Há alguns anos ficamos sabendo de dois casos de violência sexual contra gays contados por nossos leitores porém não conseguimos abordar o tema. Amadurecemos e quem sabe hoje poderemos tratar o assunto com mais responsabilidade, o que deveríamos ter feito. É um tema polêmico, pouco falado, mas uma realidade. Um relato no jornal The Independent esta semana nos deu a coragem necessária. Esperamos ajudar as vítimas a não se sentirem sozinhas nessa dor, esperamos alertar os nossos leitores e incentivar que as pessoas denunciem à polícia. Não podemos ficar calados.
Estatísticas de ongs da Inglaterra apontam que 12 mil estupros (ou violento atentado ao pudor) de homens ocorrem todos os anos no Reino Unido. Por vergonha, 98%das vítimas não relatam a violência que sofreram. Por aqui os números devem ser bem maiores. Não há dados sobre isso no país. Violência sexual sem consentimento jamais deve ser tratado como fetiche. É sério, muito sério o tema.
Em 2013, um foi de um jovem de Curitiba levou um DJ amigo para casa depois da balada. Eles estavam bêbados. O rapaz morava sozinho mas não era assumido para os vizinhos e por isso não gritou alto quando o outro o dominou e forçou o sexo. Ele disse não, e não foi ouvido. Dor, vergonha e culpa foi o que sentimos no relato. A pessoa ficou em depressão em seguida. Ao invés de relatar o ocorrido, optamos por conversar com o agressor, conhecido na noite alternativa da cidade, que obviamente negou a violência. Não fizemos a nossa parte. Fizemos a vítima reviver a dor, sentir a impunidade mais forte, mais vergonha. Pedimos hoje perdão.
Em outro caso, no mesmo ano, um rapaz teria sido vítima de um estupro coletivo em Balneário Camboriú depois de uma balada regada a Ghb no apartamento dos amigos onde estava. Este caso não apuramos pois veio de terceiros. Talvez não seja verdade, mas nós não perguntamos à vítima. Era pouco tempo depois do primeiro caso e usamos a premissa jornalística que apenas reportamos casos registrados com ocorrência policial. Sempre que possível, averiguamos os dois lados. Jornalismo insensível e falho com as vítimas que pretendemos corrigir.
Na matéria do The Independent, Dean Eastmond tinha 16 anos e trabalhava como voluntário dos Jogos Olímpicos de Londres, em 2012. Ele servia comida para os atletas. Um amigo do trabalho, alguns anos mais velho, se mostrou solidário quando ele tinha que fazer um turno noturno e voltar no mesmo dia, e ofereceu que ele descansasse em seu apartamento, perto da Vila Olímpica. Sem maldade, ele foi. O homem abaixou suas calças e o dominou pouco depois de chegarem ao local. Ele perdeu a sua virgindade e o que lembra foi a dor e de ter desmaiado.
Quando acordou o homem ainda estava lá. Três anos se passaram e Eastmond relata que ainda sente uma espécie de medo, dúvida, culpa e desconforto sobre o que aconteceu. Ele nunca contou a ninguém o que tinha ocorrido. “Eu fiquei aprisionado no que o meu estuprador fez e sem ter como sair e pedir por ajuda”. Ele nunca se assumiu gay com medo de ser rejeitado, algo comum a quem sofreu abuso, segundo ele. “Consentimento deveria ser algo fácil de entender. Não significa não. Então por que as pessoas ainda ignoram isso?”, encerra o texto o jovem que pede ainda que o assunto seja discutido.
Foto: The Independent.
Veja o texto relato do Eastmond aqui (em inglês).