Empoderamento: até aonde vai sem configurar uma nova opressão

Em recente matéria publicada no Jornal da USP, surge o debate sobre termos contemporâneos em assuntos que dizem respeito à representatividade e socialização de pessoas consideradas minorias. A publicação do dia 21 de agosto de 2017 traz uma importante reflexão baseada nos estudos do professor e membro da Comissão de Direitos Humanos da Universidade de São Paulo (USP), Ricardo Alexino Ferreira. 
Questionando o uso cada vez mais frequente de termos como “lugar de fala”, “empoderamento” e “protagonismo”, a discussão do docente parte do princípio de que o “lugar de fala” exclui determinados grupos sociais que muitas vezes concordam ideologicamente entre si. Alvo de parte das críticas, o movimento feminista se torna um exemplo de disseminação do “lugar de fala”, desconsiderando, por exemplo, as várias nuances e indivíduos que possa atingir caso não faça discernimento entre os que mais ou menos podem ser representados ou se beneficiarem do movimento. “Ao evocar lugar de fala essas mulheres não explicam que existem diferenças imensas entre mulheres negras, indígenas, asiáticas e brancas nos diferentes contextos sociais.”, argumenta o professor.  
A crítica com relação ao “empoderamento” baseia-se na hipótese de que este, em excesso ou visto por outra óptica, pode resultar em opressão no sentido em que coloca uma identidade, movimento ou indivíduo em superioridade, inviabilizando outras possibilidades de protagonismo e existência, ainda que mais respeitadas socialmente. Ricardo explica que a origem do termo “empoderamento” está na palavra poder, que emergiu nos anos 60 durante o início de movimentos de orgulho gay, negro e feministas. Seguindo o mesmo raciocínio, o termo protagonismo também surgiu na mesma época, e, junto com o “empoderamento”, perdeu sentido no começo dos anos 90 em diante, sendo que “em dado momento, os termos que destacavam as diversidades passaram a ser usados até mesmo por aqueles que oprimiam os segmentos sócio-acêntricos. Assim, os termos foram sendo poluídos e hoje já carecem de sentidos históricos, culturais e sociais.”, afirma. 
 
A apropriação da mídia 
Sob outro viés da discussão, o professor Ricardo Alexino relaciona os termos usados recentemente com a mídia. Segundo o docente, devido ao avanço das conquistas das minorias, a mídia, a partir dos anos 80, se viu diante do desafio de retratar essas novas identidades. Em comparação com a mídia a partir do século XIX, em que os negros, por exemplo, eram retratados de forma inferiorizada, a nova mídia começa a dar mais espaços a esses novos grupos sociais, os quais também são formados pelo movimentos das mulheres e LGBTs, chamados pelo professor de neocidadãos midiáticos. Em consequência desse processo, houve mudanças até mesmo no legislativo e executivo, com o debate e avanço de políticas favoráveis a esses movimentos.

Considerando as comparações midiáticas, uma vez que esta é de grande alcance e influência social, Ricardo Alexandrino associa os termos usados atualmente como “empoderamento”, “lugar de fala” e “protagonismo” à sua analise de que tais palavras “vão tendo outros significados à medida que os fenômenos sociais vão se transformando”, muitas vezes, perdendo o embasamento histórico e social, como critica o especialista.

 
Apropriação e classe social
Citando o movimento LGBT, o professor apresenta ainda mais um ponto de vista com relação a tais movimentos sociais. A sigla LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transexuais) recentemente recebeu e ainda vem recebendo modificações com o surgimento de outras identidades. Alguns estudos incluem na sigla as letras “Q”, referindo-se ao Queer; “A” de Assexuais; “I” de intersexuais; ou o sinal “+” que considera  essas junções na sigla LGBT, representado por LGBT+. Com toda essa análise, o pesquisador questiona os termos de “lugar de fala”, “empoderamento” e “protagonismo”, uma vez que se torna praticamente inviável categorizar as diversas formas de existência e identidades dentro de um mesmo movimento. 
 
No mesmo sentido do exemplo LGBT, está o movimento negro e das mulheres, nos quais, segundo o professor, existem vários contextos como homens e mulheres negros, pobres, indígenas, LGBT+, tornando-se um equívoco destinar a um ou outro os tão citados “protagonismo”, “lugar de fala” e “empoderamento”, o que muitas vezes abre espaço para a apropriação do movimento por vozes que não fazem parte de minorias ou vulnerabilidades sociais. “Talvez o maior desafio dos grupos da diversidade seja quebrar o mimetismo das fórmulas tradicionais e conservadoras e edificar novos paradigmas.” conclui. 
 
Ricardo Alexino Ferreira é professor associado/livre-docente da ECA e membro da Comissão de Direitos Humanos da USP.  Imagem: jornal.usp.br

(R.L)

 

Ricardo Alexino Ferreira é professor associado/livre-docente da ECA e membro da Comissão de Direitos Humanos da USP. Imagem: jornal.usp.br

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