Passabilidade

A maioria das pessoas “passam” pelo o que elas são naturalmente constituídas. O sexo biológico chancela qualquer permissão quando está reconhecido o gênero conformado. E assim tem-se acesso a todos os espaços físicos. Mulheres usam saias, homens usam barba. E assim vão passando, passando pelas portas; abrindo caminhos, mesmo que já conhecidos. Mas como fica quem não segue à risca estes desenhos impostos? Como se desenrolam estes processos cognitivos de reconhecimento de quem tem e não tem acesso natural a estes espaços ou grupos? Quando, pela vestimenta, a voz ou o próprio corpo confundem o código estabelecido, a quem se solicita ajuda para entrar, passar?
 
Tenho participado de diversos debates que tematizam políticas públicas direcionadas ao público LGBT. Sei das diversas dificuldades que este público (nós) enfrenta (mos) no dia a dia para desenvolver suas (nossas) atividades mais simples; aliás atividades relacionadas com sua (nossa) homossociabilidade que resultam na interação com seus (nossos) pares e com a comunidade em geral.  Por esta razão, o acesso aos espações públicos, privados ou aos serviços públicos e privados é uma problemática diária do exercício da cidadania dos seus (nossos) corpos.
 
Nestes encontros, que discutem políticas públicas para LGBT, verifiquei que para alguns o acesso aos espaços mencionados acima são facilitados por esta indumentária que usamos para conformar nossos gêneros performativos. A fala de um grupo, sem tentar aqui suprimir a ideia de um pertencimento queer (mais amplo), em particular, chamou-me a atenção pela sua importância no guarda-chuva LGBT. E agora ponho-me como um LGBT passável, termo que pode originar o neologismo: Passabilidade, com o qual a ligeira adequação nos conforma nestes jogos de entradas nos espaços criados pelos homens, sem que minha sexualidade (leia-se: orientação sexual) seja questionada. 
 
Este termo (Passabilidade) foi usado por um Homem Trans que, já hormonizado, possuía barba, e por este motivo era reconhecido como homem pela sociedade. Uma possibilidade de “passar” pelos espaços sem ter sua sexualidade ou orientação sexual  questionados; e por esta razão, teria menos (menos é entendido como não completamente inexistente) problemas para transitar. É um tanto quanto absurdo se pensar nesta admissibilidade apenas pela questão visual, exterior ao desejo. Embora os “passáveis” tenham o acesso garantido aos espaços, a questão do nome social ou das performatividades ainda é um problema sério. 
 
E a pergunta anterior permanece: E quando não se segue à risca estes desenhos impostos? Como ficam os efeminados? Como ficam os que estão num trânsito do que nem se pode argumentar como gêneros reconhecíveis? Para estes a questão da “Passabilidade” é um novo problema, enquanto que para nós (aqueles “passáveis”) também se transforma num novo problema, pois não queremos acesso limitado. Precisamos de acesso livre!
 
Por alguns momentos de reflexão desta “Passabilidade” fiquei ponderado sobre minha condição de “passável”, e chegando à conclusão de que esta característica poderia evitar que minha integridade física, psicossocial ou mental fosse atingida por qualquer tipo de interdito. No entanto, não é apenas esta condição que me deixaria tranquilo (entre tantas coisas como direitos e garantias que ainda resultam prejudicadas). Mas estive pensando na condição parental, de que um dia terei como pai ou meu companheiro também a terá. E sendo os pais de uma criança, ponderei sobre minha (nossa) Passabilidade (já não uso as aspas) nos espaços por onde antes eu transitava. Talvez o desenho de um casal composto por dois homens não me (nos) garantisse o acesso livre, já que pelos estereótipos de gêneros, poderíamos passar por homens, no entanto como pais (segundo os olhos dos outros), eu não teria tanta Passabilidade.

Roberto Muniz Dias é piauiense, mora em Brasília, um dos maiores autores da Literatura GLS brasileira e novo colunista da Lado A.  Confira o seu projeto “Uma Cama Quebrada” no “Catarse” e dê uma força para o autor.

 

Redação Lado A :A Revista Lado A é a mais antiga revista impressa voltada ao público LGBT do Brasil, foi fundada em Curitiba, em 2005, pelo jornalista Allan Johan e venceu diversos prêmios. Curta nossa página no Facebook: http://www.fb.com/revistaladoa