um estilo de vida, um jeito de ser. Muitos amigos já me criticaram por defender o movimento urso dizendo que nós é quem nos fechamos e nos etiquetamos e etiquetamos os outros, mas não é assim. Existe um ponto de equilíbrio muito sensível em ser urso, que eu gostaria de desenvolver com meus leitores em colunas futuras. Ser urso não é o não se importar com a aparência ou ser um gorduchão molosóide que só quer comer, e não quer malhar, não! Ser urso é simplesmente também ser gay, e querer ser respeitado pelo seu estilo, pelo seu ser, por ser quem é, por isso com pluma ou com pelo, somos todos gays!
Nunca é demais relembrar as origens do movimento urso. Ele nasce em São Francisco da Califórnia na década de 1970 juntamente com o movimento gay liderado por Harvey Milk, como forma de contestação à discriminação dos gordos, machões peludos e viris dentro do próprio coletivo gay, por não fazerem parte do padrão sarado-loiro-platinado californiano dos anos 70; era uma resposta ao fenômeno “da serpente que se come o próprio rabo”, ou o como se diz: “a vítima de hoje é o carrasco de amanhã”.
Porém parece que desde lá as coisas mudaram e mudaram muito, e ainda bem que mudaram. E também no Brasil. O movimento urso se desenvolveu, consolidou-se e veio para ficar, atualmente existem inúmeros festivais e encontros organizados por clubes de bears ao redor do mundo, em cidades que formam o circuito “Elizabeth Arden” ursino, como a própria São Francisco, e ainda Madri, Barcelona, Sitges, Colônia, Manchester, Istambul , e adivinha qual mais? São Paulo e Curitiba!!! Sim, o Brasil tem consolidado nessas duas cidades uma importante e atuante comunidade ursina.
Quero dedicar essa minha primeira coluna a um dos pioneiros do movimento urso no Brasil e grande propulsor da cultura ursina: Rogério Munhoz, muito obrigado.
Rafus Bear mora em Barcelona, Espanha, é catarinense e doutorando em Direito Internacional