Em setembro de 2017, o juíz Waldemar Claudio de Carvalho, da 4ª Vara da Justiça Federal de Brasília concedeu uma liminar que ficou conhecida como legalização da “cura gay”. A decisão dava apoio para os profissionais de psicologia tratarem de pacientes homossexuais “egodistônicos”. Essa norma contrariou a Resolução nº001/1999, do Conselho Federal de Psicologia (CFP) que proíbe qualquer terapia nesse sentido.
A liminar do juiz gerou controvérsia na comunidade médica e de psicologia de todo o país. Em várias capitais houve protestos de frentes LGBT contra a medida, assim como o posicionamento de organizações conservadoras favoráveis à “cura gay”. Um dos argumentos que embasavam a decisão do juiz versava sobre a liberdade profissional do psicólogo, bem como liberdade de expressão. No entanto, um detalhe foi usado para embasar de forma errônea a ideia de cura gay: tratamento da homossexualidade egodistônica com pretexto de pesquisar o tema.
A palavra egodistônica diz respeito à divergência de pensamentos com o comportamento desejado. O termo pode ser usado pra diversos tipos de comportamento, mas no caso da argumentação que resultou na decisão do juiz do DF, o significado foi voltado para a sexualidade. Em tese, homossexuais egodistônicos estão em desconformidade com sua essência, almejando ter outra orientação sexual.
A homossexualidade egodistônica foi então usada como pretexto para induzir terapias de reversão sexual nos consultórios de psicologia. A norma nº 001/1999, do CFP, versa justamente sobre a proibição desse tipo de tratamento devido às suas graves consequências psicológicas e violação dos direitos humanos. No entanto, contestando a resolução do CFP e abrindo o consultório para o tratamento de egodistônicos, permitiu-se também o espaço para as perigosas terapias de reversão sexual. A norma nunca proibiu o tratamento de pacientes homossexuais, mas exatamente versa contra a proibição de prometer ou promover o que muitos pacientes – sobretudo os pais de adolescentes- desejam, por conta do próprio preconceito: ser algo que não são para não precisar enfrentar o preconceito que carregam.
Definição da ciência
Em artigo publicado em 2012, o pesquisador Rafael Jiménez Diaz, da Universidade de Málaga, demonstrou sua teoria sobre o tema. Para Jiménez, a homossexualidade egodistônica, se trata da não aceitação da própria homossexualidade. Algumas pessoas procuram tratamento para essa condição, mas não na forma de “cura gay” ou terapia de reversão sexual.
A tentativa de negar a própria orientação sexual como forma de não mais querer exercê-la, segundo Jimenez, é inútil. Essa prática resulta em grande estresse psicológico e quanto mais individuo procura não pensar em sua sexualidade, mais ela estará em sua mente. “Se disser “Não pense em um urso branco” e então pensa-se, precisamente, em um urso branco. Isso ocorre porque a declaração “Não pense em um urso branco” contém o conteúdo que deve ser evitado, o urso branco”, exemplificou.
Sintomas
Jiménez sintetizou uma série de sintomas e sentimentos apresentados por homossexuais egodistônicos. O autor explica que quando o indivíduo se aproxima do objeto que lhe causa aversão, ou seja, sua própria homossexualidade, sentimentos são desencadeados. Nesse caso, a resposta cognitiva consiste primeiro na resistência contra esse desejo. Em segundo lugar, ainda no sentido de cognição, pensar em considerar a homossexualidade como natural dão sequência ao pensamento de culpa e de que seus desejos são pervertidos. Para o cientista, ao mesmo tempo em que acontecem essas manifestações cognitivas, o físico também responde. A tensão e ansiedade se acumulam e provocam um comportamento agitado.
Em outra possibilidade comportamental, o indivíduo continua negando sua condição, mas consegue liberar a tensão acumulada em alguns momentos. A atividade cognitiva cede ao pensamento antes rejeitado e a conduta permite se libertar nesse sentido. No âmbito comportamental, a prática da homossexualidade é uma forma de ceder aos impulsos. Desse modo, é possível aliviar a tensão e ansiedade acumuladas pela negativa e regressar ao ciclo de culpa e prática.
Diagnósticos
O doutor e psicanalista da Universidade de São Paulo (USP), Christian Ingo Lenz Dunker, questiona as referências para diagnósticos da homossexualidade egodistônica. Para o docente, as versões do DSM (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais), assim como o CID (Código Internacional de Doenças), possuem definições baseadas em aspectos culturais e sociais.
Fazendo uma análise sobre a história dessas referências médicas, é possível refletir sobre o contexto social em que foram criados. O DSM-II, por exemplo, foi redigido em 1952 sob a influência do Exército dos Estados Unidos que pretendia reunir critérios para o recrutamento de novos soldados. No rol da sexualidade, o DSM-II considerava a homossexualidade com “distúrbio de orientação sexual”. Isso porque muitos ativistas já haviam pressionado a Associação Americana de Psiquiatria (APA), responsável por homologar as versões do DSM. Considerando a homossexualidade como patológica, evita-se assim o desenvolvimento e avanço dessa minoria na época, sob o argumento de que sua condição se tratava de um distúrbio.
Em 1973, após vários protestos que, inclusive, invadiram conferências da APA, o DSM-II foi revisto. A homossexualidade não foi mais considerada como um distúrbio, isto é, retirou-se a patologia do significado do termo. Por outro lado, começou-se a considerar a homossexualidade egodistônica com os sujeitos que são homossexuais cognitivamente, mas pretendiam se ver livres dessa condição, como uma enfermidade, uma vez que carregam outros distúrbios e transtornos de personalidade, ao se auto rejeitarem.
Cultural
O psicanalista Dunker não descarta a hipótese de que o vínculo da homossexualidade com distúrbios mentais tem ação social. Esse fenômeno é chamado pelo pesquisador de psicopatologia prática. Isso significa uma forma de legitimar a aversão ou proibição social a determinados comportamentos.
No sentido do tratamento da homossexualidade egodistônica, Dunker cita em seu artigo um evento protagonizado por uma psicóloga brasileira. Em 2009, a psicóloga Rosângela Alves foi punida pelo Conselho Federal de Psicologia por práticas de reversão sexual.
Uma das características mais recorrentes em indivíduos com homossexualidade egodistônica é o sofrimento psicológico. A origem dessa angústia vem do meio social que não naturaliza a homossexualidade, pelo contrário, ainda trata como patologia. É nesse sentido que Dunker destaca a ineficiência e perigo da terapia de reversão sexual.
Partindo desse pressuposto, é possível imaginar a confusão mental de um indivíduo cujo contexto social aponta insistentemente que sua condição homossexual é um erro. A influências culturais se baseiam em tradições e dogmas religiosos, além de interesse políticos. A atitude correta, nesse caso, seria que o psicólogo disponibilizasse alternativas para naturalizar a condição de homossexual em seu paciente. Desse modo, se inicia um processo para livrá-lo da aflição psicológica que o debilita cognitiva e fisicamente.
Denuncie
Historicamente, as tentativas de reversão da sexualidade resultaram em transtornos mentais graves nos pacientes, levando a agravamento de psicopatias e tentativas de suicídio. Por isso, tanto a Psicologia quanto a Medicina não promovem mais estes tipos de tratamento ou pesquisas. Todo profissional que propor ou tentar promover a mudança da orientação sexual deve ser denunciado para o conselho da profissão. Disque 100, para o Ministério dos Direitos Humanos, para denunciar estes profissionais.