Uma leitura de nudez

Vou tirar a roupa já já! Espera um pouco. Em breve vou mostrar todo meu corpo. Mas primeiramente tem um texto de abertura. Mas espera aí, para que serve este texto introdutório? Preciso apenas de um pedaço do torso nu, aí eu peço para lerem mais. “Clique aqui para ler mais”. Pronto. Tá resolvido. Eu não preciso mais falar nada. NSFW. Mas o que diabo é isso?
 
NSFW poderia ser a sigla para meu novo trabalho. Sim, eu trabalho. Vou escrevendo e quebrando cabeça para entreter a mim e aos outros. Pois bem. NSFW é algo do tipo, não é seguro para o trabalho, tradução literal de Not Safe for Work. E aí a pessoa olha para os lados e de repente clica no link. Pronto. Lá está a foto de qualquer um que seja, mas pelado. E toda a história foi contada. 
 
Eu sei que ninguém é obrigado a nada. Mas eu tenho, sei lá, oito livros publicados, tudo bem não são livros publicados por grandes editoras, mas por grandes editores. E mesmo assim, escrevendo praticamente um por ano, desde então quando teimei em ser escritor, e mesmo assim eu me sinto numa obrigação de demonstrar que tem que ter peso o que escrevo.
 
Mas eu faço outro tipo de admoestação: NSFW por que EVDA. O que diabo é isso? NSFW já sei o que é, mas EVDA. Bem, não é simples, mas é também uma forma de tirar a roupa. Alguns falam numa qualidade menor, porque o tom vai num rumo tão íntimo. Mas depois que você EVDA parece que você fica a mercê de uma necessidade de repetição. Tal é o sentimento que antecipa o seu ímpeto de ver o nu tão perquirido na chamada: “ler mais”. E não é que as pessoas leem, o “ler mais”; no entanto é apenas para o imediatismo do nude. Nude, né?
 
Então, ninguém vai querer ler os detalhes. Eu mesmo vou lá no âmago da coisa para ver o conteúdo do “ler mais”. Eu leio? Eu já nem sei. O peito nu, a beleza fácil nem precisa de argumento. A beleza realmente não precisa de argumento. Não vê o que estou a fazer?
 
E fico a contar a quantidade de frases e períodos para que não escreva tanto, que não canse tanto, pois o nu já está vindo logo ali na linha posterior e não precisará de mais nada para convencer de que existia uma razão para você correr o risco do NSFW.
 
Mas a curiosidade do NSFW antecipa qualquer incrédulo na hesitação. Ele não hesita. É quase uma obrigação abrir o negócio. São tantos NSFW por dia que você já não se dá conta do que realmente leu a respeito do último.
 
E nem adianta dizer que tenho um projeto legal no “Catarse“, que está há quase um mês e ninguém deu atenção por conta da ausência de um nude. Até que tentei colocar lá na descrição alguma coisa picante, mas parece-me que ficou meio camuflada por alguma ideia inteligente. Aí já viu, nada de curtição. “Tô pra pedir para um amigo fazer um nude ao vivo enquanto as letrinhas vão pedindo o apoio para o projeto”. Aliás, o texto parece meio longo. Enfim, temos sempre uma justificativa para esquecer o texto que introduz aquele nu desejado. Tampouco dizer que ganhei bolsa do MinC para desenvolver um projeto em literatura e diversidade sexual. Talvez o sexual aproxime algum incauto deste processo, mas como não tem o NSFW, logo o texto é desprezado.
 
Tentei até resgatar uma foto pelado. Suscitei jogar na net. Mas esqueci de colocar o NSFW. Poxa, como fui tolo! Escapou o dorso ou foi o torso nu. Ninguém vinculou uma coisa a outra. Se nem tinha NSFW, o deslize passou despercebido e a foto se perdeu entre tantas outras, justamente por conta de sua velocidade de esquecimento. Ela precisa de outra beleza um tanto quanto seu argumento perca o efeito. E perdi tudo nisso. Escrever sobre isso parece tolice, falta de maturidade. Mas não seria tolice pensar que eu preciso repetir a mesma surpresa? Onde está a surpresa na repetição? Talvez seja aí onde que quero chegar.
 
A esta hora você se pergunta: “Onde está o bendito nude? Ele parece demorar nesta ladainha de uma genuína tentativa de compaixão”. Mas estou aprendendo que pedir não é tão feio. Vou pedindo que você apenas leia um pouco mais, que mude o compasso dessa necessidade de abrir um NSFW. Você vai mudando ligeiramente o hábito, sem ter que cair nesta mesmice de antecipar sua surpresa conhecida.
 
Aí eu venho com esta baboseira de EVDA e me parece um tanto quanto abstrata quanto o outrora desconhecido NSFW, que era aberto apenas para ver o nu. E vai entendendo que há algum mistério numa antecipação desconhecida, vai entendendo que deve sim haver alguma confusão, alguma percepção mais profunda. Percebe com a mudança do olhar que nem sempre a beleza prescinde de um argumento, e que ela pode aparecer numa intimidade tão pessoal. Você vai desnudando a alma, Eu Vou Desnudando minha Alma.
 
Já nem sei mais onde coloquei aquela foto. Eu perdi a razão de usá-la. Acabei falando demais, por revelar minha frustração. O cansaço de meu olhar naquele silêncio de uma beleza muda. Vou perdendo o interesse no “ler mais” e caio num vício sem que nem mais sei se tem fim. Perco esta dimensão das instâncias. Ao mesmo tempo em que vou me fragilizando, externando outras camadas de minha intimidade. Eu Vou Desnudando minha Alma. Vou abrindo minhas gavetas para que vocês possam guardar algo. Vamos nos guardando um no outro, para que possamos encontrar algo de nós no outro da gente. 
 
EVDA. Leiam mais aqui!
 
Roberto Muniz Dias é piauiense, mora em Brasília, um dos maiores autores da Literatura GLS brasileira e novo colunista da Lado A. Este é seu texto de estréia. Confira o seu projeto “Uma Cama Quebrada” no “Catarse” e dê uma força para o autor.

 

Redação Lado A :A Revista Lado A é a mais antiga revista impressa voltada ao público LGBT do Brasil, foi fundada em Curitiba, em 2005, pelo jornalista Allan Johan e venceu diversos prêmios. Curta nossa página no Facebook: http://www.fb.com/revistaladoa