Amor e Pessoas Trans

Não quero falar sobre como é ou como deve ser. Mas talvez quisesse falar como deveria ser. Poderia ser mais fácil, se não tivesse que ser escondido, como se fosse um problema para ser resolvido pelo pensamento (idiossincrasias) do Outro.
 
Recentemente estava vendo uns vídeos do canal trantastic.com (em resumo, são pessoas trans contando suas histórias de vida) e assisti a um vídeo do Ian Harvie e Buck Angel, este último falando sobre amor, divórcio e traição. Ambos relatam, forma cômica e sentimental – Buck tem um apelo mais emocional – como eles se relacionam com o amor, especialmente sobre relacionamentos amorosos. De longe de mim, assumir o local de fala deles, das pessoas trans – já falei aqui da passabilidade –, mas podemos alcançar a dificuldade de construir uma identidade de gênero tão pacífica internamente, performada com o tempo, luta, discussão, o próprio corpo e sofrimentos. 
 
As palavras de Buck são emocionantes quando ele relata uma experiência de 11 anos, convivendo com uma mulher; mas depois de tanto tempo juntos, diante de um tribunal, enfrentava um divórcio – provavelmente discutindo uma situação patrimonial – teve que ouvir desta companheira, diante do juiz: “Aquilo não é um homem, é uma mulher. Ela tem vagina”. Neste momento, ele revela que foi a situação mais difícil que teve enfrentar porque não ouvia isso de um estranho. É tocante este momento. Este relato é verdadeiramente emocionante porque dentro de sua cabeça, o seu comportamento e suas atitudes refletem a identidade de gênero masculina, e isto o comove em cena.
 
Mas deveria ser diferente a forma como pessoas trans se relacionam? Se elas escondem seu sexo biológico, a aproximação e a conquista têm que ser cautelosas; devem a todo o momento se preparar para enfrentar todo um historicismo acerca do amor e dos papeis sexuais; e se elas se declaram pessoas trans, têm suas vidas públicas devassadas e o amor pode ser ainda mais complicado por induzir, neste prováveis amantes, comportamentos prontos, encenados numa adequação a sua identidade. Amor tem identidade? Agora vem a minha cabeça uma música dos Pet Shop Boys que se intitula Love is a borgeous constructo (O amor é uma construção burguesa). E não é?
 
Noutro momento do vídeo, Buck Angel, novamente cômico, vai relatando o flerte que teve com uma mulher que o convidou para o café. E ele mesmo, numa postura pretensamente machista, em determinado momento, retira a camisa para mostrar seu torso todo desenvolvido na musculação, com um intuito meramente sedutor. Mas é surpreendido com um sonoro NÃO da mulher, que revela que o convidou apenas para um café. Ele concluiu na sua fala que é “os homens são mais fáceis de seduzir”. Claro que há um lado engraçado na sua constatação de história, mas fica o registro de uma tecnologia dos corpos que deve revelar nossos desejos mais recônditos. 
 
Creio que não há uma forma previsível de amar (flertar com) as pessoas; mas acho que as pessoas trans têm uma sensibilidade maior, uma predisposição maior ao amor, e uma vontade existencial em ser feliz.

Roberto Muniz Dias é piauiense, mora em Brasília, considerado um dos maiores autores da Literatura GLS brasileira. 

 
Redação Lado A :A Revista Lado A é a mais antiga revista impressa voltada ao público LGBT do Brasil, foi fundada em Curitiba, em 2005, pelo jornalista Allan Johan e venceu diversos prêmios. Curta nossa página no Facebook: http://www.fb.com/revistaladoa