No inferno tem lugar pra todo mundo. A internet é uma via dupla. Para o tanto de conteúdo aproveitável, há o mesmo de desprezível. Esbarrei sem querer com a seguinte notícia: “Pastora ex-lésbica diz que foi ao inferno 15 vezes e viu vale dos homossexuais”. Minha primeira reação foi soltar uma gargalhada descontrolada. Não era possível que meus olhos estivessem testemunhando tamanho absurdo. As religiões em geral se apropriam de artifícios mesquinhos com alto teor esquizofrênico quando o assunto é impor medo. Sem o medo do inferno, diabo e de seus deuses, as religiões não se sustentariam.
Há um padrão comportamental que flui entre as grandes religiões do mundo: conversão, negação de si mesmo, submissão e por fim, após a morte, a recompensa. O medo é a cola que mantém esse processo unido. A notícia me soou tão piadista, que resolvi ler. Maldito arrependimento. Além do texto que narra as diversas idas ao inferno, há um vídeo no Youtube em que a dita pastora conta com detalhes, ao estilo ‘As Crônicas de Nárnia’, como tudo aconteceu. De acordo com ela, as idas ao inferno aconteceram após uma overdose. Bom, isso já explica muita coisa.
Antes de eu escrever esse texto, pensei bem se poderia ferir ou ofender a fé alheia, e concluí o seguinte: a ideia de que os homossexuais pertencem ao inferno carrega em si um discurso de ódio, já que para os doentes fanáticos a interpretação do que lhes é ensinado converte-se em violência e atos justiceiros, como temos visto por aí a morte de centenas por conta da homofobia. Então, se estou ofendendo a fé alheia, o faço por me sentir ofendido por ela, como ser humano. Assim como uma parcela de homossexuais contribui para o aumento do preconceito, uma parcela dos religiosos contribui para as ofensas que recebe.
Voltando á bizarrice: esta senhora alega ter visitado o inferno 15 vezes e, (pasmem!) 6 vezes ao céu. Eu já disse que ela estava drogada?
Durante seu tour no inferno ela foi levada até um lugar fabuloso chamado “O Vale dos Homossexuais”, e repete quando diz que foi nesse vale seis vezes. Para uma ex-lésbica ela deve ter um carinho especial por espaços LGBT’s. Ali nesse lugar os pecadores queimavam um de frente para o outro, como punição para lembrar o pecado que haviam cometido. Mencionei que ela tinha um anjo como guia turístico? Sim, e de acordo com a narrativa, o anjo citou passagens bíblicas que condenam o relacionamento homossexual.
A pastora afirma ainda que não apenas os homossexuais, mas os simpatizantes também estão com seu lugar garantido. Sinto muito amigos que me aceitam, estou indo, mas levo vocês comigo.
O que mais me incomoda nessa história? A Burrice e a loucura. Gente que se deixa levar por essas lorotas provavelmente precisa de uma visita, mas não ao inferno – procurem um psiquiatra. Algo de muito errado está acontecendo na mente desse povo. Enquanto sustentarmos ideias odiosas que geram violência, pondo em risco a vida dos outros, não há como aceitar tais discursos. Essa autointitulada pastora “foi” lésbica por 19 anos antes de dar uma de Alice no País das Maravilhas. Foi traficante. Foi satanista. Foi drogada, largou as drogas, saiu do tráfico, e parou de beijar mulheres. Agora é apenas uma lunática, que se trancou no armário sabe-se lá por quanto tempo.
O que aprendi com essa história? Se o inferno é o lugar dos errantes, estamos todos no mesmo barco, não interessa a religião. De acordo com a intercambista celestial, no inferno tem lugar pra todo mundo. Sem mais delongas.
Paulo Reginaldo Cane tem 26 anos, é estudante de Letras; natural de Florianópolis, e atualmente mora em Blumenau – SC. O autor mantém o blog pauloreginaldocane.wordpress.com