Conheci o Gustavo em Pelotas há 18 anos. Eu era estudante de Medicina e ele de Arquitetura. Lembro do jeito sarcástico e “mais grosso que dedo destroncado” que me fazia rir sem parar. Ele ainda olhava pra minha cara e falava gritando: “Tá achando que eu sou palhaço?!”
Foi amizade automática. Um dia, a gente ficou, depois de uma festa. Aparentemente, fui o primeiro.
Não namoramos. Nunca tivemos essa oportunidade. Acabando a faculdade e cada um indo para um canto, não parecia nada demais. Mais tarde fui ao Japão, Canadá, casei, descasei e de vez em quando falava com ele. Voltei ao Brasil e quando retomei contato a conexão foi instantânea. Conversávamos muito. Quase todos os dias. Recuperávamos o tempo perdido contando as histórias do passado. Dava suporte nas fossas dele, ele nas minhas. Acho que desde que voltei ao Brasil mantive um sentimento sincero de amor e uma esperança de que um dia os nossos caminhos se cruzariam mais uma vez, quem sabe para algo muito maior.
Esperei pacientemente por anos até que eventualmente começamos a falar mais seriamente. Sempre fui aberto para que ele viesse para Boston. De certa forma, tínhamos carreiras maduras e não me sentia confortável de forçar a barra. Seria uma decisão drástica para qualquer um de nós. Mesmo assim, meu sentimento nunca diminuiu em momento algum. Sempre tive a certeza de que, se ficássemos juntos, seríamos felizes. E acho que ele tinha essa certeza também. Sempre que conversávamos o tempo era bom, com muitas risadas.
Lembro comentar na quarta-feira da semana passada com uma das minhas melhores amigas, Gina, que ele era o único com quem eu conseguia pensar hoje em casar de novo. Muitas vezes me pegava pensando no evento. Até sonhei com isso algumas vezes.
De certa forma, estava pensando já em como colocar essa certeza em andamento. Estava estudando oportunidades. Pesando decisões.
E então na quinta-feira recebi o contato do Jonas. Já fazia um tempo que o Gustavo não me respondia. Estava muito preocupado. De fato ele não estava bem. Na mesma hora, comprei uma passagem de volta.
Consegui dizer algumas palavras, segurar a sua mão e sentir seu batimento cardíaco. Pedi desculpas por chegar tão tarde, mas ele já estava sedado. Sei que ele teria feito o mesmo se eu estivesse no seu lugar. Sei que ele também teria vindo por mim.
Quem sabe, na próxima oportunidade, Gustavo. Sempre vou carregar o mesmo amor. Sempre vou ter a sua imagem quando fechar os olhos à noite. Sempre vou lembrar de você com seus amigos e vou contar as suas piadas, os seus causos e de quão especial você ainda é para mim.
Ronaldo, 37 anos, médico e pesquisador, natural de Veranópolis, RS, e mora em Boston, EUA. Gustavo tinha 36, era arquiteto e professor da URGS, morreu no dia 14 de agosto de 2016, de infecção respiratória. Ronaldo postou este texto originalmente no Facebook e leitores da Lado A entraram em contato com a revista e com o médico para que ele fosse compartilhado para nossos leitores. O título e a revisão foram feitos pelo editor Allan Johan. Nossos sentimentos ao Ronaldo e todos os amigos e familiares de Gustavo.