Desnecessário

Um colunista político do jornal Bem Paraná cometeu uma gafe ao fazer matéria com duas candidatas transexuais que concorrem à uma vaga na Câmara de Vereadores da capital paranaense. Com a descrição “(Com balangandan)” e “(Sem balangandan)”, e fotos das moças seminuas, ele abordou o tema “Curitiba poderá ter a primeira parlamentar transexual”. Uma das pré candidatas se sentiu altamente ofendida e promete acionar a Justiça contra o jornalista. As duas são militantes históricas do movimento e muito queridas na comunidade. De forma dissumulada, a nota questiona a capacidade das moças, com o agravante de expor elas seminuas, expressando clara transfobia e machismo. Por este motivo, não vamos replicar a nota e suas fotos. Acima, uma foto de um balangadan, para dar sorte a todos os candidatos LGBT, pois precisamos eleger pelo menos um ou uma nestas eleições. #votelgbt

Em seguida o jornal concedeu Direito de Resposta a uma das trans abordadas na matéria: 

“Como você, mulher, se sentiria se todas as pessoas ao seu redor, na escola, trabalho, unidade de saúde, banco, lojas, amigos, se referissem a você por Ele, por João? Ou você, sendo um homem, ser chamado de Maria, de Ela? Ou ainda se pedissem para ver e/ou saber qual é a sua genitália. Como as pessoas que vissem ou ouvissem isso reagiriam? Provavelmente, num primeiro momento, você pudesse achar estranho, mas, em seguida, se sentiria constrangida(o), irritada(o), desrespeitada(o), sofreria com os olhares alheios, com a violência.
 
Diante dessa situação nos incomodamos, mas por que não nos incomodamos quando pessoas travestis e transexuais passam cotidianamente por situações desse tipo? Ao contrário, o respeito à Identidade de Gênero, ao nome pelo qual as pessoas Trans se identificam, é que causa incômodo. Parece não ser possível conviver com o que é “diferente”, com o que “desvia” da norma. O “diferente” parece desestabilizar o que é naturalizado, ou seja, a relação entre sexo biológico e gênero. Essa “diferença” se torna problemática quando se torna desigualdade social, desigualdade de direitos.
 
É importante destacar que, conforme o entendimento de diversas(os) pesquisadoras(es) da área, entidades científicas e de classe, como o Conselho Federal de Psicologia (ver http://despatologizacao.cfp.org.br), essa relação não é natural, mas produzida social e culturalmente e a não correspondência entre sexo biológico e gênero, portanto, não é uma doença, “aberração”, mas sim mais uma forma de ser e estar no mundo.
 
Visando à garantia de direitos para as pessoas trans, no dia 28 de abril, a presidenta Dilma Rousseff assinou o Decreto Presidencial nº 8.727, que dispõe sobre o uso do nome social e o reconhecimento da identidade de gênero de pessoas travestis e transexuais no âmbito da administração pública federal direta, autárquica e fundacional.
 
A ONU-MULHER Brasil juntamente com demais agências da ONU vem constantemente trabalhando junto às pessoas Trans, com a intenção de fazer o enfrentamento às violências acometidas a esta população e promovendo ações afirmativas para nós. Segundo pesquisa da organização não governamental “Transgender Europe” (TGEU), rede europeia que apoia os direitos da população trans, o Brasil e o país onde mais se matam travestis e transexuais no mundo. Entre janeiro de 2008 e março de 2014, foram registradas 604 mortes de homens e mulheres trans brasileiras.
 
“No contexto da Agenda 2030, não podemos deixar ninguém para trás. Isso exige de nós um olhar especial também para a população LGBTI”, disse o coordenador residente das Nações Unidas no Brasil, Niky Fabiancic.
 
Campanha “Livres e Iguais” – Projeto do Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) em parceria com a Fundação Purpose, a campanha “Livres e Iguais” tem por objetivo aumentar a conscientização sobre a violência e a discriminação homofóbica e transfóbica nos países e promover um maior respeito aos direitos das pessoas LGBTI.
 
Este ano, a campanha lançou o vídeo “Porque Nós Lutamos”, que mostra os diversos enfoques da luta LGBTI em diferentes lugares do mundo: por equidade, dignidade e justiça social; pelo empoderamento das mulheres, lésbicas, bissexuais trans e queer; pelo fim dos assassinatos transfóbicos; pelo respeito às diversidades de famílias; contra o bullying homofóbico; pelo fim da violência e discriminação, entre outras.
 
No entanto, há a necessidade, por um lado, de uma maior capacitação das(os) profissionais como jornalistas, médicos, psicólogos etc, sobre as resoluções e políticas que abordam o assunto, para que haja a garantia do direito de ser respeitada pelo gênero com o qual a pessoa se identifica. Algumas pessoas travestis e transexuais já o conseguiram, sem precisar passar por esse processo, mas o processo para tal mudança ainda é burocrático, lento e, na maioria dos casos, sem um parecer favorável às(aos) requerentes. Isso se faz necessário na medida em que as desigualdades na lei podem afetar aspectos fundamentais da vida das pessoas trans e impactar diretamente na sua capacidade de acesso aos direitos humanos. Devemos fazer esta reflexão, pois a todo o momento, nós pessoas trans, somo cobradas quanto aos nossos deveres, contudo onde estão os nossos direitos iguais, direitos estes garantidos na Constituição Brasileira de 1988.
 
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
 
I – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;
 
X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
 
 
Para muitas travestis e transexuais, a mudança de nome nos registros civis é fundamental para o exercício de sua cidadania. A mudança no nome evitaria os constrangimentos que vivenciam cotidianamente ao terem que apresentar o documento de identidade, por exemplo, para comprar em crediários, abrir conta em banco, procurar empregos formais, ir aos serviços de saúde etc., trazendo, assim, um maior bem-estar para as suas vidas como um todo. Ou seja, garantiria que os direitos humanos fossem realmente de todas e todos, que o direito à vida fosse de todas e todos.
 
Contudo ainda muitas pessoas Trans não são respeitadas mesmo com a alteração de prenome e sexo. Assim se faz necessário uma mudança cultural e social, para que possamos viver em um pais mais igualitário, com equidade e melhor para todas as pessoas.
 
 
Atenciosamente
 
 
Rafaelly Wiest da Silva”
 
Redação Lado A :A Revista Lado A é a mais antiga revista impressa voltada ao público LGBT do Brasil, foi fundada em Curitiba, em 2005, pelo jornalista Allan Johan e venceu diversos prêmios. Curta nossa página no Facebook: http://www.fb.com/revistaladoa