Livres para amar

Projeto visa estimular casamentos homoafetivos e fazer com que preconceito seja banido e que casais gays possam realizar o sonho do casamento

Por Andre Luis Cia
andre.cia@hotmail.com

 

“Eu sei que a vida é feita de momentos e o teu sorriso leu meus pensamentos”.  Assim como um trecho da música “Sou teu fã (Dennis e Bruno) sintetiza a história de amor deles, Rafael e Douglas parecem viver um conto de fadas na vida real. A poucos dias do tão esperado casamento no formato Elopement Wedding (cerimônia intimista), ambos não escondem a ansiedade. No entanto, devido à pandemia da Covid 19, optaram em realizar apenas com a presença de suas mães. Porém, o que torna a data ainda mais especial é que eles foram escolhidos por um grupo de fornecedores de casamentos curitibanos e ganharam toda boda de presente. O projeto intitulado “Almas sem preconceito”, luta pelo direito a que todos, independente de sua orientação sexual, manifestem seu amor e realizem o sonho de casar como qualquer outro casal.

Segundo o idealizador do projeto, o decorador colombiano Lewis Londono, a ideia surgiu após ele presenciar a dificuldade que casais gays tinham na hora de fechar contrato com alguns fornecedores em Curitiba (Paraná). “Muitos noivos me relataram a tristeza e a decepção por terem as portas fechadas após revelarem que eram um casal gay. Isso é inadmissível. Todos têm o direito de amar e de serem livres para exercerem suas próprias escolhas afetivas”.

Baseado nessa vertente, Londono conseguiu reunir um grupo de empresários de diferentes categorias e criou o projeto. Grande parte destes fornecedores, num total de 14, integram o casting da multinacional casamentos.com.br, presente em 16 países, incluindo o Brasil. Para chegarem até os escolhidos foi feita uma pesquisa minuciosa entre seus contatos. “Estamos muito felizes em presentear esses meninos (Rafa e Douglas), com a cerimônia. Tudo está sendo feito com o maior carinho do mundo porque o que mais queremos é proporcionar felicidade ao novo casal”, explicou Londono. O principal objetivo, segundo ele, é que a cerimônia sirva de exemplo não só em Curitiba, mas em todo país, e que isso possa abrir portas para que outros fornecedores brasileiros dispam-se do preconceito e abram espaço para mais casamentos homoafetivos em suas agendas. Por outro lado, que os noivos gays também se sintam acolhidos nesse momento tão importante de suas vidas. “Já sofri bullying por ser estrangeiro em países diferentes da minha terra natal. Primeiro na Inglaterra, e depois aqui no Brasil, e sei o quanto isso machuca, mas aqui no Brasil o preconceito é muito grande em diferentes esferas e a sexual é apenas uma delas. Queremos lutar contra isso”, justificou o decorador.

Londono é casado com uma psicóloga brasileira e foi criado na Inglaterra, mas mudou-se para o Brasil há cinco anos. É turismólogo e há muitos anos trabalha com eventos corporativos. Ele se diz defensor das causas sociais e acredita que o Brasil precisa avançar neste tema porque constantemente presencia diferentes formas de preconceito, não somente o sexual, mas o racismo também. “Me apaixonei por esse país e decidi ficar aqui. Fui construindo minha  história e realizei mais de 100 casamentos no Brasil, mas também quero ajudar  na construção de uma sociedade mais igualitária onde todos possam ser felizes como são. O amor não escolhe orientação sexual, apenas se sente”.

As bodas do cabeleireiro Rafael Lima (24) e do nutricionista Douglas Nicoli da Silva (33) serão realizadas numa chácara em Curitiba, no próximo dia 30 de agosto, seguindo todos os protocolos de segurança adotados em outros países, por isso, somente terão a presença de suas mães, e dos fornecedores envolvidos no projeto, como buffet, decoração, fotografia e filmagem, por exemplo. Após a cerimônia haverá um jantar. Todo evento tem previsão de duração de duas horas no máximo.


Douglas, à esq., e Rafael se casam no final do mês

DESTINO
Do primeiro beijo roubado na fila de uma casa noturna ao pedido inusitado de namoro num badalado restaurante de Curitiba com pétalas de rosas sob a mesa. Do noivado à preparação do casamento durante a pandemia. São muitos os momentos vividos e compartilhados por Douglas e Rafa ao longo dos últimos anos, e todos com muita entrega e paixão.

Antes do primeiro encontro numa balada de Curitiba, os dois já mantinham uma amizade virtual, mas isso nunca avançava para um encontro presencial até que
Douglas decidiu perder a timidez e convidou Rafa para que o acompanhasse numa festa. Para sua surpresa, ao se verem pela primeira vez olho no olho, partiu de Rafael a iniciativa de “quebrar literalmente o gelo”. “Sem pensar ele já chegou e me deu um beijo na boca.. A partir dali eu já vi que seria algo intenso”, relembra aos risos Douglas.

Passaram toda aquela noite juntos e após o fim da balada, Douglas o convidou para que dormisse em sua casa. Rafa brinca que assim como surpreendeu Douglas com um beijo inesperado, um gesto dele também o pegou de surpresa. “Ele me deu uma escova de dentes na nossa primeira noite e já reservou um lugar para ela no banheiro dele”.

O que era pra ter sido apenas um encontro com o passar dos dias foi se tornando rotina diária. Rafa conta que, até então, não pensava em ter uma relação séria, mas que foi impossível resistir aos encantos de Douglas, principalmente ao seu romantismo, já que passou a receber surpresas de diferentes tipos, como flores, bombons e mensagens durante todo o dia. E como bom canceriano, ele diz que seu coração foi se abrindo dia após dia e já não conseguia mais pensar em ficar distante. “Ele foi me conquistando completamente e eu me apaixonei”.

Mas a cartada decisiva de Douglas ainda estava sendo preparada. Rafa relembra que numa noite recebeu uma mensagem misteriosa dele pedindo para que se preparasse para algo importante que iam fazer. “Quando me dei conta estava sentado no restaurante mais intimista e charmoso de Curitiba e a mesa estava toda preparada com pétalas de rosas e vela. Fui pedido em namoro e não tinha como não aceitar”.


INUSITADO
Se para Rafael o processo de aceitação de sua homossexualidade foi algo natural e tranquilo; para Douglas, foi exatamente o contrário, já que ele teve que vencer conflitos internos antes de assumir sua sexualidade. Mudou-se do interior do Rio Grande do Sul (Santiago) justamente para estudar na capital paranaense, mas ele diz que nem imaginava que sua vida sofreria uma mudança tão radical, já que quando chegou a Curitiba ainda tinha relacionamentos héteros.

“Fui criado numa família tradicional e durante muito tempo julgava como sendo errado ser gay. Até que comecei a ter relações às escondidas, mas nunca
considerei a hipótese de ter uma relação gay aberta, principalmente porque acreditava que minha mãe nunca me aceitaria”, diz. Só que com o tempo as coisas foram mudando e ele acredita a sociedade também foi se abrindo às mudanças e isso o encorajou a se abrir com sua mãe . “Ela disse que o importante era que eu fosse feliz mesmo que ela não tivesse sonhado aquele caminho para mim, mas hoje ama o Rafa e aceita minha escolha, assim como toda minha família e a dele também”.

A partir daquele momento de aceitação interno e de se abrir também para o mundo, Douglas teve alguns relacionamentos gays, mas conta que nunca avançaram a ponto dele sentir o desejo de formar uma família com os ex-namorados. Isso durou apenas até conhecer Rafa. “Ali senti a mágica do amor e o desejo de cuidar dele. Era como se já nos conhecêssemos de outras vidas, e ele me confessou que também sentiu a mesma coisa por mim. Desde que o conheci nunca mais estive sozinho. Estamos sempre conectados de alguma forma”, diz Douglas.

Desde o primeiro encontro não conseguiram mais se desgrudar. Sempre havia um motivo extra para que se encontrassem e isso ficou mais forte depois do pedido de namoro e da apresentação às respectivas famílias. No entanto, como um bom romance que passa por grandes provas de fogo, o deles também não fugiu à regra, mas no final persistiu o amor que ambos sempre sentiam um pelo outro.

Quando a relação deles estava fluindo perfeitamente quis o destino pregar uma de suas peças separando-os fisicamente. Douglas foi convidado para trabalhar em Balneário Camboriú, mas o amor deles resistiu mesmo à distância, pois todos os finais de semana davam um jeito de se encontrarem, geralmente, Rafa viajava de ônibus e retornava para Curitiba na segunda de manhã.

A maratona de viagens durou alguns meses ate que Rafa arriscou tudo em nome do amor. Saiu do trabalho estável, vendeu todas suas coisas do apartamento e chegou de surpresa na casa de Douglas. “Ele não estava esperando, mas acho que mais do que nunca foi ali que vimos que a gente não podia mais viver separados”, diz Rafael. Douglas ressalta que cada um aprendeu a conviver com as diferenças do outro. Após quase quatro anos, eles decidiram elevar a relação ao status de casamento. “O melhor de tudo é saber que fiz e permaneço fazendo a diferença na vida do Rafa e ele na minha. Temos convicção do que sentimos um pelo outro. Temos o apoio de nossas famílias e de quem nos ama. Queremos ser precursores e incentivadores para que outros casais gays também sigam o mesmo caminho”, conta Douglas sobre o respeito e a cumplicidade entre eles.

 

Pandemia levou à cerimônia intimista 
Inicialmente, haviam planejado uma cerimônia tradicional com amigos e parentes onde pudessem mostrar ao mundo sua felicidade, mas devido à pandemia tiveram que mudar os planos, mas se dizem felizes da mesma maneira porque estão realizando o sonho de casar e ao mesmo tempo também participando de um projeto que visa ajudar a outros casais gays de todo país. “Temos só uma vida para viver esse sentimento, e ela é agora! Queremos que outros casais também vençam essa barreira e sejam tao felizes como nós estamos sendo”, diz Douglas.

A viagem de lua de mel está sendo mantida em segredo por Douglas para não estragar a surpresa. O casal também planeja ter filhos no futuro porque confessam que ambos têm uma paternidade bastante aflorada. Só não sabem se será por adoção ou inseminação artificial.

De momento, querem desfrutar tudo o que a vida tem para lhes oferecer, sem medo. Desejam conhecer o mundo. Mais do que isso: mostrar a este mesmo mundo o que sentem um pelo outro sem receio de serem julgados ou rotulados por suas escolas. “Não é porque somos feitos de um casal de iguais (dois homens) que temos de esconder nossa felicidade para não causar desconforto. Estamos felizes e ponto!”, resume Douglas.

 

 

Redação Lado A :A Revista Lado A é a mais antiga revista impressa voltada ao público LGBT do Brasil, foi fundada em Curitiba, em 2005, pelo jornalista Allan Johan e venceu diversos prêmios. Curta nossa página no Facebook: http://www.fb.com/revistaladoa