Crime passional gay: quando o amor se transforma em morte

Esta semana foram noticiados na mídia dois casos de mortes causadas por namorados ciumentos. Faz tempo que esses crimes são usados por fundamentalistas para dizer que os gays se matam e que não existe homofobia. Ao final, verá que a homofobia também cria a homofobia internalizada e que o machismo, assim como com as mulheres, torna o amante uma propriedade, a ponto de que a ofensa de uma traição dispare, junto com o ciúme, um sentimento mortal muito diferente do amor.

Em São Paulo, o jovem de 26 anos Renan Túbero (esq.), vendedor, foi encontrado morto com uma faca cravada em seu peito em seu apartamento, no bairro Pinheiros. Um homem de 37 anos assumiu o crime, disse que o motivo foi que a vítima teria transado com o seu namorado. O detalhe mais macabro é que o assassino estava hospedado na casa da vítima, ou seja, eram no mínimo conhecidos. O assassino afirmou que estava sob efeito de drogas quando cometeu o crime.

Já em Cosmópolis, interior de São Paulo, um casal de homens se matou com facas de cozinha também esta semana (dir.). Um jovem de 24 anos e um cabeleireiro de 39, Hélio Henrique Brito de Assis e Jaslei Xavier, discutiram e se agrediram com facadas até a morte na noite desta segunda-feira. Os dois foram encontrados pelos pais de um dos homens. A discussão da relação se transformou em ataques físicos e os dois sangraram até a morte. Segundo o padrasto do mais jovem, ele estaria se relacionando com uma mulher, o namorado descobriu e não aceitou a traição.

Quando o jovem homossexual está em processo de auto aceitação muitas vezes ele utiliza o machismo para mascarar o que ele rejeita ser, pois a homofobia impõe a ele que ser homossexual é algo ruim. Por isso tantos gays assumidos no passado foram eles mesmos preconceituosos, resultado dos ensinamentos machistas e homofóbicos que recebem. Dentro da comunidade as posições de ativo e passivo são vistas de formas diferentes por alguns, como se o ativo fosse mais “homem”. Em uma relação conturbada, o passivo é visto como inferior, uma posição submissa que leva ao abuso de poder, ao desequilíbrio.

Outro fator é sobre aquele que provém ou tem maior poder econômico, que sustenta ou ajuda o outro. Como se o outro fosse propriedade, ele não aceita a traição ou a falta de submissão, culminando em violência ou mesmo morte. Muitos gays estão em posição de vulnerabilidade pois precisam sair de casa cedo ou mesmo saem de casa com medo da rejeição. Muito parecido do que acontece com mulheres assassinadas pelos companheiros.

Quando o homossexual deixa a sua família de maneira traumática, ele fica emocionalmente desamparado e se apega mais facilmente. Por isso as relações homossexuais normalmente tem um peso maior em suas vidas, são mais profundas no sentido de dependência emocional. Em um universo onde o amor é desacreditado e a conjunção carnal uma forma de exercício da identidade, amor e sexo recebem pesos diferentes e é nessa falha de comunicação que muitos casais pecam mortalmente.

Cada casal precisa fazer um contrato de valores e objetivos da relação. O modelo heteronormativo (namorar, casar, ter filhos, viver felizes para sempre) raramente funciona para dois homossexuais se não estiverem em sintonia dos objetivos da relação. Primeiro pois a sociedade não absorve com naturalidade estes processos, apesar de hoje ser possível casar e adotar. Há quem diga que o problema seja o instinto sexual masculino, que homens traem e não se contentam com um só. Por outro lado, os crimes passionais são igualmente altos entre lésbicas. Parece que a questão posse e dependência emocional são fatores mais relevantes.

Analisando por este lado, um homossexual solteiro e um homossexual em um relacionamento se distanciam muito mais, do que um heterossexual, de quem costumava ser antes de se relacionar com uma outra pessoa. Aos poucos, o ciúme e a insegurança vão distanciando o gay que está namorando dos amigos, de seus hábitos comuns, criando uma prisão e uma relação de dependência não normal, não saudável. O crime passional gay não tem a ver com a homossexualidade ou o fato de serem dois homens, mas sim de duas pessoas que por algum motivo se uniram para enfrentar as adversidades de uma realidade e esqueceram de pensar como dois em determinado momento. Além do que as pessoas ainda podem mudar seus planos durante o curso, do que esperam para a sua vida. Esse rompimento de “contrato” é muito comum entre homens, já que as amarras sociais familiares não são comuns nos relacionamentos gays. Um casal hétero pensará no filho ou no impacto de uma separação, o casal gay não tem esse ponto de questionamento.

O sexo, que muitas vezes os uniu, torna-se secundário, como em qualquer relação. O amor precipitadamente entregue perde força ao se deparar com a verdadeira personalidade possessiva ou insensível do outro. Aos poucos o respeito dá lugar a brigas constantes e vai criando, junto com a esperança insistente de que a relação dê certo, uma espécie de depósito de sentimentos que um dia explode e leva a uma inevitável briga final, ou acerto de contas. Neste momento, o fato de serem dois homens machistas faz sua diferença. Acreditando que sua honra foi violada, que foi engado, usado, que o outro é inferior de alguma forma (em parte por ser uma bicha), o homossexual desequilibrado luta contra sua própria imagem, traumas, rejeições, medo da solidão e mata aquele que um dia jurou amar.

Há ainda o fato de que no Brasil a vida do outro tenha perdido o seu valor. A impunidade que dá a certeza de que o crime não será descoberto… Porém, parece claro que a homofobia internalizada é um fator importante ao percebermos a crueldade destes crimes passionais gays. Ter a auto estima necessária para sair de relações doentias antecipadamente é crucial para que o que um dia foi chamado de amor não se torne o último de uma vida.

 

Redação Lado A :A Revista Lado A é a mais antiga revista impressa voltada ao público LGBT do Brasil, foi fundada em Curitiba, em 2005, pelo jornalista Allan Johan e venceu diversos prêmios. Curta nossa página no Facebook: http://www.fb.com/revistaladoa