Transparência: O que o Grupo Dignidade precisa melhorar

Foto: Daniel Castellano / SMCS

Primeiramente, gostaria de dizer que o trabalho desenvolvido pelo Grupo Dignidade é muito importante. Há anos acompanho e participo das ações da entidade, onde trabalhei de 2002 a 2003, como coordenador de projeto, e posteriormente como voluntário. Há questões não claras, urgentes, que do meu ponto de vistas devem ser informadas a toda a comunidade. A instituição não é transparente, no meu ponto de vista. Tentei falar com o fundador da entidade, Toni Reis, que ao invés de me responder pediu por semanas para eu falar com outras pessoas que se diziam por fora do assunto ou não ter autorização para falar sobre. Por fim, no último dia 18 de julho, pedi algumas satisfações e fui removido dos grupos de voluntários da entidade. Farei algumas considerações e, ao final, deixo uma lista de questões que todos deveria se perguntar.

Conglomerado
No endereço da sede funcionam diversas entidades e o grupo conta com outras organizações nascidas dentro da entidade e que atuam em forma conjunta representando a sociedade civil. A Aliança Nacional LGBTI, Grupo Dignidade, IBDSex, Cepac, Espaço Paranaense da Diversidade são entidades que nasceram a partir do Grupo Dignidade e atuam em conjunto nos órgãos representativo. Infelizmente, as entidades utilizam relatórios de atividades tão similares, que isso já foi constado por órgãos fiscalizadores. (https://www.jusbrasil.com.br/diarios/255646308/doepr-caderno-normal-executivo-07-08-2019-pg-30?ref=serp)
Algumas organizações como Grupo Esperança, RNP, Grupo Liberdade, Coletivo Cássia, também foram criadas dentro da instituição, o que comprova a sua importância, mas atuam de forma independente.

Rachadinha
Quando eu trabalhava no Grupo Dignidade, era comum darmos parte do recebimento dos projetos para a manutenção da entidade, uma espécie de rachadinha, principalmente os que ocupavam cargos de coordenação. Fui contra a tal prática e foi solicitado que eu dispensasse o meu assistente de projeto, meu amigo que fora trabalhar lá comigo. Por isso, sugeri dividir o meu salário com ele, para que a parte dele fosse doada para a compra da sede própria instituição. As salas atuais, compradas através de consórcios que pagávamos, teriam nosso nome em uma placa, diziam. Alguns assinavam em dois projetos e recebiam apenas de um. Conversei com pessoas que trabalharam lá antes de mim e elas faziam o mesmo, segundo eles, para pagar uma dívida da entidade com um dos fundadores. Ouvi que ainda hoje o custeio das contas é dividido e pago desta forma. Parece justo, mas não é, pois há outras fontes, como doadores mensais, que não sabemos quem ou quantos, além de verbas pontuais que não são colocadas em lugar nenhum.

Eleições
Nunca fiquei sabendo, nesses anos todos, de edital de eleição da entidade, a diretoria é sempre distribuída para chapa única, normalmente com os remanescentes. Os fundadores tomam conta das nomeações, estratégias e das contas da instituição. Talvez, ou melhor, certamente, o segredo do sucesso de ter sobrevivido tanto tempo. A entidade não tem contas abertas e nesses 28 anos está sempre solicitando ajuda, apesar do volume de dinheiro que circulou nela.

Processos
Algumas investigações aconteceram nesses 20 anos, entre elas uma movida pelo Gabriel Furquim, que trabalhou conosco e que posteriormente teria se apossado de um dos consórcios para a sede própria. Ele denunciou no Ministério Público as práticas de desvio de verba pública. A instituição foi alvo da CPI das ONGs e foi envolvida na compra e doação de um aparelho para transmissão via satélite, ao custo de 75 mil dólares, para um congresso realizado na Amazônia. (Página 92 – http://www.senado.leg.br/comissoes/documentos/SSCEPI/DOC0095%20(com%20anexos%20linkados).pdf). Em 2009, Furquim foi assassinado e as denúncias perderam força, até onde sabemos sendo arquivadas.

Entre 2003 e 2006, a entidade movimentou R$ 3.021.170.90 em projetos apoiados por organismos nacionais e internacionais, conforme apurou a CPI das ONGs. Atualmente, a entidade responde no processo 00272820150 no tribunal de Contas da União ao qual foi condenada em duas instâncias a ressarcir os cofres públicos por contratos referentes aos anos de 2005 e 2006. Entre as acusações levantadas pelo órgão fiscalizador estão pagamentos indevidos, simulações de compra e imprecisão de dados fornecidos. (https://tcu.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/729315629/tomada-de-contas-especial-tce-272820150/voto-729315822?ref=juris-tabs e https://tcu.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/729315629/tomada-de-contas-especial-tce-272820150)

Herança
Em 2017, o Grupo Dignidade foi beneficiado por uma herança, vinda de um voluntário, de quantia nunca divulgada, sabe-se que o valor é considerável e inclui dois automóveis. Acredito que seja necessário esclarecer o valor envolvido no processo e como foram gastos tais valores. O processo correu em segredo de Justiça. A entidade afirmou à época que o dinheiro foi usado para pagar contas atrasadas de salários e condomínios. O processo é o 0020147-88.2016.8.16.0188 e o advogado da ação contratado pelo Grupo Dignidade, afirmou não ter autorização para falar sobre o assunto. O doador era meu amigo pessoal, frequentava o grupo quando eu trabalhava lá, e eu só soube de sua morte depois de procurar sobre o processo.

Transparência
A instituição afirma que presta contas para os órgãos competentes e parceiros. O Ministério Público do Paraná informou que apenas fundações prestam contas à entidade por lei e que não constam as prestações de conta da entidade no órgão. Ainda, enquanto eu era funcionário da prefeitura, solicitei prestação de contas quanto a Marcha da Diversidade e a um curso feito em parceria com um banco e a Prefeitura, e não foi apresentada tal documentação. Sabe-se que a entidade recolheu dinheiro para trio elétrico e painel de led com empresas e pessoas para o evento (de forma informal) e que recebeu a quantia de R$50 mil para a reforma da sede e curso feito em contrapartida à doação. Todavia a aplicação destes recursos precisa ser transparente, até porque muitas pessoas na entidade trabalham de graça, como voluntários, como foi na reforma. O banco declarou que a sua única exigência de contrapartida foi a fixação da placa no local, que de fato existe. As 150 formações de servidores foram cumpridas, posso afirmar, mas ainda sim falta prestar conta à comunidade, clientes maiores da entidade. Boa parte do valor foi paga como remuneração ao fundador, que aplicou as aulas sozinho. Não discuto a sua capacidade e merecimento, mas… é preciso colocar isso público.

Política e Politicagem
A entidade se diz apartidária, porém, nos últimos quatro anos, quatro membros ou pessoas ligadas diretamente à entidade se candidataram a cargos eletivos, por meio de partidos políticos, dois são pré candidatos para as eleições deste ano. Ainda, alguns diretores trabalharam para candidatos, sendo remunerados por isso. A sede da entidade recebeu eventos e seus voluntários participaram de campanhas abertamente.

No ano passado, Toni Reis, fundador da entidade, ganhou um processo contra um jornalista homofóbico com indenização por danos morais de R$25 mil reais. O valor não foi cobrado ou sequer doado à entidade, o processo de difamação homofóbica foi extinto, sendo preferida a política de boa vizinhança, já que o condenado é esposo da secretaria nacional de igualdade racial, do ministério de Damares Alves, sabidamente amiga do fundador da entidade. O mesmo jornalista foi preso recentemente no caso denominado gabinete do ódio, a mando do STF, que desmantelou um esquema de fakenews. https://www.nossoparana.com.br/news/oswaldo-eustaquio-faz-texto-com-afirmacoes-homofobicas e https://www.jusbrasil.com.br/processos/218964783/processo-n-0032793-1220168160001-do-tjpr)

Voluntários
Em respeito a todos que, como eu, se dedicaram ao Grupo Dignidade, gostaria de ver a entidade colocando a tal placa em homenagem a estes, muitos já mortos. Ainda, que abram as contas para unir a nossa comunidade e não afastar as pessoas de um trabalho tão bonito, que julgo ser de todos. São pessoas que trabalham de graça que fazem o Dignidade, pessoas que são esquecidas ao longo desses 28 anos. Chegou a mim uma história, do Rodrigo, um jovem voluntário que atuava com bolsa em um projeto HIV+ que brigou com a diretoria e saiu do grupo em 2014, durante a campanha eleitoral. Doente, não conseguiu auxílio no INSS nos últimos meses de vida pois não haviam feito o recolhimento para o benefício. É uma entidade de Direitos Humanos, maravilhosa, com alguns problemas, e precisamos resolver isso. Por isso, questiono sim, e faço isso faz anos. Antes internamente, desta vez publicamente.

Último exemplo: Atualmente, a entidade faz coleta de doações para cestas básicas com objetivo de distribuir à comunidade carente no meio desta epidemia. Um trabalho lindo, que apoiei pessoalmente e por meio de parceiros, mas esses dias tomei conhecimento que a entidade recebeu uma remessa de 200 cestas básicas da Secretaria de Justiça, Família e Trabalho do Paraná e não divulgaram isso abertamente. A campanha poderia ser feita por plataforma virtual, com acompanhamento em tempo real. Transparência é o que falta. Trabalho tem e quanto mais transparentes, mais pessoas ajudarão. Conversei com muitas pessoas que se afastaram do grupo por conta disso. O Dignidade também é meu legado, e acredito que todos devam cuidar dele.

Deixo algumas questões, que gostaria de saber:

Quando foram realizadas as últimas eleições da entidade e quem participou, e das demais instituições? Quando será a próxima?

Quanto foi recebido de herança em 2017, no que foi gasto esse dinheiro?
Quem doa mensalmente ao grupo Dignidade?

Todos esses valores tem registro de recibo? São depositados em contas para fim de doações?

São recolhidas as contribuições ao INSS dos voluntários que atuam com bolsas de projetos na organização?

Qual a prestação de contas da Marcha pela Diversidade?

O que o grupo recebeu da 99 Táxi, Exxon Mobil, Itaú e Ebanx? A que fim foi destinado essas verbas?

O que foi recebido de verba pública nos último 10 anos? E da iniciativa privada, e da comunidade? Quais contratos e convênios foram firmados ou existem?

Allan Johan :O jornalista Allan Johan é fundador da Revista Lado A, militante LGBTI e primeiro Coordenador da Diversidade Sexual da Prefeitura Municipal de Curitiba entre março de 2017 até maio de 2020.